O globo, n. 31710, 01/06/2020. Especial Coronavírus, p. 7

 

17 dias sem, comando na saúde

Renato Grandelle

01/06/2020

 

 

Brasil fecha pior mes da pandemia com mais de 500 mil casos

Maio começou com o Brasil registrando cerca de 91 mil casos de coronavírus, e como então ministro da Saúde, Nelson Teich, alertando que a curva epidemiológica subia sem conhecer um pico. Ontem, o mês terminou com o país ultrapassando o marco de 500 mil contaminados e tendo saltado da nona para a segunda posição entre as nações com mais registros da doença, atrás apenas dos EUA.

Segundo ministro da Saúde na gestão Bolsonaro, Teich deixou a pasta há 17 dias, antes de completar um mês no cargo; desde então, ela é comandada por um interino, o general Eduardo Pazuello.

Ontem, o país chegou a 514.849 casos e 29.314 óbitos pelo Sars-CoV-2. Em 24 horas, foram registrados 16.409 novos contágios, além de 480 mortes — há ainda outras 4.208 em investigação.

No mesmo dia, o mundo passou do patamar de 6 milhões de casos — 8,4% deles ocorreram no Brasil, que tem 2,8% da população mundial.

A baixa testagem, a queda da adesão popular à quarentena e a imensa subnotificação são, para especialistas, sinais de que o país já deve contar com milhões de casos da infecção não notificados.

Mesmo com a multiplicação de casos, que o faz se consolidar cada vez mais como o novo epicentro da Covid-19, o Brasil permanece sem investir em diagnósticos.

Apenas 26,5% dos testes distribuídos até a semana passada pelo Ministério da Saúde foram feitos pelos estados —algumas unidades da federação não atualizam este índice desde abril; o Rio de Janeiro nem sequer divulgou seu resultado, em levantamento feito pelo site G1 com secretarias de Saúde.

SUBNOTIFICAÇÃO CONTINUA

Membro de um grupo interdisciplinar que busca o desenvolvimento de um teste diagnóstico para a Covid-19, o pesquisador Vasco Azevedo, da UFMG, calcula que o país tenha no mínimo dez vezes mais casos do que os notificados.

— Não sabemos se as pessoas que circulam nas ruas estão transmitindo o vírus. Sem termos esta informação, pode ser que o “novo normal” para o país seja a entrada e a saída da quarentena, todas as vezes em que o número de casos aumentar.

O epidemiologista Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador da pesquisa Epicovid-19, dedicada ao mapeamento do coronavírus no país, avalia que o número de casos “já está na casa dos milhões faz um bom tempo”.

O estudo de Hallal tem apoio do Ministério da Saúde e recomendou que a Região Norte do país recebesse uma atenção especial do governo federal, devido à alta incidência de casos.

Segundo o epidemiologista, o Brasil não vive uma epidemia de Covid-19, e sim “várias curvas epidêmicas”. Por isso, diz, os registros de coronavírus podem estar “próximos de baixar” em cidades como Rio, São Paulo e Manaus.

Já as prefeituras de municípios do interior devem se preparar para a chegada da pandemia, até então centrada em regiões metropolitanas, investindo em políticas de isolamento social.

—Temos que ver qual será a tendência seguida pelo Brasil. Países da Ásia, como China, Coreia do Sul e Japão, controlaram muito bem a epidemia; a Europa, muito mal. Nós e os Estados Unidos estamos em uma posição intermediária, mas podemos ter resultados tão ruins quanto os europeus.

Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, Jerson Lima Silva diz que as políticas de isolamento social tiveram um resultado aquém do esperado.

Para o cientista, os pesquisadores também erraram ao prever que o coronavírus, assim Dias como o vírus da influenza, teria dificuldade de propagação em regiões mais quentes.

— O epicentro do coronavírus se encaminha para a América do Sul, e o Brasil, um país de grande desigualdade social, lidera o número de casos. A falta de capacidade para a realização de políticas de isolamento social em comunidades contribuiu para a difusão de registros da doença, principalmente no Sudeste e no Nordeste — sublinha.

— As cidades que já conseguiram conter o crescimento exponencial da pandemia devem criar um plano de flexibilização gradual, que dure semanas, até completarem sua reabertura.

AMÉRICA É O NOVO FOCO

Puxado por Estados Unidos e Brasil, o continente americano superou a Europa como foco da doença — registra mais casos e deve ultrapassar em breve o total de mortos. Os EUA, com quase 1,8 milhão de contaminados e mais de 104 mil mortos, é o país com as piores taxas. A América Latina e o Caribe já somam 1.016.828 contaminados, e o Brasil responde por mais da metade deles.

Convivendo há três meses com o coronavírus, a Europa ainda pena para se despedir da pandemia. Ontem, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, prorrogou o nacional por mais 15 dias, até 21 de junho, para que o país “termine com a pandemia de uma vez por todas”. A França e Itália ainda registram diariamente um tímido número de óbitos — ontem, foram 31 e 75, respectivamente.