Correio braziliense, n. 20835 , 08/06/2020. Brasil, p.5

 

Ministério da Saúde confunde e desinforma

Marina Barbosa

08/06/2020

 

 

Inicialmente, número divulgado de mortes pela covid-19 era de 1.382 em 24h. No 2º balanço, caiu vertiginosamente para 525. Assim, total acumulado de óbitos passou de 37.312 para 36.455. Casos registrados foram retificados de pouco mais de 685 mil para, aproximadamente, 691 mil

O Ministério da Saúde deu, ontem, nova demonstração de desorientação ao confundir a divugação dos números sobre mortos e casos do novo coronavírus no país. No primeiro balanço da pasta, a covid-19 tirara a vida de mais 1.382 pessoas, em 24 horas, elevando o número de óbitos para 37.312. Já o de casos informados eram 12.581, o que elevou o número global para 685.427 infectados. Mas, aproximadamente uma hora depois, a pasta apresentou novos números na página oficial reduzindo drasticamente o de vítimas para 525. Em relação aos atingidos pela doença, houve um salto para cima: no segundo balanço, apontava para 18.912 casos. Por esses novos resultados –– que não estão somados no site da pasta —, o Brasil tem 36.455 mortos e 691.758 registros de infecção.

Tamanha confusão deu mais força para as críticas à tentativa do governo federal de atrasar e maquiar os dados relativos à covid-19. Pressionado pelo Ministério Público Federal (MPF) a manter a transparência na divulgação das informações, que mostra o avanço do vírus e pode ajudar os brasileiros a escaparem dessa triste estatística, o ministério prometeu voltar a divulgar os dados diários e também o acumulado de casos e de mortes decorrentes da pandemia do novo coronavírus ainda nesta semana.

“O Ministério da Saúde está finalizando a adequação da divulgação e ferramentas de informação sobre casos e óbitos de covid-19. (...) O objetivo é que, nos próximos dias, estejam disponíveis em uma página interativa que possa trazer os resultados desejados pelo usuário. Assim, será possível acompanhar com maior precisão a dinâmica da doença no país e ajustar as ações do poder público diante a cada momento da resposta brasileira à doença”, justificou a nota.

Ainda assim, o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, terá que explicar à Justiça por que essa divulgação não foi feita com tanta transparência assim nos últimos dias. Na semana passada, o governo deixou de apresentar os números acumulados e a evolução da pandemia no país, atrasou a divulgação do boletim diário do coronavírus e chegou até a tirar temporariamente do ar o painel de acompanhamento da covid-19. Essa barreira criada em torno dos dados gerou críticas em todos os lados, tanto que a Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral do Ministério Público Federal (1CCR/MPF) instaurou um procedimento extrajudicial para apurar os motivos que levaram o Ministério a ocultar informações da população, e para cobrar transparência do governo.

A ação aberta no sábado pelo MPF estabeleceu prazo de 72 horas para Pazuello esclarecer a questão. E ainda há outras correndo na Justiça com o intuito de pressionar o governo a garantir a divulgação precisa dos dados. A Defensoria Pública da União (DPU), por exemplo, entrou com um pedido de liminar na Justiça Federal de São Paulo cobrando que o boletim diário do coronavírus seja apresentado integralmente até as 19h. E a expectativa do defensor João Paulo Dorini é de que a Justiça Federal decida sobre o assunto ainda nesta semana.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) também deve se debruçar sobre a questão, pois a oposição apresentou uma ação à Corte, ontem, acusando o governo de violar “preceitos fundamentais da Constituição Federal, sobretudo ao direito à vida e saúde do povo, bem como do dever de transparência da administração pública e do interesse público”.

Balanço

Apesar de ter prometido reverter a sensação de desinformação que vem promovendo, desde a semana passada, o Ministério não fez nenhum comentário sobre as ações judiciais. A pasta, embora tenha voltado a apresentar o consolidado dos casos e das mortes provocadas pela covid-19, também não divulgou esse balanço no horário que era de costume até a semana passada. O boletim diário só foi liberado quase às 21h, mesmo assim, com uma retificação aproximadamente uma hora depois. Ou seja, em um horário que ainda atende à orientação do presidente Jair Bolsonaro de deixar esses números de fora dos principais jornais da TV.

Seja qual for o número total correto de mortes –– 37.312 ou 36.455 ––, o Brasil ficou ainda mais perto do Reino Unido, que, atualmente, tem o segundo maior número de óbitos decorrentes da covid-19 no mundo: 40.625.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Duas fontes alternativas

Marina Barbosa

08/06/2020

 

 

A tentativa do governo de Jair Bolsonaro de dificultar o acesso aos dados sobre o avanço do coronavírus no país não surtiu efeito. É que, além de ter sido forçado a recuar, o Ministério da Saúde, agora, vai ter que conviver com fontes alternativas de acompanhamento do número de pacientes e de mortes causadas pela pandemia no país.

São duas as novas fontes de informação sobre o coronavírus que prometem revelar se os dados apresentados pelo governo, de fato, condizem com a realidade: o Painel Conass, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass); e o Dados Transparentes — Informação por Todos os Lados, que foi criado pelo ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo — o número dois da pasta na gestão Mandetta.

Ambas plataformas foram lançadas na noite de ontem e estão disponíveis gratuitamente na internet. As duas trazem todos os dados que, nos últimos dias, foram ocultados pelo governo: o registro diário de novos infectados e de novas mortes; a curva de evolução desses casos desde março; a divisão regional dessas informações; e a taxa de letalidade de cada estado brasileiro. E ainda prometem atualizá-los antes do Executivo. O Painel Conass pretende publicar o boletim diário até as 18h e Gabbardo promete atualização de hora em hora do Dados Transparentes.

“Nós usamos os balanços das secretarias estaduais da saúde, que sempre foram a fonte primária de dados do Ministério da Saúde. Vamos continuar repassando essas informações à pasta. Mas, quando recebermos isso às 16h, também vamos processar a informação, validar em gráficos e publicá-las. Afinal, esses dados não são dos estados, nem do ministério. São dados que pertencem ao povo brasileiro”, explicou o presidente do Conass, Alberto Beltrame. Segundo ele, as informações são importantes para a conscientização da população e também para o planejamento de políticas públicas de enfrentamento à covid-19 nos estados e nos municípios.

Ontem, contudo, havia certa divergência entre os dados, o que acabou corroborando a confusão gerada pelo Ministério da Saúde. O Dados Transparentes apresentava um acumulado de 690.928 casos e 36.437 mortes. Já o Painel Conass, que considerava os casos até às 18h, contabilizava 680.456 infectados e 36.151 óbitos.

OMS

Além disso, a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) informou ontem que vai continuar apresentado o balanço consolidado de infectados e de mortos pela covid-19 no Brasil. No seu boletim diário sobre o novo coronavírus, a OMS explicou que vai somar diariamente os novos casos e as novas mortes confirmadas no país com o último dado consolidado do governo, que foi apresentado na última quinta-feira.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Declaração infeliz faz Wizard desistir

Fábio Grecchi

08/06/2020

 

 

O empresário Carlos Wizard Martins nem entrou no Ministério da Saúde e está fora. A razão foi a declaração que deu, na última sexta-feira, de que a pasta revisaria os dados de contaminados e mortos pelo novo coronavírus, com base em uma suspeita de que os estados estariam “inflando” os números. A observação que fez gerou várias reações negativas ao longo de todo o fim de semana, dentro e fora do governo. Ontem, ele decidiu que não mais assumiria a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos.

Em nota, agradeceu ao ministro interino Eduardo Pazuello e admitiu que errou no comentário. “Peço desculpas por qualquer ato ou declaração de minha autoria que tenha sido interpretada como desrespeito aos familiares das vítimas da covid-19 ou profissionais de saúde que assumiram a nobre missão de salvar vidas”. Wizard fez a observação no mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro reconheceu que mandara atrasar a divulgação dos dados, do Ministério da Saúde, sobre os mortos e contaminados pelo novo coronavírus, para atrapalhar o noticiário noturno das TVs abertas — “acabou matéria no Jornal Nacional”, comemorou junto aos apoiadores, na entrada do Palácio da Alvorada.

Wizard estava informalmente na equipe de Pazuello, a quem conheceu na Operação Acolhida, em Roraima, de recebimento de refugiados venezuelanos, em 2018. Rumores também davam conta, ainda, de que o empresário seria “preparado” para assumir o lugar de Abrahan Weintraub no Ministério da Educação.

A desastrosa declaração de Wizard não apenas colocou em dúvida os números de mortos e contaminados pela covid-19, como deu a entender que havia uma pressão dos governadores contra o Palácio do Planalto pela obtenção de recursos contra o estrangulamento econômico provocado pela pandemia. Segundo o empresário, “tinha muita gente morrendo por outras causas e os gestores públicos, puramente por interesse de ter um orçamento maior nos seus municípios, nos seus estados, colocavam todo mundo como covid”, disse, de acordo com o blog da jornalista Bela Megale, de O Globo.

A reação mais forte ao comentário foi do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, que reúne os gestores dos 26 estados e do Distrito Federal. No sábado, o órgão divulgou nota repudiando as afirmações de Wizard. Assinada pelo presidente do órgão, Alberto Beltrame, classificou a declaração de leviana e disse que empresário “além de revelar sua profunda ignorância sobre o tema, insulta a memória de todas aquelas vítimas indefesas desta terrível pandemia e suas famílias”. Beltrame ainda tachou a acusação de “grosseira, falaciosa, desprovida de qualquer senso ético, de humanidade e de respeito”.

Conversão

Wizard é um recém-convertido ao bolsonarismo. Até quase dois meses atrás, tecia elogios a João Doria, inimigo figadal do presidente Jair Bolsonaro. Em 11 de abril, mostrou alinhamento ao compartilhar um tuíte do governador de São Paulo: “Não é hora de amadorismo. Não será um mês de isolamento a comprometer a economia, mas uma série de medidas anteriores e posteriores. Precisamos ser conscientes e responsáveis com a vida dos brasileiros. Viva o Brasil!”,  escreveu, em clara crítica ao governo federal.

Sobre a crise sanitária, tuitou em 13 de abril. “O Brasil precisa de um gestor como o governador de São Paulo, João Doria”. Mais: “Ora, se você tem uma questão jurídica, você procura um advogado. Se você tem uma questão médica, você procura um médico e não uma série de achismo. É hora da ciência! O Brasil precisa de um gestor”, criticou, aludindo a Bolsonaro, que pressionava Luiz Henrique Mandetta a aceitar as determinações do Palácio do Planalto. O então ministro da Saúde demitiu-se três dias depois do tuíte de Wizard.

Frase

"Além de revelar sua profunda ignorância sobre o tema, insulta a memória de todas aquelas vítimas indefesas desta terrível pandemia e suas famílias”

Trecho da nota do Conass em resposta à insinuação do empresário de que governos e municípios manipulavam o número de vítimas da covid-19