Correio braziliense, n. 20833 , 06/06/2020. Brasil, p.14

 

Para Trump, Brasil é mau exemplo

06/06/2020

 

 

CORONAVíRUS » Depois da proibição da entrada de estrangeiros saídos daqui, presidente americano ignora a quantidade de casos e mortes nos Estados Unidos e volta a apontar o país como prova daquilo que não se deve fazer na luta contra a pandemia da covid-19

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apontou, ontem, o Brasil como um exemplo a não ser seguido no combate à pandemia do novo coronavírus. Ao comentar a situação daqui, ainda indicou ser um erro tomar a Suécia como parâmetro, conforme citou o presidente Jair Bolsonaro algumas vezes.

"Se você olha para o Brasil, eles estão num momento bem difícil. E, a propósito, eles falam muito da Suécia. Isso voltou a assombrar a Suécia. A Suécia está tendo um momento terrível. Se tivéssemos agido assim, teríamos perdido 1 milhão, 1,5 milhão, talvez 2,5 milhões ou até mais", afirmou Trump. Dos países nórdicos, a Suécia é o que apresenta os piores números relacionados à doença.

Apesar de os EUA serem o país mais atingido pela pandemia, com cerca de 108 mil das 390 mil mortes já causadas pela doença e primeiro na lista de óbitos em todo o mundo, em números absolutos, o presidente americano enxergou a situação de outra maneira.
"Fechamos nosso país. Salvamos, possivelmente, 2 milhões, 2,5 milhões de vidas. Poderia ser só um milhão de vidas, acho que não menos que isso. Mas se considerarmos que estamos em 105 mil hoje em dia, o número de vítimas seria pelo menos 10 vezes maior. É o que se acredita como mínimo se fizéssemos (imunidade de) rebanho", comentou, acrescentando que o pior da pandemia ficou para trás, no momento em que a doença causa estragos na América Latina, principalmente no Brasil, terceiro país em número de mortos.

Restrições
Não é a primeira vez que Trump aponta o país como um problema para a comunidade internacional –– e principalmente a americana –– nesses tempos de pandemia. Em 24 de maio passado, os EUA anunciaram a proibição da entrada de estrangeiros vindos do Brasil em seu território. A medida tornou-se válida para viajantes que não são americanos e foi tomada após a disparada de casos por aqui. "O potencial de transmissão não detectada do vírus por indivíduos infectados que tentam entrar nos Estados Unidos oriundos do Brasil ameaçam a segurança do nosso sistema de transporte e infraestrutura e a segurança nacional", afirma o texto, assinado pelo presidente americano, que, no final de abril, cogitara restringir voos saindo ou que passassem pelos nossos aeroportos.

A América Latina encontra-se em seu pior momento, desde o início da disseminação da covid-19, com cifras alarmantes sobretudo no Brasil, Chile, México e Peru, entre outros países. "Nada indica que a curva (da mortalidade) diminuirá" no curto prazo no Brasil, alertou o presidente da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICR), Francesco Roca. À medida que a pandemia avança, as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos (OEA) alertaram para o "sério risco" para os indígenas da Amazônia, lar de 420 povos originários, 60 deles em isolamento voluntário.

O Brasil vem se destacando negativamente ante a comunidade internacional por não ter aplicado nenhuma política contra o vírus em nível nacional e estar diante da reabertura das atividades, no exato instante que a curva das mortes se acentua para cima. As medidas de confinamento decretadas por alguns estados e municípios foram consideradas menos rigorosas do que na maioria dos países europeus.

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Bolsonaro manda atrasar divulgação

Renato Souza

06/06/2020

 

 

Incomodado com a cobertura dos jornais diários da TV aberta, que atualizam o número de mortos e casos da covid-19 no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro determinou que os boletins do Ministério da Saúde sobre a pandemia do novo coronavírus seja divulgados somente a partir das 22h. De acordo com uma fonte no alto escalão do governo, a decisão é permanente e contraria tudo o que vinha sendo feito até então pelo Ministério da Saúde.

Bolsonaro vinha tentando fazer isso desde os tempos de Luiz Henrique Mandetta à frente da pasta, que se recusou a acatar a ordem alegando que geraria forte impacto na resposta ao avanço da doença. A estratégia do presidente é evitar que os dados estejam disponíveis no horário dos telejornais noturnos, período em que as redes de TV têm maior audiência. Mesmo sem anúncio oficial, a ordem foi dada para que os dados sejam enviados à imprensa apenas no final da noite, mesmo estando prontos desde as 19h.

Ontem, na chegada ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro não escondeu a intenção do atraso: "Acabou a matéria no Jornal Nacional", provocou.

Na noite da última quinta-feira, o Jornal Nacional, por meio dos apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos, anunciou que atualizará o número de casos e mortes a partir dos dados divulgados pelas Secretarias Estaduais de Saúde. Segundo o principal noticioso da Rede Globo, os dados oficiais do Ministério da Saúde entrarão "quando forem divulgados a tempo".

Reações
O atraso na divulgação provocou irritação e perplexidade. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou, ontem, que a publicação dos dados sobre o avanço da pandemia é uma questão de saúde pública. Pelas redes sociais, o magistrado criticou a decisão tomada por Bolsonaro. "Na pandemia, a divulgação de dados oficiais envolve, além do dever de prestar contas, uma questão de saúde pública", escreveu Gilmar, numa rede social.

Ainda de acordo com o ministro, as informações devem estar abertas aos veículos de comunicação de forma ordenada, para auxiliar no combate ao coronavírus. "Dados do Ministério da Saúde são fundamentais às respostas à covid-19 e devem estar abertos ao público, aos gestores e, portanto, à imprensa de forma consistente e ordenada", completou Gilmar.

Outra que se manifestou contrariamente ao atraso na divulgação foi Adriana Araújo, âncora do Jornal da Record. "É uma questão de saúde pública saber o que está acontecendo no Brasil agora. É muito importante para todos nós", disparou a jornalista, em sua conta nas redes sociais.

O ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, também se manifestou contra o atraso: "Com as novas dificuldades para divulgar dados nacionais de infectados, curados e óbitos da covid-19, as instituições devem ajudar. Cogito propor ao @TCUoficial e aos tribunais de contas estaduais que requisitemos e consolidemos dados estaduais para divulgação diária até 18h".

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35.026 mortes e site é retirado do ar

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

06/06/2020

 

 

Se por um lado o governo federal mostra falta de coordenação para emitir uma resposta unificada no enfrentamento à covid-19, o oposto acontece ao se falar em atualização de informação. Após o presidente Jair Bolsonaro ordenar a divulgação dos dados diários depois das 22h, a fim de atrapalhar a rotina dos noticiários, agora o Ministério da Saúde não fornece mais o acumulado de casos e mortes, dificultando ainda mais a transmissão da informação pela imprensa e a elaboração de estudos para auxiliar nas políticas públicas. Enquanto isso, um brasileiro continua morrendo a cada minuto, só que fica ainda mais no anonimato. Ontem, o Brasil chegou a 35.026 vidas perdidas pelo novo coronavírus e mais de 645.771 mil infectados.

Foi o terceiro dia consecutivo que o Ministério da Saúde atrasou a divulgação do boletim epidemiológico, que antes saía às 19h. Os dados só foram divulgados às 21h41. Além disso, o site covid.saude.gov.br, no qual internautas podiam encontrar os dados completos, está fora do ar. Ao entrar, o interessado encontra a mensagem: "Portal em manutenção". A surpresa veio, também, para os técnicos do Ministério da Saúde, que, por orientação do ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, retiraram o site do ar.

"É para pegar o dado mais consolidado e tem que divulgar os mortos no dia. Por exemplo, ontem, praticamente dois terços dos mortos eram de dias anteriores, dos mais variados possíveis. Tem que divulgar o do dia. O resto consolida para trás", disse o presidente Jair Bolsonaro, na noite de ontem. Por isso, apenas os dados do dia foram dados, o que pode interferir na divulgação do montante real, pois os números dos dias anteriores podem ser suprimidos, e dados atrasados ficarem de fora.

Crescimento
O Brasil ultrapassou o número de fatalidades da Itália, que, até a última atualização, tinha 33.774 registros, uma diferença de 1.252 mortes do montante brasileiro.
São Paulo, epicentro da doença, tem registro de infecção em 549 dos 645 municípios, sendo que 8.842 pessoas já morreram pela doença. Além disso, o estado tem 134.565 casos da doença. As taxas de ocupação dos leitos de UTI está em 80,5% na Grande São Paulo e 71% no estado. O número de pacientes internados é de 12.231, sendo 7.700 em enfermaria e 4.531 em unidades de terapia intensiva.

Após dois dias seguidos com mais de 300 mortes por dia, no Rio de Janeiro houve queda ontem, com 146 óbitos. Em segundo lugar no país com mais mortes e casos pela covid-19, o estado tem 6.473 mortes e 63.066 casos.

Superando a barreira de mil mortes junto com o Rio e São Paulo, o Brasil tem mais cinco estados: Ceará (3.890), Pará (3.538), Pernambuco (3.205), Amazonas (2.199) e Maranhão (1.095). Juntos com os dois líderes do ranking, somam 29.242 óbitos, ou seja, 83,4% de todas as mortes já confirmadas. Apenas três estados têm menos de cem mortes cada: Tocantins (89), Mato Grosso (88) e Mato Grosso do Sul (21).

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A exemplo dos EUA, desejo de sair da OMS

06/06/2020

 

 

Repetindo Donald Trump, Jair Bolsonaro afirmou, ontem, que o Brasil pode deixar a Organização Mundial de Saúde caso o organismo internacional mantenha uma atuação "partidária". O presidente, que tem contrariado orientações da OMS sobre o combate à pandemia do coronavírus, afirmou que "não precisa de gente lá fora dando palpite na saúde aqui dentro". "Ou a OMS deixa de ser uma organização política, partidária até, vou assim dizer, partidária, ou nós estudamos sair de lá", afirmou Bolsonaro em entrevista em frente ao Palácio da Alvorada. Os Estados Unidos romperam relações com a entidade, no mês passado, com o argumento de que o órgão internacional foi "pressionado" pela China para dar "direcionamentos errados" ao mundo sobre o novo coronavírus, causador da covid-19. Trump é tido pelo governo brasileiro como principal aliado no cenário político internacional.