O Estado de São Paulo, n.46222, 06/05/2020. Política, p.A7

 

‘Mentira deslavada’, afirma Bolsonaro

Vinícius Valfré

Julia Lindner

06/05/2020

 

 

Presidente reage a depoimento, mostra imagens do seu telefone celular e acusa ex-ministro de vazar relatórios sigilosos do governo à imprensa

Brasília. Jair Bolsonaro, ontem, no Alvorada; presidente voltou a criticar imprensa ao ser questionado sobre troca na PF

O presidente Jair Bolsonaro chamou ontem de “mentira deslavada” a acusação feita pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro de que tentou interferir na Polícia Federal. Horas depois de ter se exaltado com a imprensa e mandado repórteres que o questionaram sobre o assunto calarem a boca, o presidente mostrou imagens de seu celular para dizer que o depoimento de Moro à Polícia Federal, no sábado, reforçou o que chamou de crime.

Bolsonaro acusou o ex-ministro de permitir o vazamento de relatórios sigilosos do governo para a imprensa e chegou a dizer que ele pode até mesmo ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional. “É um homem que tinha peças de relatórios parciais, de coisas que eu passava para ele. Entregava para a Globo as coisas há muito tempo. Isso é um crime federal, talvez incurso na Lei de Segurança Nacional”, afirmou o presidente, sem especificar a que se referia.

Ao retornar para o Palácio da Alvorada, no início da noite, Bolsonaro exibiu troca de mensagem com Moro, pelo WhatsApp, dois dias antes da demissão, ocorrida no dia 24. Ali o então ministro tratou como “fofoca” uma informação dando conta de que a Polícia Federal, e não o Supremo Tribunal Federal (STF), estaria “na cola” de dez ou 12 deputados bolsonaristas que participaram de manifestações em defesa do fechamento do Congresso e da Corte.

Ao deixar o governo, Moro disse que a intenção do presidente era ter alguém de sua confiança no cargo. Na segunda-feira, o delegado Rolando de Souza assumiu o comando da corporação. Pela manhã, ao lembrar que Carlos Henrique Oliveira, superintendente da PF no Rio, será agora o braço direito do novo diretor- geral, Bolsonaro ironizou a acusação de interferência política.

“Em nenhum momento pedi relatório de inquérito. Isso é mentira deslavada por parte dele. Mentira deslavada. Tenho até vergonha de falar isso daqui. Até ele diz que pedi numa reunião de ministros. Numa reunião de ministros a gente ia pedir algo ilegal?”, perguntou Bolsonaro, mais tarde, em referência à reunião do dia 22, que contou com a presença de representantes de bancos públicos.

A conversa do WhatsApp exibida  pelo presidente mostra uma continuação das mensagens que o próprio ex-ministro havia divulgado como prova de que Bolsonaro cobrava a troca de Valeixo. Após enviar para Moro o link de reportagem do site O Antagonista, dizendo que investigações da PF miravam parlamentares bolsonaristas, o presidente escreveu: “Mais um motivo para a troca”. O então ministro respondeu para Bolsonaro que as diligências haviam sido determinadas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes no inquérito das fake news.

Mensagem. “Tem um DPF (diretor da Polícia Federal) atuando por requisição no inquérito das fake news e que foi requisitado pelo Min (ministro) Alexandre. Não tem como negar o atendimento a requisição do STF”, escreveu Moro. Para Bolsonaro, a resposta significa que o então titular da Justiça tinha acesso a inquéritos sigilosos. “O Moro diz que isso é fofoca porque ele tem informações privilegiadas. Ele diz que esse inquérito que existe no Supremo não tem nome de deputado federal nenhum”, insistiu.

A exemplo do que ocorreu pela manhã, o presidente voltou a dizer que nem ele nem os seus filhos são investigados. O inquérito aberto por determinação do ministro do STF Celso de Mello, porém, apura tanto acusações feitas por Moro quanto por Bolsonaro em relação à troca no comando da PF.

Depois de avisar que não queria ser alvo de “interrogatório” de jornalistas, Bolsonaro pediu desculpas pelos ataques dirigidos a repórteres de manhã. Questionado sobre o motivo do interesse em mudar o comando da PF no Rio de Janeiro, Bolsonaro demonstrou insatisfação com a maneira como a polícia agiu no caso do porteiro que o envolveu na apuração sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018.

“O Rio é o meu Estado. Eu fui acusado de tentar matar a Marielle. O presidente da República acusado de um assassinato. A PF tinha que investigar. Por que não investigou?”, reclamou.

'Vergonha'

“Em nenhum momento pedi relatório de inquérito. Isso é mentira deslavada por parte dele. Mentira deslavada. Tenho até vergonha de falar isso.”

Jair Bolsonaro 

PRESIDENTE DA REPÚBLICA