Valor econômico, v.21, n.5007, 25/05/2020. Política, p. A5

 

Barroso assume TSE com incerteza sobre eleição

Luísa Martins

Isadora Peron

25/05/2020

 

 

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), assume hoje a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com um importante desafio: organizar a logística de uma eleição municipal em meio à pandemia de coronavírus.

Em live promovida pelo Valor na sexta-feira, o ministro disse cogitar uma ampliação do horário de votação no domingo do pleito. A data ainda será costurada com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a depender da evolução dos casos de covid-19 no país.

Uma das ideias iniciais era promover as eleições em mais de um dia, como forma de evitar aglomerações e prevenir a disseminação do vírus - especialmente porque a Justiça Eleitoral dispõe de 93 mil urnas a menos em relação ao pleito de 2018, o que aumentaria o número de eleitores por equipamento e favoreceria a formação de filas.

Contudo, a iniciativa deve ser descartada em razão do custo: R$ 180 milhões para cada dia extra de votação. O montante, estimado pelo TSE a pedido do próprio ministro, leva em conta os gastos com os mesários e com as Forças Armadas, que prestam apoio no transporte das urnas eletrônicas e na segurança das seções eleitorais. O ministro considera que, diante de uma crise econômica global, não seria o momento de criar novos gastos.

“Talvez seja o caso de substituir essa ideia pelo alongamento do dia da eleição. Em vez de ir até as 17h, iríamos até as 20h. Essa alteração não depende de lei, apenas do TSE”, disse. Outra hipótese é fazer uma divisão por turnos, de acordo com a faixa etária do eleitor. “Vai ser uma eleição verdadeiramente diferente. Lamento pela pandemia, mas de tédio a gente não morre no Brasil.”

A eleição está constitucionalmente prevista para o primeiro domingo de outubro (4), mas, diante dos obstáculos impostos pela pandemia, Barroso já está em contato com o Congresso Nacional para dialogar sobre uma nova data. Até meados de junho, o ministro deve decidir sobre a necessidade de apresentar uma proposta de emenda. O que ele rechaça é que o pleito seja postergado de forma a coincidir com as eleições gerais, em 2022.

O primeiro fim de semana de dezembro é considerado como a data-limite para que a eleição transcorra sem necessidade de prorrogar os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores.

Nesta hipótese, a diplomação ocorreria excepcionalmente antes da fase de prestação de contas. O ministro tem dito que, como é irrisório o número de eleitos não empossados em razão de problemas com as contas, esse é um risco menos grave do que prorrogar os mandatos.

Embora se espere que, até dezembro, a curva de casos de covid-19 já esteja decrescente, ainda devem ser necessárias algumas medidas de prevenção. Ao Valor, o ministro disse que vai discutir com os colegas a possibilidade de empresas privadas, “por mera filantropia”, ajudarem na distribuição de máscaras e na disponibilização de álcool-gel.

Ele também já pediu a seus assessores uma pesquisa sobre as medidas adotadas por outros países, como a Coreia do Sul, para realizar eleições com segurança durante a pandemia.

Os impactos do coronavírus no cronograma eleitoral vêm sendo pesquisado por um grupo de trabalho instituído há mais de um mês pela ministra Rosa Weber, atual presidente da Corte, a quem Barroso substitui a partir de hoje. Será a primeira vez que o TSE promove uma cerimônia de posse virtual.

A equipe de profissionais técnicos tem se reunido semanalmente para monitorar a evolução da pandemia e projetar as condições materiais para a realização do pleito em outubro. Por ora, não há indicativo de que seja necessário qualquer adiamento.

Além de comandar as eleições, o ministro será o responsável, como presidente do TSE, pela organização da pauta de julgamentos do plenário. Tramitam no tribunal ações que pedem a cassação da chapa do presidente Jair Bolsonaro e de seu vice, Hamilton Mourão. Duas delas devem ser pautadas para as próximas semanas, mas são consideradas as juridicamente mais inconsistentes.

As mais relevantes são as que tratam do impulsionamento ilegal de mensagens. Sobre essas, questionado na live do Valor sobre a possibilidade de esses casos serem analisados ainda neste ano, Barroso disse que serão examinados quando “estiverem devidamente instruídos e o relator [ministro Og Fernandes] pedir pauta”, o que ainda não ocorreu.

O ministro também terá de administrar uma confusa licitação para a compra de novas urnas. O certame empacou na fase de homologação da melhor oferta. Concorrem a empresa Positivo Tecnologia e o consórcio Smartmatic - Diebold. O edital foi aberto no ano passado, considerando a necessidade de substituir os modelos usados nas eleições de 2006 e 2008, já obsoletos, e de equipar novas seções, em razão do crescimento do eleitorado no Brasil. Com a impossibilidade de concluir a licitação a tempo das eleições deste ano, o parque de urnas diminuiu de 565 mil para 473 mil.

Em outra frente, Barroso definiu um técnico do tribunal para coordenar estudos sobre as “eleições do futuro”. As pesquisas vão girar em torno da possibilidade de, daqui a alguns anos, os eleitores poderem votar pelo celular, a exemplo do que já ocorre em alguns países europeus. Embora a iniciativa tenha potencial para diminuir o custo milionário do TSE com eleições, o desafio é operacionalizar uma tecnologia que assegure à população o sigilo do voto. (Colaboraram Renan Truffi e Murillo Camarotto)