Valor econômico, v.21, n.5009, 27/05/2020. Brasil, p. A2

 

Anúncio em apoio a Salles aprofunda divisão no setor agrícola brasileiro

Daniela Chiaretti 

Fernando Lopes

27/05/2020

 

 

A divisão entre o agronegócio exportador, de um lado, e produtores e entidades mais conservadoras, de outro, aprofundou-se ontem, com a publicação de um anúncio em apoio ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. No áudio da reunião ministerial de 22 de abril, Salles disse aos outros membros do governo que num momento em que a imprensa está ocupada com a pandemia, há oportunidade de "soltar a boiada" e produzir medidas que relaxem a legislação ambiental. A fala repercutiu muito mal entre compradores de produtos agrícolas brasileiros e investidores no exterior.

Assinam a peça publicitária "No Meio Ambiente, a burocracia também devasta" a Unica, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Aprosoja, além de associações de produtores. Também a subscrevem vários sindicatos da construção civil, lojistas e da indústria de cosméticos e de turismo. Questionadas por ONGs, Natura, Avon e o Beach Park responderam que não foram consultadas pelas entidades setoriais que assinam a nota e manifestaram repúdio à iniciativa.

"Condenamos a agenda burocrática que utiliza a bandeira ambiental como instrumento para o travamento ideológico e irrazoável de atividades econômicas cumpridoras das leis e essenciais ao desenvolvimento do país", diz o anúncio, que constrangeu grandes exportadores.

"O anúncio chama mais a atenção pelas entidades que não estão do que pelas que assinam", disse ao Valor uma fonte do setor. "Algumas entidades assinaram, creio, por temer represálias do governo", comentou outro. Entidades do agronegócio exportador de grãos, algodão, cítricos e café não assinam o anúncio.

Não são recentes as divergências entre grandes produtores rurais e agroindústrias em relação ao discurso e à política do governo de Jair Bolsonaro para questões ambientais. As diferenças afloraram desde a posse do presidente e de Salles - e são cada vez mais nítidas. E isso basicamente porque as agroindústrias que fazem parte de cadeias exportadoras como grãos e algodão, carnes, café e suco de laranja sabem que seus clientes em outros países, sobretudo no mercado da Europa, estão mais exigentes com a sustentabilidade da produção, e o mesmo acontece com grandes fundos de investimento dispostos a jogar suas fichas no setor.

Ao mesmo tempo, muitos grandes agricultores mantêm inabalável uma posição que, para muitas tradings, já perde sustentação: a de que o mundo precisa comer e que o Brasil, produtor de alimentos que é, tem que se valer dessa posição privilegiada para falar mais alto nas mesas de negociação. "Só que não é assim que funciona", diz um veterano especialista. "Barreiras em países importadores por essa e outras questões são cada vez mais comuns. Esse tipo de discussão pode tirar valor dos produtos brasileiros nas negociações", diz.

"Acontece algo parecido no caso da China, principal destino das exportações do agronegócio brasileiro. Declarações pejorativas de integrantes do alto escalão do governo sobre o país não estão ajudando as cadeias exportadoras de grãos e carnes. Nesse caso, parece que agroindústrias e produtores têm posições parecidas: não mexam com a China", afirma ele.

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Após dois anos de queda, desmatamento da Mata Atlântica volta a crescer

Daniela Chiaretti 

27/05/2020

 

 

Depois de dois anos de queda consecutiva, o desmatamento da Mata Atlântica, o bioma mais agredido da história do país, voltou a subir. No período 2018-2019, o desflorestamento atingiu 11.399 hectares. O Estado campeão foi, novamente, Minas Gerais, que registrou quase 5.000 hectares de perda de floresta nativa.

A Bahia ficou em segundo lugar e depois veio o Paraná. Piauí e Santa Catarina, que vieram em quarto e quinto lugar, respectivamente, registraram uma redução no desmate, comparado ao mesmo período anterior.

Os dados são do Atlas da Mata Atlântica, estudo que vem sendo feito regularmente há duas décadas pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

"O aumento do desmatamento na Mata Atlântica mostra que a destruição do meio ambiente não vem acontecendo só na Amazônia", afirma em nota enviada à imprensa Mario Mantovani, diretor de políticas públicas da SOS Mata Atlântica.

Há uma boa notícia, contudo. Os Estados de Alagoas e o Rio Grande do Norte conseguiram zerar o desmatamento. Outros sete Estados, indica o mapa, estão muito próximos de zero.

Marcia Hirota, diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, acredita que é possível zerar o desmatamento no bioma. "O primeiro mapa da Mata Atlântica foi publicado em 1990, pela SOS Mata Atlântica, o Ibama e o Inpe", lembra. De lá para cá, "todo nosso esforço tem sido para manter esses dados permanentemente atualizados para subsidiar as ações de proteção da Mata Atlântica e políticas públicas", segue, citando como exemplo a Lei da Mata Atlântica, um marco na legislação da proteção ambiental brasileira.

"Hoje já sabemos que os desmatamentos seguem nas mesmas regiões, áreas interioranas, no limite com o Cerrado em Minas, Bahia, Piauí e em regiões com araucárias, no Paraná", continua. "Por sabermos onde os desflorestamentos mais ocorrem, é possível atingir o desmatamento ilegal zero na Mata Atlântica", defende. "Isso é possível até nos Estados com mais desmatamento, mas é preciso haver vontade política", diz. "É lamentável que sigam destruindo nossas florestas naturais, ano após ano."

O bioma sofreu outro ataque em abril, com despacho do Ministério do Meio Ambiente, que indicou aos fiscais ambientais que desconsiderem as regras mais severas da Lei da Mata Atlântica e sigam as mais brandas, do Código Florestal. A ação foi judicializada.