Correio braziliense, n. 20838 , 11/06/2020. Política, p.10

 

TCU manda recados à Secom

Simone Kafruni

11/06/2020

 

 

PODER » Ao analisar as contas do governo federal, ministro Bruno Dantas aponta inconsistências na atuação da Secretaria de Comunicação Social, com perseguição a veículos de imprensa e favorecimento a outros, contrariando vários critérios técnicos

O Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou, ontem, a aprovação, com 14 ressalvas e sete alertas, do parecer prévio relativo às contas do presidente Jair Bolsonaro sobre o exercício financeiro de 2019 –– resta ainda passar pelo Congresso. Apesar de o relator do processo, ministro Bruno Dantas, apontar sete irregularidades, seis impropriedades e uma distorção, seu voto orientou pela aceitação, no que foi acompanhado pelos demais integrantes da Corte de contas. Mas o relatório fez pesada carga sobre a atuação da Secretaria Especial de Comunicação Social, chefiada por Fabio Wajngarten.

A observação vem no momento em que veículos que apóiam o presidente Jair Bolsonaro e disseminam notícias falsas têm sido contemplados com recursos federais, seja do próprio governo ou de autarquias –– alguns responsáveis por esses veículos estão arrolados no inquérito das Fake News, que corre no Supremo Tribunal federal (STF). Até mesmo páginas de internet com conteúdo pornográfico receberam publicidade oficial.

“Houve redução da ordem de 28% com publicidade. Por outro lado, chama a atenção que alguns canais de comunicação foram mais privilegiados do que outros, sem que houvesse justificativa para tanto. Com frequência, há risco de desvio de finalidade de agentes estatais em possível ofensa e ameaça aos princípios do estado democrático de direito, caso sejam combalidos alguns dos seus sustentáculos, como a liberdade de expressão e de imprensa”, ressaltou.

Dantas afirmou que o TCU sugeriu uma regra de transparência, para que a Secom encontre uma fórmula, com urgência, de listar todos os veículos que recebem dinheiro público, mesmo por meio de algoritmo ou via ferramentas. O ministro destacou decisões questionáveis da Secom em relação à distribuição de publicidade. Citou “suposta perseguição”, com “critérios pouco técnicos”. “São usados também para perseguir grupos que estão em oposição ao governo”, disse.

Democracia

Dantas deu vários recados na leitura do seu parecer. Chamou a atenção para os seguidos ataques de Bolsonaro e de integrantes do governo à Constituição. “A democracia brasileira pode ser jovem, mas seu conceito não é recente e nem é efêmera sua construção. O abalo dos alicerces de nosso estado de direito democrático não é um mero recuo à década de 1960 do século passado. É um recuo de oito séculos, ao período medieval”, alertou, remetendo ao rei britânico João Sem Terra, que propôs a primeira constituição de que se tem notícia. “Por tudo isso, tenho tranquilidade em afirmar que os Poderes constituídos encontrarão o justo ponto de equilíbrio para reduzir as iniquidades e promover o bem-estar de nossa sofrida população”, assinalou.

E ontem à noite, o TCU aprovou um pedido para que sejam apuradas possíveis irregularidades nos gastos com cartão corporativo pela Presidência da República. As despesas vieram a público no mês passado e têm sido maiores na gestão Bolsonaro do que na de Michel Temer e Dilma Rousseff.

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Proposta de plataforma única

Israel Medeiros*

11/06/2020

 

 

O Brasil precisa de uma plataforma única de transparência para fiscalizar os gastos da União. É o que defende o procurador do Ministério Público do Tribunal de Contas da União, Julio Marcelo de Oliveira. Em entrevista, ontem, ao CB.Poder –– uma parceria do Correio Braziliense e da TV Brasília ––, ele falou sobre a fiscalização dos gastos públicos no combate à pandemia de covid-19 e afirmou que um dos grandes problemas na fiscalização dos recursos destinados à saúde é a fragmentação de informações.

“Não existe um portal único para saber como esses recursos são gastos. É necessário termos uma plataforma única, com acesso para toda a sociedade, porque é preciso saber o preço dos itens comprados. Nada inibe mais a corrupção do que a transparência”, salientou.

O procurador também comentou a polêmica na divulgação dos dados de mortos e infectados por covid-19 pelo Ministério da Saúde dizendo que isso não pode acontecer, pois dificulta que gestores públicos tomem as melhores decisões na contenção da contaminação. “Preparamos uma representação que determina que o Ministério da Saúde divulgue dados completos, para que os gestores tomem as decisões corretas. Além disso, tem a lei de acesso à informação. Não é à toa que tantos atores se mobilizaram”, disse.

Julio Oliveira disse ainda que, no caso dos governos investigados por supostos esquemas de corrupção na compra de equipamentos para combate à covid-19, os envolvidos viram uma oportunidade devido à situação de urgência, que permitiu aos governos maior liberdade nos gastos. “Estão faltando respiradores no mundo, é como se eu pudesse comprar a qualquer preço. Empresários que nunca trabalharam com isso foram escolhidos para vender esses equipamentos. São situações injustificáveis. Mesmo em um ambiente que tenha que tomar decisões rápidas, essas decisões precisam ser tomadas com responsabilidade”, completa.

* Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi

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MPF investiga improbidade da Secretaria

11/06/2020

 

 

O Ministério Público Federal abriu uma investigação para apurar possível crimes de improbidade cometidos pela Secretaria Especial de Comunicação, vinculada à Presidência da República, devido à veiculação de publicidade oficial em sites, aplicativos e canais do YouTube que divulgam notícias falsas, pornografia, jogos de azar e conteúdo infantil, e também que fazem promoção do presidente Jair Bolsonaro e de seu filho, o senado Flávio (Republicanos-RJ). Esta é a terceira investigação aberta pelo MPF contra a Secom.

A investigação foi iniciada depois que um relatório feito para a CPI das Fake News mostrou que a Secom pagou aproximadamente R$ 2 milhões de publicidade em páginas com conteúdo inadequado. A secretaria culpou as plataformas de mídia com as quais trabalha pela destinação da verba oficial.

A Secretaria está na mira do MPF. Em maio, os procuradores abriram inquérito para apurar as responsabilidades por postagens, feitas no perfil institucional da Secom, enaltecendo o tenente-coronel Sebastião Rodrigues de Moura, o Sebastião Curió, apontado como um dos militares responsáveis pela morte e desaparecimento de militantes de esquerda ligados à Guerrilha do Araguaia. Na sequência, o MPF abriu inquérito para apurar a destinação de verba oficial para sites de conteúdo ideológico e favoráveis ao governo.