Correio braziliense, n. 20837 , 10/06/2020. Correio Talks, p.8

 

Entre o Direito e a economia

Fernando Facury Skaff

10/06/2020

 

 

Resultado do julgamento da Suprema Corte não deve levar em conta apenas o lado financeiro do processo    

Toda a discussão processual em torno do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em curso, para mudar a fórmula de calcular indenização às usinas prejudicadas pelo tabelamento de preços em governos anteriores, é um embate entre Direito e Economia sobre a responsabilidade do Estado por intervenção no domínio econômico. A opinião é do advogado Fernando Facury Skaff, professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP). “O debate é sobre um dano que ocorreu no século passado, que começou a ser julgado no início deste século e cuja jurisprudência pode ser alterada após 15 anos”, resume. “Depois de 40 precedentes e diversos precatórios concedidos, é preciso fundada razão para troca de paradigmas”, argumenta.

Ao comentar a alegação da Advocacia-Geral da União (AGU), de que o custo para os cofres públicos com as indenizações das usinas do setor sucroalcooleiro pode chegar a R$ 70 bilhões, o professor sustenta que não se pode “financeirizar” a jurisprudência da Suprema Corte.

“Se olharmos que cada processo vai implicar em não sei quantos milhões aos cofres públicos, acaba o Direito. Isso é uma preocupação econômica, mas não pode ser jurídica. Se houve lesão, deve ser indenizada. Não se pode ‘financeirizar’ a análise jurídica para afastar o risco”, defende.

Skaff é didático ao explicar o erro cometido pelo governo ao congelar os preços do álcool e do açúcar nas décadas de 1980 e 1990. “Naquela época, vários setores tiveram congelamento e problemas decorrentes disso. O governo entendeu que isso deveria ocorrer, todavia, em muitas situações, gerou prejuízo para empresas”, lembra. O especialista pontua que o Estado pode intervir, porém corre o risco de gerar prejuízo para os agentes econômicos. “E foi o que ocorreu com o setor sucroenergético naquela época.” Como a venda de açúcar e álcool deveria ser tabelada, o governo contratou uma empresa idônea — a Fundação Getulio Vargas (FGV) — para pesquisa de campo. “A FGV verificou o custo de produção e a margem de lucro mínimo necessário. O que fez o governo? Pegou o valor apurado (hipotético) de 100 e disse: vou pagar 80. Isso ocorreu periodicamente durante muitos anos”, esclarece. Desde o primeiro caso que chegou ao STF, julgado em 2005, o precedente assentou posição de que houve dano e, tendo havido, deveria ser indenizado. “Como deveria ser medido o dano? Pelos 20, que é a diferença dos 100 que deveria ter sido o valor fixado menos os 80, preço efetivamente tabelado. O que as empresas buscam são esses 20, essa diferença”, exemplifica.

Segundo o professor, o artigo 37 do parágrafo 6º da Constituição Federal estabelece que o Estado é obrigado a indenizar se causou dano e deve indenizar no tamanho do dano. “É a relação de causa e efeito, sendo a causa o governo ter estabelecido o pagamento menor daquele que ele mesmo mandou apurar”, destaca.

Para o especialista, a jurisprudência, que já estabeleceu a fórmula de cálculo do dano, deve ser respeitada. “Alguém poderia dizer que a FGV errou, contudo, foi contratada por mais de uma década. Se tivesse mesmo errado, não teria ficado tanto tempo”, pondera.

Skaff compartilha da opinião da ex-ministra da AGU Grace Mendonça, de que, se for feita uma revisão completa para o cálculo da indenização, a União poderá pagar mais. “Se calcular lucros cessantes, danos emergentes e outras implicações, poderia gerar um impacto muito maior do que aquele que está sendo pedido”, alerta.

Ele sugere deslocar o setor e avaliar a situação de Vasp. A Viação Aérea São Paulo foi uma empresa de aviação comercial brasileira que deixou de operar em 2005 e teve sua falência decretada pela Justiça em 2008. “Até há pouco tempo tinha aeronave da Vasp estacionada por aí. A empresa teve uma situação de congelamento de preços semelhantes. Será que seria correto indenizar todos os prejuízos? Poderia, mas não seria uma conta singela”, compara. “Isso dá um pano de fundo para essa nossa questão entre econômico e jurídico, centrando a atenção neste processo, porque impacta no setor sucroalcooleiro hoje e no por vir, por conta da covid-19. Sem esse dinheiro, haverá mais dificuldade de sobrevivência das usinas”, afirma.

O professor ressalta que o risco de indenizar por meio de um procedimento contábil é individualizar o que seria macro. “Será que a empresa teve lucro ou prejuízo, por repor seu capital adequadamente? Será que o parque industrial foi renovado? Se foi, a empresa, teria menos retorno, assim como aquelas que pagaram maiores salários para seus diretores”, pontua. “Ou seja, é difícil identificar uma fórmula para cada empresa”, conclui.