Correio braziliense, n. 20837 , 10/06/2020. Política, p.4

 

Recuo na retirada do Bolsa Família

Simone Kafruni

10/06/2020

 

 

PODER » Governo desiste de transferir R$ 83,9 milhões do programa no Nordeste para que a Secom ampliasse gastos com publicidade. Justificativa foi a baixa execução na região, pois beneficiários estão preferindo retirar o auxílio emergencial de R$ 600, de maior valor

O governo voltou atrás na transferência de R$ 83,9 milhões do orçamento do Bolsa Família no Nordeste para a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência (Secom) ampliar gastos com publicidade. Numa edição extra do Diário Oficial da União (DOU), ontem, está publicada a revogação, que foi divulgada na última quinta-feira. O Tribunal de Contas da União (TCU) tinha recebido uma representação do Ministério Público de Contas da União (MPTC) e estava pronto para abrir investigação sobre a operação de remanejamento de recursos.

A portaria ME/SEF 13.474/2020, que autorizava o repasse, foi assinada na semana passada pelo secretário de Fazenda da Economia, Waldery Rodrigues. Depois da possibilidade de o TCU investigar o caso, o governo anulou a transferência.

A justificativa para tirar o dinheiro do Bolsa Família que atende uma das regiões mais pobres do país foi que, com o auxílio emergencial que o governo vem concedendo desde o começo do isolamento social, quem tem direito à retirada dos dois benefícios poderia optar por aquele que fosse mais vantajoso. Assim, muitas pessoas que estavam na base de dados comum preferiram os R$ 600 em vez da ajuda do programa de combate à pobreza (cujo valor médio, em março, foi de R$ 188). Com a diminuição da retirada, havia baixa execução — o que explicaria a manobra.

O Tribunal ainda não tinha aberto a investigação, mas recebeu uma representação do MPTC, do gabinete do procurador Rodrigo Medeiros de Lima, com requerimento de uma medida cautelar para suspender o repasse. O documento solicitava à Corte de contas que “tendo em mente a remota possibilidade de saneamento da situação, conjugada ao risco de lesão ao interesse público, representado pela execução dos créditos orçamentários em questão”, suspendesse a portaria e determinasse que “a União se abstenha de transpor recursos do PBF (Programa Bolsa Família) para o custeio de despesas primárias não diretamente relacionadas ao enfrentamento da pandemia”. A justificativa da transferência era para “evitar o direcionamento, direto ou transverso, de créditos orçamentários extraordinários (extra-teto) para a expansão de despesas”.

Para o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, a manobra era insustentável. “Ainda que houvesse margem no Bolsa Família, em função de muitos beneficiários terem optado pelo auxílio emergencial, não fazia qualquer sentido transferir para a Secom. Pouco se vê de publicidade federal sobre o novo coronavírus, e a única justificativa plausível seria uma enorme campanha de conscientização”, ressaltou. Castello Branco disse que a comunicação já gastou, este ano, aproximadamente R$ 270 milhões em publicidade, quase R$ 40 milhões a mais do que em 2019.

Gastos

Segundo as planilhas de gasto com publicidade, de janeiro a maio de 2020 o valor foi de R$ 268,8 milhões, ante R$ 230,1 milhões no mesmo período, em 2019. O aumento mais significativo foi na Saúde, que passou de R$ 73,2 milhões para R$ 126,8 milhões, segundo planilha com base nas informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) e Siga Brasil, elaborada pela Contas Abertas.

Dos quatro tipos de publicidade (legal, mercadológica, institucional e de utilidade pública), a única com elevação nas despesas na comparação de janeiro a maio de 2019 com o mesmo período de 2020 foi de utilidade pública, “que tem como objetivo informar, orientar, avisar, prevenir ou alertar a população ou segmento da população para adotar comportamentos que lhe tragam benefícios sociais reais, visando melhorar a sua qualidade de vida”. A diferença a mais, nesse caso, foi de R$ 75,6 milhões. Com as reduções nas outras três modalidades, o total de publicidade a mais em 2020 foi de R$ 38,6 milhões.

Procurado, o Ministério da Economia comentou o recuo por meio de nota: “A Portaria 13.474/2020 abriu ao Orçamento Fiscal da União crédito suplementar no valor de R$ 83.904.162,00 em favor da Presidência da República. A revogação (...) foi motivada para atender à necessidade de reavaliação das alocações orçamentárias no atual momento”.

R$ 270 milhões

foi quanto o governo gastou em publicidade neste ano, segundo a Associação Contas Abertas. R$ 40 milhões a mais que em 2019