O globo, n. 31677, 29/04/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Mortos no pais passam de 5 mil

Renato Grandelle

29/04/2020

 

 

Ministro reconhece agravamento da epidemia; Bolsonaro pergunta: ‘e dai?’

Com o maior número de registros de óbitos por Covid-19 em um único dia — 474 —, o Brasil chegou ontem à marca de 5 mil mortos pela doença, ultrapassando o total de vítimas fatais da China, onde a pandemia começou, e está na nona posição entre os países mais afetados.

Segundo o último balanço do Ministério da Saúde, o Brasil já teve 5.017 mortes, contra 4.637 na nação asiática. Aqui, o número de óbitos cresceu 10,4% entre segunda e ontem, e a quantidade de pessoas diagnosticadas com o novo coronavírus subiu para 71.886, ou 8,1% a mais do que no dia anterior (66.501).

O ministro da Saúde, Nelson Teich, reconheceu, em entrevista coletiva, que há um “agravamento” da doença no país:

— É um número que vem crescendo, alguns dias atrás eu coloquei que isso poderia ser um acúmulo de acaso de dias anteriores que foi resgatado, mas, como a gente tem a manutenção de números elevados e crescentes, a gente tem que abordar isso como uma curva que vem crescendo, um agravamento da situação.

Já o presidente Jair Bolsonaro, ao ser informado por um repórter, na portaria do Palácio da Alvorada, que o Brasil havia passado a China em número de mortos, perguntou o que o jornalista queria que ele fizesse a respeito:

— E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre —afirmou, referindo-se ao seu sobrenome.

Momentos depois, o presidente disse se solidarizar com as famílias das vítimas:

—Mas é a vida. Amanhã vou eu. Logicamente, a gente quer ter uma morte digna e deixar uma boa história para trás.

As nações que registram maior número de óbitos são Estados Unidos, Itália, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica, Alemanha e Irã. O Brasil é o seguinte no ranking, mas especialistas acreditam que o país pode chegar a dez mil óbitos já na segunda quinzena de maio, deixando pelo menos três nações para trás.

— A epidemia está caminhando. Foi da Ásia para a Europa e, agora, chegou às Américas. Sabemos que o país ultrapassará, em poucas semanas, o número de óbitos de países como Bélgica, Alemanha e Irã, onde há cada vez menos casos —explica o epidemiologista Roberto Medronho, coordenador do grupo de trabalho sobre Coronavírus da UFRJ. — O Brasil soube se preparar melhor do que Itália e Espanha, que registraram explosão de ocorrências por demorarem a implementar políticas de isolamento social. Mas nossos governantes estão cada vez mais pressionados para relaxar essas medidas, justamente no período em que o avanço da epidemia será mais veloz.

O Brasil demorou 35 dias para ultrapassar a marca de 5 mil óbitos por coronavírus. No período equivalente em seus territórios, a Espanha já contava com 18,9 mil vítimas fatais, e a Itália, com 15,9 mil. Os EUA, por sua vez, já haviam registrado 37 mil mortes. (Veja mais no quadro acima.)

PICO EM MAIO

Para Medronho, ainda é arriscado calcular quando a epidemia do coronavírus chegará ao pico no país. Muitos cenários estatísticos apontam para a segunda quinzena de maio. No entanto, alerta o epidemiologista, é preciso levar em conta os cenários locais. Estados do Norte, como o Amazonas, já atingiram o colapso do seu sistema de saúde, e no Sudeste outros estão apertando o cerco à doença —caso do Rio, que inaugurou recentemente hospitais de campanha. Já a Região Sul ainda não constatou taxas elevadas de infecções.

O epidemiologista adverte que a subnotificação de casos no Brasil é consideravelmente mais alta do que em outros países que registraram muitos casos de Covid-19. A doença, nos primeiros meses do ano, pode ter sido confundida no atendimento médico por casos de insuficiência respiratória.

Pesquisador do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp, Benilton de Sá Carvalho avalia que o Brasil alcançará o teto de ocorrências entre o final de maio e início de junho. Ainda assim, dali até o fim da pandemia, há uma longa e desastrosa trajetória.

— Provavelmente chegaremos ao final do maio com mais de dez mil óbitos, mas isso é só metade da história. Segundo o padrão que vimo sem outros países, acurva der edução d oscas ostende a ser simétrica à do aumento. Ou seja, o coronavírus pode provocar mais de 20 mil mortes no Brasil.

Eliseu Alves Waldman, epidemiologista e especialista em saúde coletiva da USP, estima que o aumento médio da taxa de letalidade da Covid-19 no país seja de 6,5%. Esse índice tende acrescer para 8% a 10% na periferia das grandes cidades e em regiões onde o sistema de saúde já não consegue atendera todos os pacientes, como Manaus e Fortaleza.

— O número de pessoas circulando por bairros da elite e da classe média diminuiu radicalmente devido às campanhas de isolamento social. Mas o mesmo resultado não foi obtido entre os mais pobres, cujo modo de subsistência depende mais dos serviços —explica.

A diferente reação das classes sociais e de regiões do país à pandemia explicaria por que o Brasil está tendo mais dificuldades em conter o número de óbitos do que a China.

— Wuhan, o epicentro da epidemia, sofreu medidas mais restritivas, como o “lockdown”. Havia drones vigiando as ruas para denunciar quem violava a quarentena. Aqui, realizamos apenas medidas de isolamento social — compara Wadman.

—Países como China, Alemanha e Portugal conseguiram limitar o avanço do coronavírus com um discurso homogêneo do poder público. Não vemos isso aqui ou nos Estados Unidos, onde cada estado investe em uma ação.

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Teich não revela plano para conter avanço da doença

Renata Mariz

29/04/2020

 

 

Coletiva do ministro restringe perguntas de jornalistas a quatro e não dá detalhes sobre como o governo pretende driblar dificuldades 

 

PABLO JACOBLentidão. Ministro afirmou que está se “aproximando” dos governadores

 No dia em que o país teve novo recorde no registro de mortes e ultrapassou a marca de 5 mil vítimas fatais de Covid-19, o ministro Nelson Teich e sua equipe chamaram uma coletiva de imprensa em cima da hora, já no início da noite, com restrição de perguntas dos jornalistas. A maioria ficou sem resposta. Não chegou a haver recusa expressa em responder às quatro questões permitidas, mas faltaram detalhes sobre como o governo pretende driblar as dificuldades já conhecidas: escassez de respiradores e de insumos para exames, incertezas sobre a eficácia dos testes rápidos e necessidade de recursos humanos com os devidos equipamentos de proteção individual.

Por um lado, Teich reconheceu um “agravamento da situação” diante da curva crescente de casos e mortes que não abre espaço para interpretações. Por outro, transpareceu uma certa passividade que não combina com o senso de urgência da pandemia, ao relatar, por exemplo, que está se “aproximando” dos governadores para tratar do enfrentamento à Covid-19.

O formato de comunicação adotado por seu antecessor, Luiz Henrique Mandetta, também tinha problemas, com excesso de frases de efeito e um tanto de retórica. No entanto, era possível conhecer os planos, e também a falta deles, além da possibilidade de problematizá-los a partir das explanações dos técnicos. Agora, nem Wanderson Oliveira, remanescente da gestão Mandetta, e que trocou o colete do SUS pelo terno e gravata, consegue transmitir informação com algum detalhe sobre os próximos passos. Explicações aprofundadas de outrora deram lugar a uma fala visivelmente mais calculada. Sobre regras de contenção social, Teich também pouco falou. Disse o óbvio: que o Brasil é grande, que modelos devem ser customizados para cada realidade, mas não apresentou o que propõe. Poderia até alegar que ele está há apenas 12 dias no cargo, mas, com as centenas de mortes diárias pelo novo coronavírus, o tempo não é um aliado do ministro.