O globo, n. 31681, 03/05/2020. Especial Coronavírus, p. 16

 

Primeiro Passo

Andrea Torrente

03/05/2020

 

 

Primeira etapa do inquérito que investiga o presidente Jair Bolsonaro e Sergio Moro a partir das acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça em sua saída do governo, o depoimento do ex-juiz durou toda a tarde e avançou pela noite de ontem, na superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba. Moro falou a delegados da PF e a procuradores designados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O ex-ministro havia dito que apresentaria à Justiça provas de interferência do presidente na PF. Pela manhã, Bolsonaro chamou o ex-ministro de “Judas” na redes sociais. O depoimento de Moro foi determinado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, que supervisiona as investigações. O inquérito aberto pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, investiga o teor do discurso de Moro ao se despedir do cargo de ministro da Justiça, no dia 24 de abril, quando acusou Bolsonaro de tentar interferir indevidamente na PF.

O objetivo da investigação é apontar se Bolsonaro cometeu crime ao interferir nas atividades da PF, como disse Moro, e também se o ex ministro disse a verdade ou acusou o presidente sem fundamentação em seu discurso. Aras informou ao Supremo que há suspeita de cometimento de sete crimes: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada e denunciação caluniosa.

A PGR pediu que, no depoimento, Moro apresentasse “manifestação detalhada sobre os termos do pronunciamento, coma exibição de documentação idônea que eventualmente possua acerca dos eventos em questão”. Em entrevista à revista “Veja”, o ex-ministro afirmou que apresentaria provas para embasar suas acusações.

Tanto apoiadores de Bolsonaro quanto de Moro se concentraram ontem na entrada da sede da superintendência em Curitiba. Eles seguravam cartazes e gritavam palavras de ordem.

AGRESSÕES

A espera do ex-ministro para depor gerou um clima de tensão. Um cinegrafista da RIC TV, afiliada da Record no Paraná, foi agredido por um suposto militante bolsonarista. O homem se aproximou do jornalista o ameaçando com a haste de uma bandeira do Brasil e tentando empurrar o equipamento no chão. O agressor foi afastado pelos policiais e hostilizado pelos demais manifestantes pró-Bolsonaro que o acusaram de ser um infiltrado. O servidor público Álvaro Faria também foi hostilizado pelos manifestantes e foi escoltado para longe do local pela Polícia Militar. Sozinho, ele vestia uma camiseta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aguardava a chegada de Moro. Cerca de 50 representantes do grupo “Acampamento com Bolsonaro” estacionaram um carro de som e gritavam palavras de ordem contra Moro e o STF. — Estamos em luto porque (Moro) saiu da pior forma possível — afirmou uma apoiadora do presidente no carro de som.

Outro grupo, menor, segurava um cartaz em apoio a Moro e ao coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol. — Pessoas que ficam gritando traidor não perderam 22 anos de juiz por promessas de um político de falsa carreira. Por que estão tão nervosos e com tanto medo? Se não deve nada não precisa ficar nervoso — afirmou Marcos Silva, coordenador do grupo “Amigos da Lava-Jato”. Horas antes do depoimento, Bolsonaro se referiu a Moro como “Judas” em seus perfis nas redes sociais e insinuou que ele pode ter interferido em um inquérito que investiga o atentado realizado por Adélio Bispo durante a eleição. Bolsonaro compartilhou em sua conta no Facebook um vídeo em que uma pessoa defende que Adélio Bispo de Oliveira, que esfaqueou Bolsonaro, não agiu sozinho.

“Os mandantes estão em Brasília? O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse?”, escreveu o presidente, em referência ao depoimento. Ministros militares e também integrantes das Forças Armadas se incomodaram com a rapidez do STF em determinar a oitiva de Moro. Em ligações telefônicas, na manhã de ontem, a cúpula militar demonstrou irritação com a decisão de Celso de Mello de logo convocar Moro para depor. Nas conversas, lembraram exemplos de processos de políticos conhecidos que tramitam há anos no STF à espera de julgamento.

Em nota, a PF informou que o depoimento de Moro aconteceu na superintendência de Curitiba porque o ex-ministro mora na capital paranaense e ressaltou que todos os procedimentos seguem as determinações do ministro Celso de Mello. “A equipe de policiais federais que dá cumprimento à ordem, assim como a presença de membros da Procuradoria Geral da República, também foi definida na própria decisão do eminente ministro”, diz o texto.

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Governo avalia nomear secretário de Ramagem na PF

Bela Megale

03/05/2020

 

 

Delegado Rolando Souza ocuparia o comando da polícia enquanto Bolsonaro tenta reverter decisão que barrou diretor da Abin

Com a nomeação do diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, para o comando da Polícia Federal (PF) barrada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o governo já avalia indicar outra pessoa para ocupar o posto. Segundo informações que chegaram à PF, o nome do delegado Rolando Alexandre Souza, atualmente secretário de Planejamento da Abin, é defendido pelo próprio Ramagem para assumir o cargo.

O presidente Jair Bolsonaro já declarou considerar que a decisão de Moraes foi uma intervenção indevida em seu governo e que pretende recorrer e insistir na nomeação de Ramagem. A ideia do governo é que o novo diretor só passe alguns meses no comando do órgão, até que seja encontrada uma forma de emplacar o escolhido do presidente de vez no posto, apesar de não haver definição sobre como isso seria feito.

Outro problema é que os demais cotados para o cargo não têm mostrado disposição em assumir apenas um mandato tampão. Segundo integrantes do governo, a palavra de Ramagem será decisiva na escolha do novo diretor-geral. Foi ele próprio quem levou Rolando Souza para integrar sua equipe na agência de inteligência. Quando se preparava para assumir a direção geral da PF, Ramagem também escolheria Souza para integrar o núcleo duro de sua equipe, como diretor de logística. Integrantes da PF sentem desconforto com o cenário e temem que a instituição sofra uma descontinuidade de hierarquia.