Correio braziliense, n. 20850 , 23/06/2020. Artigos, p.11

 

Invisibilidade mata

Felipe Carreras

23/06/2020

 

 

Uma lida em uma notícia aqui. Uma conferida em uma reportagem ali. E um duro sentimento de incerteza e apreensão com a grande crise que o país e o mundo têm vivido por causa da pandemia do corona vírus. Entre tantos sentimentos, surge outra grande preocupação. Em todos os noticiários, em todos os projetos apresentados, em todas as discussões e conversas, uma incômoda ausência, que gerou uma reflexão que machuca: “Onde está a atenção ao esporte em meio a isso tudo?

Diversos setores já foram contemplados durante esta pandemia. Vários segmentos foram incluídos em diversos projetos de lei aprovados no Congresso Nacional. E pouco se falou, se debateu e se preocupou com algo fundamental, que é antônimo de morte, que é sinônimo de saúde, que é vida. Nada se falou sobre o esporte.

Em um período como este ficar sem voz? Em um período como este ficar sem vez? Em um período como este ficar esquecido? Olhar, ver e enxergar são verbos que não podem ser conjugados para o segmento esportivo? Dura realidade que machuca, mas que nos deixa em alerta e faz gerar várias reflexões.

A primeira, a mais cruel de todas. Invisibilidade mata! Não querer enxergar as pessoas que fazem e vivem o esporte em um momento desse é quase um crime. É um vírus também assassino. O vírus da indiferença. O vírus da falta de respeito. O vírus da ignorância. E, para ele, a maior medida de prevenção é o enxergar. É o respeitar.

E o melhor remédio é o agir!

Pensando em ações emergenciais para quem vive, sente e depende do esporte, criamos o projeto de lei 2824/2020, que traz medidas importantes para amenizar o sofrimento e a dificuldades da comunidade esportiva neste momento. Entre elas, complemento de um salário mínimo para os informais que vivem do setor esportivo, suspensão de cortes no fornecimento de água, energia elétrica e serviços de telefonia para empresas que atuem na área, prorrogação do prazo de aplicação, realização e prestação de contas da Lei de Incentivo ao Esporte e outras iniciativas que podem diminuir a dificuldade desta parcela da população.

Na última semana, conseguimos aprovar o regime de urgência no plenário da Câmara dos Deputados. Nossa expectativa é de que o Projeto de Lei 2824/2020 possa ser votado na próxima semana. Precisa ser rápido. Tem gente sem comida na mesa, sem condições de arcar com as despesas e sem esperança.

Aprovar este projeto é voltar a colocar o esporte na pauta nacional. Lembro-me de quando fui convidado pelo governador Paulo Câmara para ser secretário de Esportes do governo de Pernambuco e sentimos esta mesma indiferença em relação à comunidade esportiva.

Nosso trabalho foi fazer diferente. O esporte passou a ser prioridade, pois as pessoas enxergavam a prática esportiva como essencial. Tanto que desenvolvemos ações importantes no âmbito local, como a recuperação dos Jogos Escolares; a aprovação da Lei de Incentivo Estadual; a ampliação do Bolsa Atleta; a reativação do Conselho Estadual do Esporte; a criação do Ganhe o Mundo Esportivo, pelo qual mandamos dezenas de atletas treinar e morar três meses no exterior, com tudo pago. Reformamos o Parque Santos Dumont, que hoje abriga cerca de 30 modalidades, onde atletas de ponta e pessoas comuns podem praticar esporte e existem mais de 5 mil inscritos em escolinhas. Enviamos centenas de pernambucanos para competir em outros estados ou mesmo fora do país. Mas isso só foi possível porque a pasta foi tratada com seriedade e responsabilidade.

O mesmo não acontece no Brasil. Existe uma dívida muito grande, que se arrasta há anos com o setor. Não existe um planejamento claro e bem definido. O País não pode se acostumar com a mediocridade. Temos condições de sermos uma potência mundial. Não apenas de medalhistas olímpicos, mas de formadores de cidadãos do bem, disciplinados, saudáveis, educados, esforçados, que não desistem com as dificuldades, que trabalham diariamente em busca de um resultado. Enquanto não encararmos a prática esportiva como objeto de transformação social, ele permanecerá sempre no fim da fila na lista de prioridades de qualquer governo.

Por isso, essa contribuição neste momento é tão importante. Acredito com convicção que não estamos fazendo nenhum tipo de favor. Isso é o mínimo que pode ser feito. É enxergar. É dar vez e voz ao segmento. Vai muito além do compromisso.  

FELIPE CARRERAS

Deputado Federal (PSB-PE), é presidente da Comissão do Esporte na Câmara dos Deputados