O Estado de São Paulo, n.46228, 12/05/2020. Espaço Aberto, p.A2

 

Desafios do acordo Mercosul-União Europeia

Rubens Barbosa

12/05/2020

 

 

Um fato novo complica o entendimento entre os países do Mercosul. Em abril a Argentina informou que não mais acompanharia Brasil, Paraguai e Uruguai nas negociações em curso do Mercosul com outros países, como Canadá, Cingapura, Coreia do Sul, Líbano e Índia. Mas manteria sua participação nos acordos, já concluídos e não assinados, com a União Europeia (UE) e com a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta). Na semana passada o governo argentino voltou atrás, num confuso comunicado em que ressalta ter decidido manterse nas negociações conjuntamente, mas sempre levando em conta as sensibilidades dos setores menos competitivos (industriais).

Embora querendo participar de todos os trabalhos e demandando a inclusão de cláusulas que resguardem os interesses argentinos futuros, Buenos Aires não se compromete com a conclusão das negociações em curso. O chanceler Felipe Solá diz favorecer um regime de dupla velocidade, em que a Argentina não fica fora dos acordos, mas quer ter a palavra final sobre como e quando passaria a fazer parte deles.

Até meados do ano, o acordo Mercosul-UE deve ser assinado. Como o governo argentino reagirá durante o processo de ratificação, se forem solicitadas modificações no texto do acordo, como foi no caso do tratado UE-Canadá? Nuestros hermanos querem um Mercosul à la carte, o que aumenta a incerteza para todos, pela insegurança jurídica na aplicação dos compromissos assumidos. Flexibilização, se houver, tem de ser para todos. Além dessa incerteza, menciono duas questões do lado brasileiro para o acesso ao mercado europeu: competitividade e meio ambiente.

Para aproveitar as preferências tarifárias, os produtos industriais deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber tratamento isonômico em relação ao produzido em outros países. Sem isso, apesar de a UE abrir seu mercado com tarifa zero de imediato para 75% de suas importações, será difícil competir no mercado europeu com produtos importados de outras áreas, como EUA, China e Coreia. A aprovação da reforma trabalhista e a da Previdência Social foram avanços importantes no caminho da modernização do Estado brasileiro. De modo a que o custo Brasil seja reduzido, é imperativo serem aprovadas a reforma tributária, a reforma do Estado e um amplo programa de desburocratização, simplificação e facilitação de negócios e de melhoria na logística (portos, estradas, ferrovias). Em paralelo, um eficiente programa de inovação das empresas e de políticas públicas ajudaria a modernizar a operação das companhias que produzem para o mercado doméstico e também exportam. Estudo recente da Fiesp, mostra que a indústria nacional, antes da pandemia, estava lenta na busca para alcançar o nível de 4.0 – 1,3% tinha investimento em 4.0 (em faturamento).

O segundo desafio são os compromissos na área de meio ambiente que o Brasil deverá cumprir. O capítulo de desenvolvimento sustentável, incluído no acordo, talvez seja o mais desafiador, em vista da atual política de meio ambiente e mudança de clima do governo brasileiro. A crescente força política dos partidos verdes nos Parlamentos dos países europeus poderá representar um obstáculo para a ratificação do acordo caso a atual política ambiental brasileira não se modifique, como exemplificado pela crise em relação ao Fundo Amazônico, que resultou na suspensão de recursos financeiros recebidos da Alemanha e da Noruega. Os compromissos assumidos pelos paísesmembros no tocante ao desenvolvimento sustentável estão incluídos em 18 artigos, que cobrem acordos relacionados a comércio e meio ambiente, comércio e biodiversidade, comércio e preservação de florestas, da ONU, além de regras da Organização Internacional do Trabalho, incluída a Resolução 169, que trata da exploração de terras indígenas. O descumprimento dos dispositivos dos acordos poderá acarretar boicotes e mesmo restrição de importação de produtos agrícola do Mercosul. São mencionados explicitamente os principais acordos internacionais, como os derivados da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Conferência Quadro da ONU sobre mudança do clima, da Convenção sobre Diversidade Biológica, da Convenção da ONU de Combate à Desertificação, do Acordo de Paris de 2015, de regras da OMC e resoluções de outros organismos internacionais. Além disso, por insistência da UE, foi aprovado o princípio da precaução, pelo qual o não cumprimento de acordos de meio ambiente, energia ou trabalho forçado ou infantil pode acarretar restrição à importação de determinado produto.

O mundo mudou e as preocupações com o meio ambiente, a mudança do clima, a preservação das florestas entraram definitivamente na agenda global. A falta de informação interna objetiva dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos nas últimas décadas e a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais criam uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o do agronegócio.

Com o fim da covid-19, as questões ambientais vão ressurgir com toda a força e os governos do Mercosul não poderão ignorar essa agenda incluída no acordo com a União Europeia.

PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)