O Estado de São Paulo, n.46227, 11/05/2020. Política, p.A4

 

Compras emergenciais são investigadas em 11 estados

Adriana Ferraz

Renato Vasconcelos

11/05/2020

 

 

Autorizados a adquirir insumos e aparelhos sem licitação por causa da pandemia, governos e prefeituras viram alvo de ações policiais e do Ministério Público por suspeita de desvios

Amapá. Apreensão de produtos na operação Virus Infectio, contra o superfaturamento

A pandemia de covid-19 pressiona prefeitos e governadores a agir de forma rápida para assegurar a aquisição de insumos necessários ao enfrentamento da doença. Respiradores, máscaras e demais equipamentos de proteção individual entraram para a lista prioritária de compras realizadas sem licitação em função do novo coronavírus. É uma guerra comercial, mas que revela implicações políticas e até policiais. Desde abril, investigações por mau uso do dinheiro público se espalharam por ao menos 11 Estados e o Distrito Federal.

Desde fevereiro, a legislação brasileira permite que gestores públicos comprem, sem fazer licitação, bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia. Os contratos passam a ser investigados quando Ministério Público e polícia notam indícios de irregularidades, como preços muito acima da média praticados por fornecedores ou demora para entregar mercadorias. Segundo o Ministério Público Federal, que atua nas investigações quando há repasse da União, há 410 procedimentos abertos de forma preliminar que podem originar processos criminais.

Em São Paulo, o Ministério Público Estadual instaurou um inquérito civil, desmembrado em cinco procedimentos, para apurar compras do governo João Doria (PSDB). A gestão fechou o maior contrato estadual até aqui: US$ 100 milhões (cerca de R$ 574 milhões) por 3 mil respiradores da China. Por enquanto, 150 unidades foram liberadas pelo governo chinês, que limita a entrega em lotes.

Segundo a administração tucana, a empresa chinesa foi escolhida após pesquisa de mercado por apresentar as melhores condições de volume e prazos. “A aquisição cumpriu as exigências legais e os decretos estadual e nacional de calamidade pública”, informou o governo. Na semana passada, Doria anunciou a criação de uma corregedoria para acompanhar compras relacionadas à covid-19.

No Paraná, o comitê de crise criado para a pandemia já tem entre seus participantes o controlador-geral do Estado, Raul Siqueira, que instituiu um conselho de aquisições públicas em parceria com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado.

Em outros Estados, investigações apuram situações em que os produtos não foram entregues, mesmo após o pagamento integral. São os casos de Rio de Janeiro e Santa Catarina, onde o governador Carlos Moisés (PSL) vai enfrentar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar se houve desvio de recursos na negociação dos respiradores. Anteontem, uma força-tarefa da Polícia Civil de Santa Catarina cumpriu 35 mandados de busca e apreensão em quatro Estados. A Operação O2 (símbolo do oxigênio) investiga a compra de 200 aparelhos por R$ 33 milhões.

O governo catarinense afirma que apoia as investigações e busca reparação aos cofres públicos por meio judicial em processo conduzido pela Procuradoria-Geral do Estado. Em nota, disse ainda que instaurou sindicância interna para apurar possíveis irregularidades e afastou preventivamente servidores. O secretário de saúde, por exemplo, deixou o cargo.

No Rio, o ex-subsecretário de Saúde Gabriell Neves e outros três suspeitos de obter vantagens em contratos emergenciais para a aquisição de respiradores foram presos na semana passada. O governo de Wilson Witzel (PSC) fechou contrato de R$ 9,9 milhões por 50 aparelhos. A investigação corre em sigilo. O governo informou que o subsecretário foi afastado e que os contratos são monitorados por auditoria permanente.

A origem do recurso empregado – via governos federal, estaduais, municipais ou uma mescla de todos – dificulta a fiscalização. Na Paraíba, a Operação Alquimia, da Polícia Federal, apura o desvio de verbas do Estado e da União em Aroeiras, na região de Campina Grande. A suspeita é que a prefeitura tenha usado parte dos repasses destinados à compra de insumos médicos para adquirir, por R$ 580 mil, cartilhas sobre o coronavírus oferecidas, de graça, no site do Ministério da Saúde. A prefeitura não foi localizada para comentar.

Prejuízo. Denúncias também renderam ações da PF no Amapá, onde a Operação Virus Infectio apontou variações de até 814% no preço de máscaras compradas pelo fundo estadual de saúde. Se a irregularidade se confirmar, o prejuízo seria de R$ 639 mil. O governo de Waldez Góes (PDT) diz que a compra ocorreu no início da pandemia, quando os preços estavam “majorados”. Após a ação da PF, Góes abriu uma conta específica dos gastos com a pandemia para facilitar a fiscalização.

SOB SUSPEITA

•  Compra de respiradores

Diferença nos valores pagos ou a não entrega motivam apurações em AM, RJ, RR, SC, PA e SP.

•  Equipamentos de proteção

No AP, DF, PB e TO, os órgãos de fiscalização questionam os valores pagos em itens de proteção, como máscaras e luvas.

•  Hospitais de campanha

A destinação de verba para estruturas temporárias foi questionada no DF, Mauá (SP), Aracaju(SE) e Itajaí (SC), por exemplo.

•  Exonerações na Saúde

Em meio às suspeitas de superfaturamento, RR e SC exoneraram seus secretários de Saúde. No RJ, o nº 2 da pasta foi preso.

•  Outros casos

Também são investigadas compras de testes para covid-19 e até de cartilhas educativas.