Valor econômico, v.21, n.5002, 18/05/2020. Política, p. A8

 

Militares de baixa patente não endossam golpismo

Marcos de Moura e Souza

18/05/2020

 

 

Militares de baixa patente que votaram em massa no presidente Jair Bolsonaro em 2018 - e que constituem a ampla maioria do contingente das Forças Armadas - estão divididos em relação a seu governo e em relação à perspectiva de voltar a apoiá-lo nas próximas eleições. É essa a avaliação repetida por integrantes de associações de militares ouvidos nos últimos dias pelo Valor.

Eles afirmam também que nos quartéis a maciça maioria de soldados, cabos, tenentes e sargentos rejeita a bandeira de intervenção militar para fechar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, defendida por grupos bolsonaristas minoritários.

Bolsonaro teria começado a perder o apoio hegemônico de que dispunha das tropas no ano passado quando o governo sancionou a lei 13.954, que reestruturou as carreiras militares. "A ruptura, em alguns aspectos, aconteceu aí. Muitas pessoas passaram a considerar o presidente Bolsonaro como um traidor da tropa", diz Márcio Rodrigues de Carvalho, da Federação Nacional dos Graduados Inativos das Forças Armadas.

O texto foi visto como extremamente prejudicial para militares de baixa patente - chamados de praças - que já não estão na ativa e também para as pensionistas, por causa de novos descontos que passaram a incidir sobre seus ganhos. As queixas não se restringem a isso.

"Diversas dependentes deixaram de ser dependentes, só que a maioria delas hoje é formada por sexagenárias e octogenárias. Um colega ficou desesperado com a mãe com 80 e tantos anos de idade porque ela deixou de poder ser atendida em hospitais militares e ele não consegue plano de saúde para ela", diz Carvalho, que vive em Brasília.

O descontentamento foi ainda maior porque a percepção é que lei teria dado à elite das forças, os coronéis e generais e suas pensionistas, mais ganhos do que perdas.

"Ao sancionar a lei, o presidente Bolsonaro perdeu apoio de grande parte dos militares e de seus familiares. A decepção foi geral", diz, referindo-se à baixa patente, Ivone Luzardo, que está à frente da União Nacional das Esposas de Militares das Forças Armadas Brasileiras (Unemfa) e que teve participação ativa nas discussões sobre o texto.

Este ano, a imagem de Bolsonaro - capitão reformado do Exército - perdeu ainda mais pontos entre os militares da ativa e da reserva. O motivo teria sido a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e as acusações feitas por ele de que o presidente tentava interferir politicamente na Polícia Federal.

"Começou com o projeto de lei, depois houve o desenrolar de outros fatos e agora problema com o Moro", diz Fabrício Dias Júnior, suboficial reformado da Força Aérea e um dos fundadores da que, segundo ele, é a maior associação de militares do país, a Associação dos Militares Inativos de Guaratinguetá e Adjacências. Ao todo, são 1.600 associados.

"Seria leviandade da minha parte dizer que os militares estão fechados com Bolsonaro para 2022", afirma ele, que desde 2017 exerce mandato de vereador em Guaratinguetá pelo MDB, no interior de São Paulo, e preside a comissão de políticas públicas da associação. "Eu não acredito que o Bolsonaro terá novamente o apoio do grosso da tropa."

O nome de Moro já aparece em trocas de mensagens de grupos de Whatsapp de militares como uma opção para as próximas eleições presidenciais ou para 2026.

Na reserva desde 2010, o subtenente Edson Silva, carioca radicado na Ilha do Marajó, é um desses entusiastas: "Eu posso nem ser oposição ao presidente Bolsonaro, mas eu vou estar mais a favor do Moro se ele virar candidato".

No fim de abril, uma comissão foi instituída pelo Ministério da Defesa para estudar formas de melhorar a remuneração dos militares de baixa patente.

À frente de uma associação criada no ano passado, a Associação Brasileira Bancada Militar de Praças (ABBMP), o fuzileiro naval da Marinha José Ubirajara Fernandes da Rocha, diz acreditar que até o fim do governo essas mudanças terão sido feitas, o que reduziria as resistências que parte dos militares passaram a ter em relação ao presidente.

Se discordam em alguns temas sobre as posições do presidente, Ubirajara Rocha, Edson Silva, Ivone Luzardo, Fabrício Dias e Márcio de Carvalho parecem concordar num ponto: de que não há espaço, nos quartéis, para a tese de grupos pró-Bolsonaro mais radicalizados que pedem intervenção militar.

"Os únicos que ainda falam alguma coisa nesse sentido são aqueles reformados com mais de 70 anos de idade e que vivenciaram o período do regime militar 64. Falam com aquele velho saudosismo", diz Carvalho, de Brasília. "A maioria do pessoal que é intervencionista é civil."

Para Dias, esse discurso penetra apenas em uma minoria inexpressiva dos militares. "Eu não enxergo na tropa que está na ativa, nos quartéis, isso de querer pegar em armas para destituir o Congresso. O Brasil perderia completamente a credibilidade perante o mundo. Já pensou virarmos uma Venezuela?", questiona ele.

Crítico da forma que como o Legislativo e o Judiciário tem, segundo ele, interferido no poder Executivo, Ubirajara da Rocha diz que vê como legítimas as manifestações anti-Congresso e anti-STF. Mas diz confiar na capacidade da classe política para resolver crises. "As pessoas [que pregam intervenção] estão motivadas pelo sentimento e em alguns momentos se esquecem da Carta Magna", diz. "Os quartéis estão pacificados, tudo normal. Isso é mais um movimento das redes sociais do que um movimento político interno." E acrescenta: "Eu espero que tudo isso acabe sem nenhum ato institucional gravoso, que tudo se resolva na diplomacia na política".