O globo, n.31705, 27/05/2020. Economia, p. 17

 

Crise Aérea

Manoel Ventura

Mariana Barbosa 

Bruno Rosa 

Geralda Doca

27/05/2020

 

 

 Recorte capturado

A Latam, segunda maior companhia aérea em voos domésticos no Brasil, oficializou ontem um pedido de recuperação judicial nos EUA, Chile, Peru, Colômbia e Equador para reestruturar seus negócios, afetados pela crise do novo coronavírus. Apesar de não ter apresentado à Justiça brasileira solicitação semelhante, o movimento acendeu o sinal de alerta no o governo federal e acirrou as divergências entre os ministérios da Infraestrutura e da Economia em relação ao que pode ser feito para ajudar as aéreas no país.

Se o pedido de recuperação judicial for aceito, a empresa deixará de pagar seus credores até apresentar um plano de reestruturação de todos os débitos, que somam US$ 10 bilhões. O pedido de recuperação foi apresentado no exterior porque 95% das dívidas da matriz da companhia estão em contratos regidos pela legislação americana. Se o pedido fosse feito no Brasil, a empresa teria que desistir de receber ajuda do BNDES.

O braço brasileiro da Latam — junto com a Gol e a Azul — vem tentando negociar com o governo brasileiro uma ajuda financeira desde que suas receitas praticamente zeraram, depois da redução brusca de voos.

O BNDES acertou um socorro de R$ 2 bilhões para cada uma, o que foi considerado baixo tanto pelas empresas quanto por integrantes do próprio governo.

A ampliação desse valor, porém, esbarra na recusa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de adotar medidas de socorro específicas para determinado conjunto de empresas. Mas cresce dentro do governo a avaliação que as aéreas precisarão de um suporte mais forte, diante da queda de mais de 90% na demanda por causa da pandemia e pelo caráter estratégico do setor.

—A nossa preocupação com o setor aéreo sempre é de preservar as empresas operando para preservar os empregos e, na retomada, agente não ter um problema de choque de oferta, o que vai causar uma elevação de tarifas, e termos localidades desassistidas — afirmou ontem o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Frei tas, ao comentara decisão tomada pela Latam.

CRÉDITO TRAVADO

Atualmente, a Latam opera com uma frota de 333 aviões, sendo 162 no território brasileiro. Globalmente, a empresa emprega 41 mil pessoas —21 mil no Brasil.

A empresa enfrenta dificuldades para atender às demandas estabelecidas pelo BNDES para receber a ajuda oferecida porque não tem sede no país, nem ações negociadas na Bolsa brasileira. Mas há quem argumente que é preciso considerar o peso da companhia na malha aérea do país.

A Gol lidera o mercado de voos domésticos, com uma fatia de 38,6%, seguida por Latam (37,7%) e Azul (23,3%).

O comando da Latam vai propor ao governo brasileiro que entre, por meio do BNDES, num pool de financiamento da companhia. A vantagem do modelo, segundo executivos da empresa, é que quem entrar no grupo terá preferência na hora de reaver os créditos.

— O governo chileno vai entrar. Nada impede que o governo brasileiro entre também e faça um direcionamento dos recursos para a subsidiária brasileira. A gente acredita que existe uma maneira de continuar avançando, mas tem que ser ajustada a essas novas condições — disse o presidente da Latam Brasil, Jerome Cadier.

As famílias Cueto e Amaro e a Qatar Airways, acionistas da companhia aérea, se comprometeram a fazer um financiamento de US$ 900 milhões, valor que pode chegar a US$ 1,3 bilhão.

Para o presidente executivo do Grupo Latam, Roberto Alvo, as regras de recuperação da Lei americana poderão favorecer as negociações com o BNDES.

Esse otimismo não é compartilhado pelo comando do banco brasileiro. O BNDES ainda avalia como o pedido de recuperação judicial no exterior vai interferir nas condições impostas para o financiamento oferecido à empresa. Como o socorro será garantido por instituições privadas e públicas, a avaliação é que a Latam terá que dar mais garantias, agora que pediu proteção judicial, para ter acesso ao dinheiro.

CORTES NOS PLANOS

Alvo disse que a empresa terá de tomar “decisões complexas nas próximas semanas para ajustar a demanda”.

— Lamentavelmente, temos que reduzir pessoal e principalmente cortar pessoas que estavam fazendo bem seu trabalho—disse.

Segundo o presidente da Latam no Brasil, diante da possível queda de até 40% da demanda nos próximos dois anos, a operação terá que passar por um ajuste da mesma magnitude.

— Vamos ter que otimizar a frota. Temos algumas famílias de aviões nos voos internacionais. Pode ser que a gente elimine uma para ser mais eficiente —disse.

Cadier não deu previsão sobre possíveis cortes de pessoal, nem o volume de demissões esperado para o Brasil. Desde o início da crise, a empresa já demitiu 1.850 funcionários em Chile, Colômbia, Peru e Equador.

O presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Ondino Dutra, disse que deve se reunir com a Latam ainda nesta semana. Por enquanto, vale o acordo estabelecido com todas as empresas aéreas: estabilidade de emprego até 30 de junho.