O Estado de São Paulo, n.46223, 07/05/2020. Metrópole, p.10

 

Com 4.552 registros a mais, total de mortes em casa aumenta 14% no país

Fabiana Cambricoli

07/04/2020

 

 

Dados obtidos com exclusividade pelo ‘Estado’, com base nos registros feitos em cartórios de 26 de fevereiro a 26 de abril, mostram crescimento em todas as regiões do País; aumento é maior em Estados com alta incidência de casos de coronavírus, como o Amazonas

O número de pessoas que morreram em casa desde o início da pandemia de covid19 no Brasil aumentou 14,6% em relação ao ano passado, segundo registros dos cartórios brasileiros. Na prática, o País teve, nos últimos dois meses, 4.552 óbitos domiciliares a mais do que no mesmo período do ano passado, revelam dados obtidos com exclusividade pelo ‘Estado’ com o Portal da Transparência do Registro Civil, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). A alta é ainda maior em Estados com alta incidência da doença. No Amazonas, o número de mortes em casa cresceu 94,7%. No Rio de Janeiro, o aumento foi de 34,8%.

A análise refere-se ao período de 26 de fevereiro, data de registro do primeiro caso de infecção por coronavírus no Brasil, até 26 de abril – foram desconsiderados os dados dos últimos dez dias porque esse é o prazo médio que os cartórios levam para repassar suas informações para a Central de Informações do Registro Civil (CRC Nacional).

A alta de mortes domiciliares, segundo especialistas, está relacionada a fatores como dificuldade de atendimento no sistema de saúde, adiamento de idas a prontos-socorros por medo de contágio e piora repentina de quadros de covid-19.

Segundo o Portal da Transparência, 35.551 brasileiros morreram em casa neste ano no período analisado ante 30.999 no mesmo período de 2019. Houve alta em 19 dos 27 Estados e em 20 capitais. No Amazonas, onde o sistema de saúde já entrou em colapso e foi registrada a maior alta, o número de óbitos em casa passou de 398 para 775 no período analisado. Na capital do Estado, o aumento foi ainda mais expressivo: 120,2%, com o número de óbitos em residência saltando de 331 para 729.

Manaus não foi a capital com o maior crescimento porcentual. Belém registrou alta de 360%, passando de 10 para 46.

No Rio, o número de pessoas mortas em casa subiu de 2.512 para 3.387. São Paulo também registrou crescimento acima da média nacional: 21,8%, com o número de mortes residenciais passando de 6.826 para 8.317.

O porcentual de mortes domiciliares sobre o total de óbitos do País também cresceu, segundo os registros dos cartórios. Nos dois meses analisados de 2019, 17,6% dos brasileiros morreram em seus domicílios. No mesmo período deste ano, o índice foi de 19,8%. Nas capitais também houve aumento: no ano passado foram 20,8% de óbitos em domicílio. Neste ano, o índice subiu para 23,9%.

Para especialistas ouvidos pelo Estado, parte desse aumento está relacionada a mortes por outras doenças que foram negligenciadas pelos próprios doentes ou por serviços de saúde. “Muitos podem estar sentindo uma dor no peito, um mal-estar, algum sintoma que, em outra ocasião, faria a pessoa ir ao pronto-socorro. Mas agora ela não vai porque está com medo do coronavírus. Só que isso pode levar a uma piora e fazer a pessoa morrer de enfarte, arritmia, derrame. Há também a possibilidade de os serviços de saúde estarem sobrecarregados e mandarem para casa pacientes que mereciam mais atenção”, destaca Frederico Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia.

O epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), diz que a falta de assistência adequada pode estar acontecendo tanto para pacientes com sintomas mais brandos de covid-19 quanto os com outras queixas.

Os dois especialistas destacam componente preocupante no caso da covid: os crescentes relatos de piora repentina e de morte súbita causada pelo vírus. “Os médicos do mundo inteiro estão estupefatos porque a pessoa vai perdendo oxigenação do sangue, mas sem sentir a falta de ar que era esperada. Há também comprometimento da circulação por causa de microcoágulos causados pelo vírus. Tudo isso pode levar a uma morte repentina”, destaca Lotufo.

Medo do vírus

“Muitos podem estar sentindo uma dor no peito, um mal-estar, algum sintoma que, em outra ocasião, faria a pessoa ir ao pronto-socorro. Mas agora ela não vai porque está com medo do coronavírus.”

Frederico Fernandes

PRESIDENTE DA SOCIEDADE PAULISTA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA