Correio braziliense, n. 20831 , 04/06/2020. Brasil, p.10

 

País bate novo recorde de mortes por covid-19

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

04/06/2020

 

 

Em apenas 24 horas, foram registrados 1.349 óbitos. Disseminação da doença e baixa capacidade de identificar os principais focos levam o Brasil a ser escolhido para teste de vacina. Dois mil voluntários soronegativos deverão participar do estudo da Universidade de Oxford

Brasil registra 1.349 mortes por coronavírus e bate novo recorde diário, totalizando 32.548 óbitos. Em apenas 24 horas, foram contabilizados mais 28.633 casos de covid-19, chegando a 584.016 confirmações. Sem capacidade para controlar a disseminação do novo coronavírus, que, desenfreado, avança no processo de interiorização, o país se agarra a uma nova oportunidade: ser o primeiro país “de fora” a testar a vacina contra a doença desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Os estudos começam este mês e, para isso, dois mil voluntários soronegativos para a covid-19 serão selecionados, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Das mais de 70 vacinas em desenvolvimento em todo o mundo, é a que se encontra em estágio mais avançado.

Para realizar os testes, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) precisou publicar uma autorização. Em São Paulo, o Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) conduzirá as avaliações, que contarão com o apoio do Ministério da Saúde. Segundo Dra. Lily Yin Weckx, investigadora principal do estudo e coordenadora do CRIE-Unifesp, “o mais importante é realizar essa etapa do estudo agora, quando a curva epidemiológica ainda é ascendente e os resultados poderão ser mais assertivos.”

O país foi escolhido justamente pela grande quantidade de casos e a baixa capacidade de mapear as áreas centrais de infecção para restringir a disseminação da covid-19. Isso porque o objetivo é conseguir avaliar a resposta da vacina quando se pressupõe que a população já está exposta ao vírus.

O prazo para observar os resultados de uma vacina normalmente variam entre um ano e um ano e meio. Neste caso, o tempo estipulado foi de dois meses, por se tratar de uma situação emergencial. Para isso, a Unifesp busca mil voluntários que estejam na linha de frente do combate à covid-19. Esses voluntários não podem, no entanto, ter contraído a doença anteriormente. Outras mil pessoas farão parte do teste no Rio de Janeiro.

 Apesar de todos receberem uma vacina, apenas em metade conterá a imunização contra o novo coronavírus. A técnica que separa os participantes em grupo controle e grupo teste é chamado de estudo randomizado, usado para validar experimentos científicos. O esperado é que, antes de ser exposto à covid-19, quem recebeu a vacina já tenha produzido anticorpos e seja capaz de combater a doença.

 De acordo com os cientistas de Oxford, a glicoproteína “de pico” do novo coronavírus foi adicionada ao material genético de uma versão enfraquecida do vírus de resfriado retirado do chimpanzé. A vacina foi testada primeiramente em um grupo de macacos. Após 28 dias, todos haviam desenvolvido anticorpos e, ao serem expostos a altas doses do vírus, os estudiosos observaram a capacidade de não provocar danos aos pulmões e maior dificuldade do vírus de criar cópias de si mesmo.

 Dentre os mais de 70 imunizantes em desenvolvimento atualmente em todo o mundo, este é considerado o mais avançado e está entre os mais promissores. Parte disso porque a vacina desenvolvida por Oxford já era objeto de estudo para imunização contra Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), também causadas por coronavírus.

Fase 3

Na Inglaterra, os testes já foram feitos em humanos para avaliar a segurança da vacina e os resultados mostraram que o perfil de segurança do medicamento foi aceitável. A nova etapa de testes, chamada de fase três, pretende determinar a segurança, a eficácia e a imunogenicidade da vacina. “A gente chama estudo de fase três porque é a fase final, é um confirmatório, último conduzido antes da aprovação de um registro para que uma vacina possa ser disponibilizada no mercado”, explica o gerente geral de medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Gustavo Mendes.

 Outros países buscam a autorização para testar a vacina, mas a participação ainda está em análise. No Brasil, o estudo contará com a ajuda da Fundação Lemann para o custeio da infraestrutura médica e dos equipamentos necessários para a realização dos testes. Os resultados dessa fase são essenciais para o registro da vacina no Reino Unido.

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Médico defende tratamento precoce

Maíra Nunes

04/06/2020

 

 

“Nem toda morte será evitada, mas, com os conhecimentos que temos hoje, deixar o paciente com sintomas em casa, esperando agravar para depois medicar, é um equívoco grave”, defende Edimilson Migowski, pesquisador e infectologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em entrevista ao programa CB.Poder, parceria do Correio e da TV Brasília, ele sustenta sua tese com base na observação de um grupo com mais de 250 pacientes tratados com nitazoxanida. Nenhum paciente morreu.

 “Se deixasse esses pacientes evoluírem de uma forma natural, sem medicar, teria em torno de 8% a 10% de morte”, arrisca o médico, pois, de acordo com ele, no grupo observado, também há pacientes considerados de risco. “Eu não tive pacientes graves, porque os tratei desde o início”, ressalta. Na avaliação do infectologista, atualmente, o sistema de saúde brasileiro investe muito na consequência dos danos do vírus e não na fase inicial, que seria o ponto crucial para evitar a evolução até o estágio mais grave.

 Substância usada no tratamento pelo médico, a nitazoxanida é utilizada em testes liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na corrida por um medicamento que combata o novo coronavírus. O pesquisador destaca, ainda, o fator positivo de ser um remédio vendido no Brasil apenas com receita médica, pelas especificidades de cada paciente.

 A nitazoxanida também é defendida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, que mudou o protocolo para testes de medicamentos para a covid-19. O protocolo passou a promover testagem logo entre as primeiras 24h e 48h, após iniciados os sintomas; antes, eram aplicados somente em pacientes graves. “Agora, esse protocolo vai provar que essa medida é inteligente e evitará as formas graves da doença”, defende Migowski. E acrescenta: “tem vários medicamentos sendo usados com sucesso. A própria hidroxicloroquina, que vem sendo administrada por alguns, mas que não é a minha experiência”.

Demora no resultado

O exame realizado no início da manifestação dos sintomas da covid-19 demora para dar o resultado e não tem uma alta precisão. “Portanto, não é possível se basear nesse teste para começar a medicação, além de ter dado o resultado de fals negativo em 29% das pessoas que estavam infectadas”, atesta o infectologista. “Se o tratamento precoce for feito de forma eficiente, mesmo que em uma ‘meia dúzia’ de leitos de UTI em cada cidade, provavelmente será suficiente para atender a esses casos que venham a agravar, a despeito de uma boa medicação feita logo no início dos sintomas.”

Para que essa estratégia seja eficiente, é fundamental orientar a população sobre os sintomas da doença. O paciente infectado pode sentir dor de cabeça, dor de garganta, perda de olfato e paladar, boca amarga, dor abdominal, diarreia, vômito, náuseas, prisão de ventre, dores fortes no quadril, sensação de febre e muita preguiça. “Pelo fato de os sintomas serem variados, toda e qualquer manifestação clínica, em conjunto, pode ser rotulada para o tratamento”, explica Migowski.