O globo, n. 31672, 24/04/2020. Economia, p. 19

 

Em direções opostas

Thais Arbex

Manoel Ventura

Marcello Corrêa

Geralda Doca

24/04/2020

 

 

Equipe de Guedes e ala política disputam agenda de retomada

 O anúncio pelo Palácio do Planalto do programa Pró-Brasil, um plano de ação para retomada de crescimento após a crise da pandemia, tornou pública a disputa entre as áreas política e econômica do governo em torno da forma como se dará esse processo. O embate entre os auxiliares de Jair Bolsonaro, que ficou evidente com a ausência da equipe econômica no evento da quarta-feira, já teve consequências concretas. A decisão de cancelar a antecipação do pagamento da segunda rodada do auxílio de R$ 600, por exemplo, ocorreu devido à resistência do ministro da Economia, Paulo Guedes, em antecipar mais recursos fora do cronograma acertado.

O pano de fundo é a preocupação do governo em ganhar musculatura política depois da crise, com vistas às eleições presidenciais de 2022. A área política do governo, que conta coma simpatia de Bolsonaro, avalia que as ações do Ministério da Economia não serão suficientemente rápidas para impulsionara atividade econômica. A equipe da Economia argumenta que, sem disciplina fiscal, acrise será inevitável, com perda de credibilidade, alta de inflação e de juros, aprofundando a recessão.

Nesse cenário, observadores do Palácio do Planalto dizem que Bolso na rotem feito sinalizações dúbias no embate entre as duas alas. Ontem, por exemplo, afirmou que o anúncio da antecipação da segunda parcela do auxílio emergencial de R$ 600 aos trabalhadores informais, feito pelo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, não teve a sua autorização.

RISCO PARA TETO DE GASTOS

O gesto presidencial foi lido como um aceno a Guedes, que defende que o governo cumpra o prazo estabelecido inicialmente. Para o ministro, não adianta liberar os recursos de uma só vez em meio a uma crise. Nesse cenário, teria dito a Bolsonaro que, em um mês, todos poderiam estar desassistidos novamente.

Guedes, segundo fontes próximas, a tri buiuà pressão da ala política do governo o anúncio do chamado plano Pró-Brasil e vê motivação eleitoral na elaboração do projeto. Segundo relatos, o ministro chegou a desdenhar da proposta, dizendo que um programa de tal natureza só poderá sair do papel se for bancado por investimento privado, não público. Em conversas privadas, ele lembrou que o plano não avanças e moa valda Junta de Execução Orç amentá ria(JEO )— formada por Guedes, pelo ministro da Casa Civil e o presidente da República.

O envolvimento direto do ministro do Desenvolvimento Regional (MDR), Rogério Marinho, na articulação do plano para fazer a economia voltar, também estremeceu a relação dele com Guedes. Segundo pessoas próximas, o ministro da Economia teria ficado aborrecido com Marinho, que até o início do ano fazia parte da equipe da Economia, como secretário Especial da Previdência e Trabalho.

Com apoio de militares palacianos, Marinho pressiona pelo aumento do gasto, coma retomada de obras paralisadas, inclusive do antigo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e estímulo ao programa Minha Casa Minha Vida.

Na reunião na qual Bolsonaro foi apresentado ao Pró-Brasil, Guedes deixou claro a insatisfação com o plano, segundo fontes presentes ao encontro. Ele teme a formação de uma bomba fiscal para o próximo ano, além de ser ser contra o modelo de grandes obras públicas. Ele quer fugir das comparações com programas emblemáticos das gestões petistas, como o PAC.

Guedes reconhece a necessidade de aumentar os investimentos para superar acrise, mais rejeita que isso seja feito por meio do Estado. Para ele, é necessário incentivara iniciativa privada a agir, com mais segurança jurídica e regulatória, além de facilitar o crédito. Os técnicos já calculam que serão necessários mais de R$ 300 bilhões para retomara economia. E não há dinheiro público para isso.

Guedes e equipe têm insistido que o teto de gastos —regra que limita as despesas da União—é a âncora fiscal quedá credibilidade para o país. Neste ano, todos os gastos relacionados à pandemia e aseus efeitos econômicos têm sido feito fora do teto. A partir de 2021, a regra permanece. A defesa de integrantes do governo de flexibilizar o teto para incluir uma lista de investimentos específicos é rechaçada pelo Ministério da Economia.

‘RUÍDO DE COMUNICAÇÃO’

O bate-cabeça interno levou ontem os defensores da proposta abaixaremo tom. Integrantes da Esplanada dos Ministérios que têm participado da elaboração do programa disseram ao GLOBO que o plano ainda não está fechado.

O ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, disse que reuniu os ministérios, inclusive oda Economia, para alinhar os projetos de cada pasta, eque o plano de ação é embrionário. Ele ressaltou que “ninguém falou em estourar planejamento do Ministério da Economia”:

—Tem investimento público, tem investimento privado. Tem de tudo, dependendo da capacidade do ministério econômico. Ninguém falou em estourar teto de gastos, não se falou em recursos.

Na mesma direção, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, disse ontem que o governo está ciente de que o programa terá que ser sustentado pelo investimento privado eque a leitura de que ele foi feitos ema participação direta do Ministério da Economia é “ruído de comunicação”.

— Houve um ruído de comunicação. Não teve nada em desacordo com o Ministério da Economia. Todo o governo sab eque, para retomar o crescimento, agente vai precisar de investimento privado. Não há briga política alguma dentro do governo — disse, em transmissão ao vivo.

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País tem 3,5 milhões de acordos de redução de salário

Geralda Doca

24/04/2020

 

 

Negociação para evitar demissões durante a crise já foi firmada diretamente entre 569 mil empregadores e funcionários

 As empresas formalizaram 3,5 milhões de acordos de redução de salário e suspensão de contratos de trabalho — autorizados pela medida provisória (MP) 936 —, segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. São acordos individuais, firmados diretamente com os trabalhadores por 569 mil empregadores.

Com base nos acordos registrados, a secretaria estima que o governo vai desembolsar R$ 6,9 bilhões.

A MP foi editada em 1º de abril para evitar demissões durante a crise. Os trabalhadores afetados por corte de salário ou suspensão do contrato receberão um complemento do seguro-desemprego durante a adoção dos dois mecanismos. A redução de jornada e salário tem vigência de até três meses, e a de suspensão do contrato, de até dois meses.

Segundo levantamento da secretaria, os estados que registraram o maior número de acordos foram São Paulo (29,8%), Rio de Janeiro (10,8%), Minas Gerais (9,8%), Rio Grande do Sul (5,5%) e Paraná (5,4%).

Do total de acordos registrados, 59% (2,074 milhões) se referem a negociações entre trabalhadores e micro e pequenas empresas, com receita bruta anual de até R$ 4,8 milhões; 34% (1,210 milhão), por empresas com faturamento bruto anual acima desse valor; e 6% (226,7 mil) são casos de empregados domésticos e de trabalhadores do Cadastro de Atividade Econômica da Pessoa Física (CAEPF).

 BARES E RESTAURANTES

Acordos relacionados à suspensão de contratos representavam 58,3% (2,045 milhões) do total. Nos casos de redução de jornada e salário, 562.599 (16%) são acordos com corte de 50%, 424.157 (12,1%), com redução de 70%, e 311.975 (8,9%), de 25%. No caso de trabalhadores intermitentes, foram 167.069 (4,8%)

De acordo com projeções do governo, a medida vai custar R$ 51,2 bilhões e beneficiar um contingente de 24,5 milhões trabalhadores com carteira assinada até o fim do período de calamidade pública, em 31 de dezembro.

De acordo com a pesquisa Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, a redução de jornada e salário está presente em 50% dos acordos e convenções coletivas registrados de março até o dia 17 de abril. O levantamento, portanto, engloba parte do período de isolamento social dos que podem ficar em casa para frear a pandemia.

Os setores que mais têm negociado são bares, restaurantes, hotéis e similares (22% do total); transporte, armazenagem e comunicações (21,6%); comércio atacadista e varejo (12,9%); confecções (11,8%) e indústria metalúrgica (4,7%).