O globo, n.31705, 27/05/2020. País, p. 7

 

‘A interferência está devidamente oficializada’

Rafael Nascimento de Souza 

Paulo Cappelli

André de Souza

27/05/2020

 

 

O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC-RJ), negou ontem envolvimento no esquema de desvios de recursos públicos destinados ao atendimento do estado de emergência de saúde pública. À tarde, em reunião com seus secretários, ele disse que está sendo usado pelo presidente Jair Bolsonaro para intimidar outros governadores.

— Ele quer passar a mensagem de que fará com os outros governadores e políticos de oposição o que está fazendo comigo. É para intimidar — disse Witzel ao seu secretariado, no Palácio Guanabara, afirmando que Bolsonaro o “persegue” por acreditar que o governo estadual, por meio da Polícia Civil, persegue seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos).

De acordo com o colunista Lauro Jardim, Witzel afirmou, nessa mesma reunião, que não deixará o cargo:

— Não vou renunciar — disse aos secretários, os deixando livres para deixar o governo, caso queiram, em função do momento difícil.

Em nota, Witzel citou as suspeitas de que Bolsonaro interfere na Polícia Federal em busca de interesses particulares: "Não há absolutamente nenhuma participação ou autoria minha em nenhum tipo de irregularidade nas questões que envolvem as denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal. Estranha-me e indigna-me sobremaneira o fato absolutamente claro de que deputados bolsonaristas tenham anunciado em redes sociais nos últimos dias uma operação da Polícia Federal direcionada a mim, o que demonstra limpidamente que houve vazamento, com a construção de uma narrativa que jamais se confirmará.

A interferência anunciada pelo presidente da República está devidamente oficializada. Estou à disposição da Justiça, meus sigilos abertos e estou tranquilo sobre o desdobramento dos fatos. Sigo em alinhamento com a Justiça para que se apure rapidamente os fatos. Não abandonarei meus princípios e muito menos o Estado do Rio de Janeiro”.

Horas após ser alvo da Operação Placebo da Polícia Federal, Witzel fez um pronunciamento no Palácio Laranjeiras. O governador classificou a operação como “desproporcional” e chamou a investigação de “fantasiosa”. Ele disse que quem deveria estar na cadeia é o e seu ex aliado, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos). O governador disse ainda que continuará “lutando contra esse fascismo que se instala no país e contra essa ditadura de perseguição”.

— Quero manifestar a minha absoluta indignação com o ato de violência que o Estado de Direito sofreu. Tenho todo respeito ao ministro Benedito Gonçalves (do Superior Tribunal de Justiça), mas essa busca e apreensão foi construída com uma narrativa fantasiosa. O ministro foi induzido ao erro — afirmou Witzel, que se mostrou irritado com a operação da Polícia Federal que apreendeu seus computadores e celulares.

Flávio Bolsonaro rebateu e acusou Witzel de ser corrupto, dizendo que “muita coisa pode vir à tona”. Também sugeriu que o governador está se fazendo de louco para não ser preso.

— Não fiz nada de errado. Estou sendo investigado há mais de dois anos, governador. Dois anos! Nem denúncia tem contra mim, porque não tem elementos para denunciar — disse Flávio em “live” no Instagram, acrescentando:

—Não tem que ficar se preocupando comigo. Vá se preocupar em se defender, porque vai precisar.

ELOGIOS A QUEIROZ

Segundo Flávio, a investigação começou na Polícia Civil do Rio de Janeiro, mas, como esbarrou em Witzel, teve que ser levada ao STJ, onde o governador teve foro privilegiado. Na esfera federal, coube à PF cumprir as medidas autorizadas pelo tribunal.

Assim, não há que falar em perseguição, acredita o senador. Na live, Flávio elogiou seu ex-assessor Fabrício Queiroz, investigado por “rachadinhas” na Alerj. Segundo Flávio, Queiroz, que era “trabalhador”, era procurado por Witzel na campanha de 2018 para saber onde seriam suas agendas.