O globo, n.31711, 02/06/2020. Especial Coronavírus, p. 12

 

ENEM na pandemia

Bruno Alfano

Evelin Azevedo 

Rodrigo Souza

02/06/2020

 

 

As duas soluções estudadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para aplicar o Enem com mais segurança tem problemas em suas concepções, dizem especialistas em avaliação. Conforme divulgado pelo GLOBO ontem, o órgão pode reduzir a quantidade de itens na prova para aplicá la em apenas um dia ou reduzir o número de estudantes dentro de sala de aula, o que precisaria do dobro do número de salas.

A primeira alternativa, que não tem muita adesão dentro do órgão, poderia comprometer a qualidade da prova, e a segunda teria o custo muito elevado — podendo passar dos atuais R$ 537 milhões gastos no Enem para a casa dos R$ 900 milhões.

Atualmente, são 45 questões para cada uma das quatro áreas: Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza, além da redação. A equipe do Inep avalia cenários que giram entre 25 e 35 questões por área. Especialistas, porém, consideram esse número baixo para conseguir avaliar com precisão as gradações de desempenho dos estudantes.

—Quando você está avaliando o aluno num processo de seleção, tem que ter uma medida precisa. Alunos com proficiência diferente têm que ter nota diferente, para ser justo — defende Dalton Francisco de Andrade, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e um dos maiores especialistas do país em teoria de resposta ao item (TRI), o modelo matemático usado para a correção do Enem.

— O calendário das universidades está atrasado. As aulas não vão retornar amanhã. Então, o primeiro semestre de 2021 só vai começar no meio do ano que vem. Não precisa ter pressa para fazer esse Enem.

AUMENTO DOS CUSTOS

Ex-presidente do Inep, Maria Inês Fini afirma ser um “verdadeiro absurdo” diminuir o número de questões. A pedagoga também vê com ceticismo a possibilidade de dobrar o número de salas utilizadas. Isso porque o custo de aplicação é o maior para a realização do Enem e, segundo ela, este dobraria nesse cenário.

Fini explica que, dos R$ 537 milhões gastos no Enem do ano passado, R$ 412 milhões foram com aplicação de prova. São quase 400 mil trabalhadores e 148 mil salas de aplicação.

Fini defende a ideia de que o exame seja adiado por tempo indeterminado. Segundo ela, é um “absurdo” pensar em aplicar o Enem em dezembro ou janeiro, como prevê o MEC.

Presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), Maria Helena Guimarães diz que o Inep precisa dialogar com as universidades para encontrar uma solução.

—Eu não diminuiria o número de questões. O Enem tem uma matriz curricular que os alunos estão seguindo — diz Guimarães. — O Inep precisa conversar com as federais até para saber se elas vão adiar o calendário, já que as aulas estão paradas.

SEM REDAÇÃO

Wagner Rezende, professor e pesquisador do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF), afirma que o MEC precisa articular com os estados a garantia de que os alunos aprendam o que está nos currículos.

— Não tem que haver mudança no teste para viabilizar o Enem. O problema é a garantia da finalização do ensino médio para marcar o exame —defende.

Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, entidade que representa as mantenedoras de ensino superior privado no Brasil, aponta que o setor se preocupa com o cumprimento do calendário escolar. Ele entende o adiamento da prova para não prejudicar alunos das escolas públicas que estão sem estudar neste período, mas propõe mudanças no exame para que os resultados sejam obtidos mais rapidamente.

— A prova do Enem pode ser feita de forma mais leve, como passar de dois para um dia, para permitir uma correção mais rápida — diz.

Outra sugestão das universidades privadas é eliminar a redação da prova do Enem. Segundo ele, a questão é polêmica, mas precisa ser discutida. O setor pede celeridade porque, em geral, os alunos esperam todo o processo de seleção das universidades públicas para, só depois, se matricular em instituições privadas.

Ex-diretora de educação do Banco Mundial, Claudia Costin defende que, para que a próxima edição do Enem seja minimamente justa, é preciso que os candidatos tenham tido pelo menos quatro meses de aula. Ela afirma ainda que um exame sem redação traria grande prejuízo à avaliação:

— Uma competência fundamental para a vida universitária é a capacidade de se comunicar por escrito, e ela é medida pela redação.

Um levantamento do Instituto Unibanco, publicado no último dia 11, apontou que apenas cinco de 27 países consultados mantiveram a data dos exames de acesso à universidade: Colômbia, Japão, Alemanha, Chile e Egito. Locais como Singapura, China, Espanha e Estados Unidos adiaram as provas. Em quatro países, o formato do exame sofreu alteração: Estados Unidos, Chile, Egito e Espanha.

 “O primeiro semestre de 2021 só vai começar no meio do ano que vem. Não precisa ter pressa para fazer esse Enem”

Dalton Francisco de Andrade, professor da UFSC

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MEC retira trecho sobre exames de parecer do CNE

Renata Mariz

02/06/2020

 

 

O Ministério da Educação (MEC) homologou parcialmente, ontem, um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre regras de reorganização do calendário escolar de 2020 no contexto da pandemia da Covid-19. O governo não aprovou trecho que sugeria que avaliações regionais e nacionais, a exemplo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), levassem em conta a realidade de cada sistema de ensino, “assegurando as mesmas oportunidades a todos”.

O trecho retirado foi enviado de volta ao CNE para reexame. As regras só receberam o endosso do MEC cerca de um mês após o conselho aprová-las. A demora vinha causando preocupação nas redes de ensino estaduais e municipais de todo o país, que suspenderam as aulas em meados de março, e aguardavam o parecer oficial do órgão para saber como proceder sobre a reorganização.

O parecer estabelece de que forma os conteúdos poderão ser repostos ou contabilizados: de maneira presencial, com reposição de aulas após a retomada do calendário, com ampliação da carga horária diária, com uso de atividades não presenciais no contraturno quando as aulas retornarem, ou apenas por meio de atividades não presenciais realizadas enquanto as aulas estão suspensas devido à pandemia.

O CNE possibilita que as atividades não presenciais não tenham de ser necessariamente mediadas por meios digitais, como prevê a educação à distância. A distribuição de materiais impressos pelas escolas para que os estudantes façam as atividades em casa pode ser uma forma adotada, por exemplo.

No início de abril, o governo publicou uma Medida Provisória que dispensou as escolas de educação básica de cumprir o mínimo de 200 dias letivos previstos, mas manteve a determinação de que cumpram a carga horária mínima anual determinada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Atualmente, a legislação determina, no mínimo, 800 horas anuais para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

O conselho admite, em seu parecer, que a suspensão de aulas pode impactar até o ano letivo de 2022 e abre a possibilidade de que as redes façam arranjos diferentes para cumprir conteúdos de 2020 no ano seguinte.