Correio braziliense, n. 20837 , 10/06/2020. Política, p.2

 

Bolsonaro dispara contra a OMS

Ingrid Soares

Sarah Teófilo

Luiz Calcagno

Augusto Fernandes

10/06/2020

 

 

Presidente diz que autoridade sanitária está titubeando e que perdeu a credibilidade. Chefe do Executivo aproveita informação equivocada de uma das chefes da entidade para defender o fim do isolamento social

O presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar a Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo ele, a autoridade sanitária “perdeu a credibilidade”. O chefe do Executivo a caracterizou como uma organização que está “titubeando” e que “parece mais um partido político”.

“Não é à toa que o presidente americano (Donald Trump) deixou de contribuir para a OMS. O Brasil vai pensar nisso. Tão logo acabe esse problema da pandemia, a gente vai pensar seriamente se sai ou não, porque não transmite mais confiança para nós”, disparou. “Temos de ser realistas, nós sabemos que não tem comprovação de nada. Até a hidroxicloroquina não tem comprovação. A OMS voltou atrás, desaconselhou estudos e depois voltou atrás. A OMS é uma organização que está titubeando, parece mais um partido político.”

Bolsonaro se referiu à declaração, de segunda-feira, da chefe do programa de emergências da OMS, Maria van Kerkhove, de que pacientes assintomáticos teriam “raras” chances de transmissão da covid-19 — ontem, a organização retificou a informação e esclareceu que assintomáticos transmitem, sim o vírus (leia reportagem na página 16).

Na reunião ministerial de ontem, no Palácio da Alvorada, o presidente também reclamou de sinais trocados da organização. “A OMS, nas últimas semanas, tem tido algumas posições antagônicas. A penúltima, sobre a hidroxicloroquina, foi determinada a suspensão de pesquisa e, depois, voltou atrás. As pesquisas continuam no Brasil e não temos a comprovação científica ainda, mas relatos de pessoas infectadas, de médicos, e grande parte tem sido favorável ao uso da hidroxicloroquina com azitromicina”, ressaltou.

Ele disse esperar “algo de concreto nas próximas horas e dias” sobre a pesquisa. “Será muito bom. Não apenas para o Brasil, mas para o mundo todo. E também a OMS vai, com toda certeza, falar sobre as suas posições adotadas nos últimos meses, que levaram muita gente, em especial aqui no Brasil, a segui-la de forma quase que cega”, criticou. “Devemos, sim, seguir as orientações desses órgãos, mas o debate, o contraditório e, principalmente, o efeito colateral dessas medidas não poderão ser deixados de lado.”

O chefe do Executivo voltou a criticar o isolamento e enfatizou que, além das consequências econômicas, o confinamento contribui para o aumento dos casos de violência doméstica, abusos e depressão. “O que nós mais queremos é voltar à normalidade, e o país retornar ao caminho da prosperidade”, justificou. “Para reforçar, essa comunicação da OMS ontem (segunda-feira), de que o assintomático não transmite, vai abreviar essa política do ‘fique em casa’, do isolamento absoluto, até de lockdown, e vai ajudar para que os males não sejam maiores do que o efeito colateral do tratamento da pandemia.”

“Reforma”

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, também aproveitou a reunião para criticar a OMS, dizendo que falta à entidade “independência, transparência e coerência”. Ele ressaltou, ainda, que o Brasil está propondo, com um grupo de países, citando a Austrália e a União Europeia, a investigação e a reforma da organização.

Em vários aspectos, conforme Araújo, a OMS mudou de orientação. Ele citou como exemplos as informações sobre a origem do vírus, o contágio por humanos, o uso da hidroxicloroquina “e, agora, na transmissibilidade por assintomáticos”. “Em todos esses aspectos, a OMS foi e voltou, às vezes, mais de uma vez”, enfatizou. O ministro afirmou ser necessário examinar se “é uma questão de influência política, influência de atores não estatais da OMS” ou se “é uma questão de métodos de transparência”.

De acordo com o ministro, não é possível esperar o fim da pandemia para examinar a OMS. “Cada dia, as decisões, e esse vai e vem da OMS, prejudicam os esforços de todos os países”, protestou. “A OMS ora apoia, ora não apoia, de modo que, em grande, parte perdeu a sua credibilidade.”

Essa não é a primeira vez que a entidade é alvo de críticas dentro do governo. Na semana passada, o presidente disse que a organização atua “com viés ideológico”.

Frases

“Cada dia, as decisões, e esse vai e vem da OMS, prejudicam os esforços de todos os países”

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores

“A OMS é uma organização que está titubeando, parece mais um partido político”

Jair Bolsonaro, presidente da República

“Comunavírus”

Em abril, Ernesto Araújo publicou em seu blog um texto intitulado “chegou o comunavírus”, no qual falava em um “plano comunista” que ia aproveitar a pandemia para instaurar a ideologia por meio de órgãos internacionais. No texto, ele citou a OMS, dizendo que não há comprovação da efetividade da organização. O ministro afirmou ainda, na postagem, que o projeto “já se vinha executando por meio do climatismo ou alarmismo climático, da ideologia de gênero, do dogmatismo politicamente correto, do imigracionismo, do racialismo ou reorganização da sociedade pelo princípio da raça, do antinacionalismo, do cientificismo”.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Bem-comportada, reunião foca no vírus

Ingrid Soares

Luiz Calcagno

Sarah Teófilo

10/06/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro preparou uma reunião ministerial de tom profissional e objetivo, diferentemente da ocorrida em 22 de abril. Transmitido ao vivo, no encontro de ontem, no Palácio da Alvorada, xingamentos deram lugar a power points com apresentações positivas sobre o governo. A ensaiada mudança tem como objetivo reduzir os estragos, passar um ar de civilidade dos ocupantes da Esplanada e sinalizar à população que a equipe trabalha para combater a pandemia do novo coronavírus.

Prova disso é que os discursos foram restritos. Os ministros que mais causaram controvérsia na reunião de 22 de abril não se pronunciaram, como Abraham Weintraub, da Educação, e Ricardo Salles, do Meio Ambiente.

O encontro de 22 de abril foi marcado por palavrões e ataques a instituições. Weintraub, por exemplo, disse que, por ele, “botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF (Supremo Tribunal Federal)”. Após o vídeo vir a público, por determinação do ministro Celso de Mello, da Corte, o titular da Educação foi intimado a depor no inquérito das fake news, que está no Supremo.

Outro que provocou polêmica naquela reunião foi Salles. Ele afirmou que o governo deveria aproveitar o momento em que o foco da sociedade e da imprensa está no novo coronavírus para “ir passando a boiada” e realizar mudanças em regras e normas de proteção ao meio ambiente.

No encontro de ontem, Bolsonaro falou bem menos do que na reunião polêmica. Desta vez, ele não mencionou a Polícia Federal nem se referiu a nenhuma instituição. Questões relativas à segurança pública, no geral, ficaram fora da pauta. André Mendonça, ministro da Justiça, também não foi um dos 12 ministros a falar.

As diferenças não pararam por aí. Se o principal assunto do momento, a pandemia de coronavírus, não havia sido discutido, ontem, foi o tema-chave — e não apenas os efeitos econômicos, mas, também, relativas à saúde da população. Bolsonaro deu espaço para que o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, fizesse uma explanação de 40 minutos, mostrando que está preocupado com a transparência dos dados da covid-19. Houve até pedido de salva de palmas, por parte dele, para os profissionais de saúde (leia reportagem na página 5). 

Suposta interferência

A polêmica reunião de abril foi divulgada por determinação do ministro Celso de Mello, do STF. A gravação é apontada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro como prova das declarações que deu, ao sair do governo, de que Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal para proteger familiares e amigos. O vídeo integra o inquérito aberto para investigar as denúncias do ex-juiz.