O Estado de São Paulo, n.46217, 01/05/2020. Política, p.A5

 

Bolsonaro não apresenta exames; juíza dá mais prazo

Rafael Moraes Moura

Lorenna Rodrigues

01/05/2020

 

 

Magistrada afirma que relatório entregue pela Presidência não atende determinação judicial e pede todos os laudos de covid-19

Viagem. O presidente Jair Bolsonaro visitou QG do Exército durante viagem a Porto Alegre

A juíza Ana Lúcia Petri Betto decidiu ontem dar mais 48 horas para que o presidente Jair Bolsonaro entregue à Justiça Federal de São Paulo “os laudos de todos os exames” realizados para verificar se foi contaminado ou não pelo novo coronavírus. A decisão foi tomada após o governo enviar ontem um relatório, assinado por dois médicos da Presidência da República em 18 de março, informando que Bolsonaro estava assintomático e havia testado negativo para a doença.

Para a magistrada, o documento da Presidência não atende “de forma integral” à determinação judicial da última segunda-feira. O Estado garantiu no início desta semana o direito de obter os testes de covid-19 feitos por Bolsonaro. Por decisão da juíza, a União foi obrigada a fornecer “os laudos de todos os exames” feitos pelo mandatário.

Bolsonaro já disse que o resultado deu negativo, mas se recusa a divulgar os papéis – ontem, o presidente admitiu que “talvez” tenha sido contaminado pelo novo coronavírus. Há dois dias, no entanto, o presidente disse que não teve a doença e que não mente. “Vocês nunca me viram aqui rastejando, com coriza... eu não tive, pô (novo coronavírus). E não minto”, afirmou.

O relatório médico apresentado pela Advocacia Geral da União (AGU) é assinado pelo assistente médico da Presidência, o especialista em ortopedia e traumatologia Marcelo Zeitoune, e o coordenador de Saúde da Presidência, o urologista Guilherme Guimarães Wimmer.

O Estado procurou Zeitoune, que disse por telefone que não poderia dar mais detalhes sobre os exames. “Ordens superiores”, afirmou. Sobre o fato de Bolsonaro ter procurado um ortopedista para uma suspeita de covid-19, afirmou: “Sou ortopedista e sou médico. Minha especialidade é ortopedia. Faço parte da equipe.”

O governo também queria que o relatório médico fosse mantido sob sigilo por envolver informações consideradas pessoais do presidente, o que foi negado pela juíza. “A falta de transparência é absoluta. A decisão da Justiça mandou juntar resultado de exame. Não há nenhum resultado de exame juntado, portanto, a decisão foi descumprida”, disse o advogado do Estado Afranio Affonso Ferreira Neto.

Risco. Em resposta à Justiça, a AGU destacou que o relatório médico do mês passado informa que Jair Bolsonaro “vem sendo monitorado pela equipe médica”, concluindo que “não há, portanto, risco sanitário de contágio/disseminação por parte do Presidente da República, uma vez que o mesmo não demonstrou ser, até o presente momento, hospedeiro do novo coronavírus”. “O relatório médico atesta os resultados dos exames realizados”, afirma a AGU.

Pelo menos 23 pessoas que acompanharam o presidente brasileiro na viagem aos Estados Unidos foram diagnosticadas posteriormente com a doença. Entre eles, auxiliares próximos, como o secretário de Comunicação Social da Presidência da República, Fabio Wajngarten, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.

Depois de questionar sucessivas vezes o Palácio do Planalto e o próprio presidente sobre a divulgação do resultado do exame, o Estado entrou com ação na Justiça na qual aponta “cerceamento à população do acesso à informação de interesse público”, que culmina na “censura à plena liberdade de informação jornalística”.

A Presidência da República se recusou a fornecer os dados ao Estado via Lei de Acesso à Informação, argumentando que elas “dizem respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, protegidas com restrição de acesso”.

Ao longo das últimas semanas, o presidente tem descumprido orientações da Organização Mundial da Saúde e do próprio Ministério da Saúde, fazendo passeios pelo Distrito Federal, cumprimentando populares e formando aglomerações em torno de sua pessoa.

Bolsonaro já minimizou a gravidade da pandemia, referindo-se ao novo coronavírus como “gripezinha” e “resfriadinho”. O Brasil encerrou o mês de abril com um total de 5.901 óbitos e 85.380 pessoas contaminadas pelo novo coronavírus.

Decisão

“A falta de transparência é absoluta. Não há nenhum resultado de exame juntado, portanto, a decisão foi descumprida”

Afranio Affonso Ferreira Neto

ADVOGADO