O globo, n. 31672, 24/04/2020. Especial Coronavírus, p. 7

 

Disputa pela Polícia Federal

Aguirre Talento

Bruno Góes

Naira Trindade

24/04/2020

 

 

Diretores do Depen e da Abin são cotados; moro quer controle

JORGE WILLIAM/14-02-2020Na disputa. Diretor do Depen, Fabiano Bordignon tem bom trânsito na Polícia Federal e possui a confiança de Moro

 Ao ameaçar pedir demissão do cargo de ministro da Justiça caso o comando da Polícia Federal seja trocado pelo presidente Jair Bolsonaro, Sergio Moro atuou para manter o controle na sucessão da corporação e emplacar um nome de sua confiança. O atual diretor-geral, Maurício Valeixo, já negociava uma saída pacífica do cargo em meados de junho, mas aguardava Moro deflagrar o processo de sucessão.

Um dos nomes do agrado do presidente Jair Bolsonaro é o do delegado Anderson Torres, atual secretário de Segurança Pública do governo do Distrito Federal, que enfrenta total oposição de Moro. Desde o fim de 2019, Torres articula politicamente para suceder Valeixo, o que atraiu a ira do atual ministro da Justiça.

Fontes da cúpula da PF avaliam que a indicação de Torres seria um aceno de Bolsonaro para políticos do centrão, que são alvos de investigações na Lava-Jato. Um dos padrinhos do delegado é o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), que esteve no Planalto anteontem para uma reunião sobre coronavírus. Torres o acompanhou. O nome do secretário sofre resistência dentro da PF, após o malsucedido movimento para derrubar Valeixo no fim do ano passado.

Um dos nomes que tem a confiança de Moro para o cargo é o do atual diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Fabiano Bordignon, que também é visto com bons olhos dentro da PF. Também paranaense, Bordignon era chefe da delegacia da PF em Foz do Iguaçu (PR) antes de ser levado por Moro ao Depen, no início de sua gestão como ministro da Justiça.

APOIO DA ALA LIMITAR

Outro nome cotado para comandar a PF é o atual diretor geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, que tem a confiança do presidente e um bom trânsito com seus filhos. Ramagem foi chefe da equipe de segurança do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro em 2018. Com a convivência, caiu no gosto do recém-eleito presidente e foi chamado para dirigir a Abin. Fontes da PF apontam que Moro mantém boa relação com ele. Ramagem possui apoio de parte da ala militar do governo.

Desde o início da tarde de ontem, os ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) deflagraram uma operação para evitar a saída de Moro, mesmo se houver avanço na troca da PF.

Questionado em entrevista coletiva no fim da tarde se Moro vai permanecer no governo, Braga Netto respondeu simplesmente que “a assessoria do ministro Moro já desmentiu a saída dele agora do governo”.

Diante de uma possível troca no comando da PF, delegados do órgão disseram que especulações “infelizmente prejudicam a estabilidade da Polícia Federal” e pediram que o Congresso Nacional aprove a autonomia do órgão e um mandato para o cargo de diretor-geral, evitando demissões.

ESTABILIDADE DA PF

Uma nota assinada pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e pela Federação Nacional dos Delegados de PF (Fenadepol) diz que “episódios como o de hoje (ontem) ocorreram em diversas oportunidades, desde 2019, e inúmeras vezes durante pelo menos os últimos três governos. E pode voltar a ocorrer nos próximos meses e futuros governos”. Nos últimos três anos, a PF teve três diretores-gerais diferentes.

“Essas especulações, infelizmente, prejudicam a estabilidade da Polícia Federal, a sua governança e colocam em risco a própria credibilidade na lisura dos trabalhos da instituição. O problema não reside nos nomes de quem está na direção ou de quem vai ocupá-la. Mas sim, na absoluta falta de previsibilidade na gestão e institucionalidade das trocas no comando”, diz a nota.

Em meio à crise, parlamentares do PSL na Câmara e no Senado defenderam o ministro da Justiça. Ex-líder do governo e hoje adversária de Bolsonaro, a deputada Joice Hasselman (PSL-SP) acusou Bolsonaro de tentar obstruir os trabalhos da corporação.

“Simples: a Polícia Federal descobriu como funciona a milícia digital da gangue do poder e quem patrocina. Então, quer escantear Valeixo para segurar o escândalo”, escreveu Joice em uma rede social. Ela acrescentou ainda que “a corda apertao pescoço do filho Flávio (Bolsonaro) no caso

Queiroz”. A deputada se referia à investigação da suposta prática de rachadinha no seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio.

Líder do PSL no Senado, Major Olímpio também defendeu Moro:

— O Brasil não pode perder nesse momento o ministro Sergio Moro, pela sua credibilidade e história de vida: o canal seguro para a população brasileira. Bolsonaro precisa do Moro. O Brasil precisa do Moro.

Parlamentares alinhados a Bolsonaro com atividade partidária suspensa pelo PSL tentaram minimizar a situação.

“Se houver mudanças no comando da PF, o que é possível, esperemos que o presidente Jair Bolsonaro e Sergio Moro encontrem um nome de consenso!”, escreveu Bia Kicis (DF).