Valor econômico, v.21, n.5006, 22/05/2020. Política, p. A9

 

Esquerda pede impeachment de Bolsonaro

Andrea Jubé

22/05/2020

 

 

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse ao Valor que o pedido coletivo de impeachment protocolado ontem pelo partido, em conjunto com outras siglas de oposição, juristas e movimentos sociais era a "última trincheira constitucional" possível contra o presidente Jair Bolsonaro.

Para Gleisi, será "impossível uma saída sustentada da crise" enquanto Bolsonaro estiver governando o Brasil. O PT uniu-se ao PCdoB, Psol, PCB, PCO, PSTU e UP, e entidades, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e a Articulação dos Povos Indígenas, para apresentar o novo pedido de impedimento de Bolsonaro, com o objetivo de que seja o mais amplo e representativo dos 31 protocolados até agora.

Gleisi acredita que o PT se fortalece no Congresso em meio à disputa entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pelo controle do Centrão, porque a bancada com 56 deputados poderá ser decisiva em algumas votações.

Por isso, afirma que o PT terá envergadura para elevar a pressão pela tramitação do impeachment e da proposta de emenda constitucional (PEC) que fixa o prazo de 90 dias para realização de eleições diretas na hipótese de vacância da Presidência da República. "A saída do impeachment não pode ser o [vice Hamilton] Mourão, por esse fator: ficar na Presidência um general", alegou.

Na próxima semana, o partido intensifica a articulação para convencer Maia a criar a comissão especial para análise da PEC 37, que impede que o vice-presidente assuma em definitivo a Presidência na hipótese de afastamento do titular. O relator da proposta é o deputado Felipe Francischini (PSL), conterrâneo de Gleisi e ex-aliado de Bolsonaro.

"Nos preocupa a militarização do governo, até a Casa Civil, contrariando o nome da pasta, é ocupada por um militar", diz Gleisi. "Chega a ser uma ofensa, passa uma mensagem de que a sociedade é incapaz de conduzir um governo e precisa ser tutelada pelos militares", complementou. Ela lembra que o papel constitucional das Forças Armadas é de coordenação e defesa das fronteiras, não de governo.

O PT já havia acionado as instâncias judiciais - o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) - contra Bolsonaro, e a princípio, avaliava que não há ambiente político para o prosseguimento do impeachment. Mas agora, o partido acredita que essa conjuntura possa ser construída com o tempo.

"É um processo político, então além do rol de crimes [de responsabilidade] que temos, é preciso ter também as condições políticas", argumentou. "Mas as condições políticas estão se construindo, as coisas estão caminhando, Bolsonaro cada dia mais se desgasta, e por outro lado, o processo é importante para fazermos a discussão com a sociedade".

A dirigente petista avalia que o cenário de rompimento de uma ala do Centrão com Maia, para obter cargos no governo federal, favorece o PT, que desponta como a maior bancada da Câmara. O líder do PP, Arthur Maia (AL), distanciou-se de Maia e passou a atuar como um líder informal do governo, levando com ele quase a metade do bloco.

"Quando o Maia tinha o centro inteiro com ele, havia quase um tratoramento das decisões, nós éramos informados do que ia acontecer [no plenário]", relatou. "Agora o PT pode assumir protagonismo maior em decisões na Câmara, e isso com certeza pode influenciar o processo [do impeachment]", e a tramitação da PEC que impede que o vice se perpetue no cargo.

Sobre a mudança das regras durante o jogo, Gleisi lembra que há precedentes na história recente do Congresso, como a aprovação da PEC que permitiu a reeleição do presidente em 1997, favorecendo Fernando Henrique Cardoso, que estava concluindo o primeiro mandato. "Pode fazer agora para ter um processo mais democrático de mudança", reforçou.

Em meio à divisão da esquerda, em que o PDT tenta isolar o PT, Gleisi lamenta que o presidenciável da sigla, Ciro Gomes, tenha se transformado em um "instrumento do antipetismo". "Ter críticas e divergências é uma coisa, mas ele virou uma espécie de Roberto Jefferson, é uma postura muito ruim para quem quer ser uma liderança nacional".