Correio braziliense, n. 20838 , 11/06/2020. Saúde, p.22

 

OMS vai iniciar testes clínicos com vacinas

Vilhena Soares

11/06/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Fórmulas que estão na linha de frente do consórcio de pesquisas apoiado pela agência devem ser aplicadas em humanos "em breve". Órgão das Nações Unidas também volta a ressaltar que infectados sem sintomas da covid-19 podem transmitir o vírus

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou, ontem, que as vacinas contra a covid-19 que estão na linha de frente de seu projeto de pesquisa seguirão para testes clínicos, com humanos, “em breve”. Na coletiva, a instituição também voltou a reforçar que pacientes assintomáticos podem transmitir o novo coronavírus, na tentativa de finalizar a polêmica gerada no início da semana. Representantes da agência das Nações Unidas ainda comentaram medidas adotadas por alguns países para relaxar a quarentena e o resultado de uma pesquisa recente sinalizando que o surgimento do Sars-CoV-2 pode ter ocorrido na China antes do imaginado.

Durante a entrevista, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, informou que há “mais de 37 países” envolvidos em ensaio clínicos conduzidos pelo Solidariedade. O grupo é uma força-tarefa liderada pela OMS que busca entender melhor a doença e, dessa forma, desenvolver tratamentos e imunizantes eficazes. No caso das vacinas, a etapa de testes em humanos está prestes a ser iniciada e, segundo Tedros, eles não serão direcionados para alguma população ou país específicos. O objetivo é buscar garantir que os protocolos sejam usados e aplicados da mesma maneira em todas as nações envolvidas.

O programa foi lançado em março e, em 3 de junho, contava com mais de 3.500 voluntários, recrutados em 35 países, com mais de 400 hospitais envolvidos. Mais de 100 países aderiram ou manifestaram interesse em participar do estudo, e a OMS apoia ativamente 60. Além das vacinas, equipes investigam o uso de quatro medicamentos contra a covid-19: hidroxicloroquina, remdesivir, lopinavir e interferon-beta.

Tedros também pediu um compromisso político dos governos para que, quando uma vacina for encontrada, ela esteja disponível universalmente. Na semana passada, a OMS divulgou uma lista com 133 projetos de vacinas em desenvolvimento, sendo Estados Unidos e China os países com maior quantidade de projetos do tipo: 42 e 19, respectivamente. Conforme o balanço da agência, 10 trabalhos estão sendo testados em humanos — cinco deles chineses. Um dos mais avançados é a vacina da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que está na fase três dos testes clínicos e contará com a participação do Brasil, que também tem iniciativas próprias nesse sentido (Leia Para saber mais).

Assintomáticos

O diretor-geral da OMS aproveitou a coletiva para reforçar que, desde o início de fevereiro, a agência tem afirmado que pacientes assintomáticos podem transmitir o vírus da covid-19. “O que precisamos é fazer mais pesquisas para estabelecer qual a extensão da transmissão por assintomáticos. Essa pesquisa está em andamento.” Na segunda-feira, a epidemiologista Maria Van Kerkhove afirmou que esses casos de infecção eram raros, gerando polêmica entre profissionais da área e a comunidade científica. No dia seguinte, a entidade explicou que o fato se tratava de um “mal entendido”.

Tedros citou a importância de estratégias já estabelecidas para enfrentar a pandemia. “Encontrar, isolar e testar pessoas com sintomas, e rastrear e fazer quarentena de seus contatos são o modo mais crucial para parar a transmissão da covid-19”, listou. Também destacou que, como a covid-19 é provocada por um vírus novo, todos estão aprendendo o tempo todo sobre ele. “Sabemos muito, mas ainda há muito que não sabemos sobre o coronavírus.”

Segundo Flávia Fernandes, pneumologista da Oncoclinicas Brasília, aprender mais sobre o vírus é essencial para o desenvolvimento de estratégias de combate. “Temos descoberto novos dados todos os dias, e isso ajuda em diferentes áreas, como isolamento, quais remédios usar, como desenvolver novas opções de tratamentos e, principalmente, as vacinas”, disse. “Essa é uma doença de um espectro muito grande, repleta de sintomas variados, o que a torna mais difícil de lidar do que uma gripe comum, por exemplo.”

A médica brasileira acredita que é impossível prever uma data para o surgimento de uma vacina. Para ela, quando estiver desvendado o tempo de imunidade gerada no organismo de pessoas que já sofreram a covid-19, uma fórmula de imunização estará mais próxima. “Ainda não sabemos direito quanto tempo essas pessoas permanecem livres do vírus. Com esse dado, poderemos identificar se esses anticorpos criados pelo corpo são suficientes ou se precisaremos de outras estratégias para gerar uma proteção permanente”, explicou.

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Particula ajuda a regular a defesa

11/06/2020

 

 

Pesquisas têm indicado que a principal causa de morte de pacientes com covid-19 é a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). Esse problema pulmonar é desencadeado por uma reação exagerada do sistema de defesa à presença do vírus, chamada tempestade de citocinas. Cientistas americanos criaram uma partícula plástica capaz de impedir, em ratos, a ocorrência  dessa falha do sistema imune. Os dados dos experimentos foram publicados na última edição da revista especializada Science Advances.

Na tempestade de citocinas, os glóbulos brancos ficam fora de controle, quebram o tecido pulmonar e causam o acúmulo de líquidos. “Foi o mesmo que ocorreu na pandemia de influenza de 1918, a gripe espanhola. As mortes se deram porque os pulmões das pessoas se enchiam de líquido e elas se afogavam”, detalha, em comunicado, Lola Eniola-Adefeso, professora de engenharia química na Universidade de Michigan e principal autora do estudo.

Os responsáveis por essa resposta exagerada do corpo a invasores são os neutrófilos, um tipo de glóbulo branco que representa de 60% a 70% das células imunes do corpo humano. “Eles são como a Guarda Costeira, têm como principal trabalho garantir que os limites não sejam ultrapassados”, ilustra a cientista. Os neutrófilos não são “especializados”, o que lhes permite responder a muitas ameaças, diferentes vírus e bactérias, por exemplo. Mas, às vezes, essa falta de direcionamento significa que eles não sabem quando parar. “Enquanto houver ‘pista’, continuam agindo, e isso transforma o que deve ser uma boa resposta em uma resposta ruim”, explica Lola Eniola-Adefeso.

São as citocinas emitidas pelos neutrófilos que avisam as células para quebrar barreiras e deixar o sangue fluir em um local problemático. Para evitar uma enxurrada dessas moléculas de sinalização, Eniola-Adefeso tentaram enganar esse glóbulo branco usando micropartículas plásticas. Injetadas no sangue de camundongos com SDRA, elas desviaram os neutrófilos das áreas de inflamação grave nos pulmões. “Eles capturaram essas micropartículas e seguiram para o fígado para descartá-las. Os microplásticos usados dessa maneira diminuíram a SDRA em ratos”, detalha a cientista.

Formato ideal

Apesar do sucesso inicial, os pesquisadores detectaram um risco. Os microplásticos usados nos primeiros testes tinham o formato de esfera e, por isso, poderiam atrair outras moléculas de defesa, comprometendo o objetivo do estudo. Ao longo de novos testes e análises laboratoriais, a equipe descobriu que os neutrófilos “gostam” de partículas em forma de bastonete. “Essa preferência é útil para direcionar o plástico aos neutrófilos e deixar outros glóbulos brancos fazendo o seu trabalho”, explica Lola Eniola-Adefeso.

Em mais testes feitos com ratos, observou-se que, quando se usava bastões de microplástico, 80% dos neutrófilos os comiam, enquanto apenas 5% a 10% das outras moléculas do sistema imune faziam o mesmo. Atualmente, a equipe de pesquisa estuda se as partículas que distraem os neutrófilos podem ser fabricadas com medicamentos. Eles acreditam que a nova ferramenta poderá ser útil no combate à covid-19.

Vírus devastador

A doença que provocou de 50 a 100 milhões de mortes, no mundo, entre 1918 e 1919 começava como uma simples gripe, mas, logo, evoluía para um estado grave de pneumonia. No Brasil, provocou cerca de 35 mil mortes. Historiadores acreditam que a gripe espanhola tenha chegado a solo brasileiro por meio de um navio português, em setembro de 1918.

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Estudo indica origem em agosto

11/06/2020

 

 

Especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) também comentaram os dados de um estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, indicando que a covid-19 pode ter surgido antes do que se imaginava na China. Os autores do trabalho, divulgado nesta terça-feira, chegaram a essa conclusão ao analisar imagens de satélite coletadas para monitorar o tráfego em seis hospitais de Wuhan, coração da pandemia.

Eles detectaram um aumento significativo do tráfego nesses centros a partir de agosto, com pico em dezembro. Michael Ryan, diretor executivo da OMS, disse que a investigação mostrava um uso interessante de informações do tipo, mas pediu “cautela quando se faz essas associações”. Segundo ele, a agência não “especularia” sobre essas conclusões, rejeitadas pelo governo chinês.

O diretor executivo também falou sobre quarentena, afirmando que há “muitas outras considerações que devem ser feitas”, além da taxa de ocupação de UTIs, para se decidir sobre o relaxamento de medidas do tipo. “Se tivesse 1 milhão de leitos de UTI, está tudo bem se tiver 1 milhão de pacientes em estado grave?”, questionou. Michael Ryan admitiu que muitos países “enfrentam escolhas muito difíceis” nesse processo de reabertura e também lembrou o impacto econômico com as medidas de distanciamento social.