Valor econômico, v.21, n.5009, 27/05/2020. Política, p. A7

 

Deputada é suspeita de ter acesso a informações

Andrea Jubé

Marcelo Ribeiro

Renan Truffi

Matheus Shuch

Vandson Lima

27/05/2020

 

 

Num dia de acirramento da turbulência política, com a ação da Polícia Federal contra o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), os "parabéns" públicos do presidente Jair Bolsonaro pelo feito e a acusação da oposição de uso político da instituição, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de primeira hora de Bolsonaro, tornou-se alvo de ataques de parlamentares ligados ao Centrão e de oposicionistas, pelo seu eventual acesso a informações privilegiadas.

Zambelli já estava na mira da oposição pela revelação de mensagens trocadas com o então ministro da Justiça Sergio Moro, em que ofereceu a ele uma vaga no STF para permanecer no governo.

Em entrevista à Rádio Gaúcha, na segunda-feira, Zambelli afirmou à emissora que nos próximos meses aconteceria o que chamou de "Covidão", um suposto escândalo que estaria levando a diversos governadores a serem investigados pela Polícia Federal". A desenvoltura da deputada desagradou um aliado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como é o caso do deputado Marcelo Ramos (PL-AM).

"Eu custo a crer que a PF tenha vazado uma operação para a deputada Carla Zambelli. Custo a crer. Agora, é normal que a PF avise ao presidente da República se vai fazer uma operação contra um governador. A deputada tem ser interpelada sobre quem avisou a ela. Pode ter sido a PF ou o presidente. Quem vazou, cometeu uma ilegalidade. Alguém falou. Alguém passou informação privilegiada para a deputada. Ela precisa dizer quem", disse Ramos.

Enquanto a PF fazia a apreensão de celulares, computadores e documentos no Palácio das Laranjeiras e na residência de Witzel, parlamentares foram ao encontro do presidente da Câmara para questionar a atitude de Zambelli. Na avaliação da cúpula da Câmara, entretanto, uma eventual punição à parlamentar teria que ser analisada pelo Conselho de Ética, e não pela Mesa Diretora.

Nessa diretriz, o Psol anunciou um aditamento ao pedido de cassação de Zambelli, em curso no Conselho de Ética, pelo suposto acesso privilegiado a informações da operação. O pedido original, protocolado no dia 27 de abril, baseou-se na oferta da vaga no STF para Moro.

Em nota, o Psol ressalvou que defende a investigação das denúncias de desvios de verbas para a saúde no Rio, mas observou que a conduta da parlamentar também deve ser investigada. "O Psol defende o combate à corrupção como seu DNA, mas, ao mesmo tempo, uma deputada federal saber antecipadamente e anunciar um dia antes [a operação] mostra uma clara informação privilegiada e talvez uma interferência política na Polícia Federal", disse a líder do Psol, Fernanda Melchionna (RS).

Em paralelo, o ministro Celso de Mello do STF encaminhou ontem à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma notícia-crime apresentada pelo PT contra Zambelli, acusando a parlamentar dos supostos crimes de advocacia administrativa e tráfico de influência, também com base na oferta de uma vaga na Corte para Moro. O decano da Corte poderia arquivar o pedido, mas a decisão de enviar o caso para manifestação da PGR é um procedimento comum, previsto no regimento interno.

Em nota divulgada pela assessoria de imprensa, Zambelli disse que é "absurda" a afirmação de que ela soubesse com antecedência das ações da PF. Ela disse que falou à Rádio Gaúcha "informações já conhecidas e publicadas na mídia de que em vários estados estavam sendo realizadas investigações da Polícia Federal e das respectivas polícias civis sobre esquemas de corrupção com recursos públicos federais".

Em meio ao novo capítulo da crise, Rodrigo Maia fez um gesto de defesa das instituições. Ele abriu a sessão remota da Câmara com uma exortação à pacificação nacional. Maia pediu "relações harmoniosas" e a "pacificação dos espíritos" entre os Poderes. "Nosso grande desafio é derrotar o coronavírus, vencer a gravíssima crise social e econômica que está à nossa frente, preservando a nossa democracia", conclamou.

Ele enfatizou que é preciso preservar a democracia, e fez uma crítica velada a Bolsonaro, que na reunião de 22 de abril declarou o desejo de armar a população. "Armados do espírito de resiliência e da capacidade de trabalho do nosso povo, haveremos de conseguir. Essas, aliás, são as únicas armas que nós, brasileiros, devemos portar: a fé na capacidade de trabalho, na força de vontade para enfrentar e vencer obstáculos e na crença na Justiça de nosso regramento institucional".

Num discurso combinado com os líderes do Centrão, Maia elogiou o empenho do governo federal de construir uma base aliada. "Vejo com naturalidade o esforço do governo federal para ampliar sua base política. Em vez de ser criticado, esse esforço deve ser respeitado". Maia também acenou ao STF. "Os ministros do STF sabem que este Parlamento respeita e cumpre as decisões judiciais, mesmo quando delas discorda".

Na sequência, o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL) - que tem atuado como líder informal do governo - fez coro a Maia. Disse que Maia propagou a tese que seu partido "defende há muito tempo", com um condução "republicana" e "equilibrada". Interlocutor do Planalto para a distribuição de cargos no Centrão, Lira ainda enalteceu as "alianças de boa-fé", em referência à aproximação do bloco com o Planalto. E ressaltou que os partidos "do centro, ou do Centrão, sempre deram a qualquer governo, com muito equilíbrio, o sustentáculo, as aprovações necessárias, tanto para matérias econômicas, como para matérias sociais". (Colaboraram Isadora Peron e Daniela Chiaretti)