O globo, n. 31682, 04/05/2020. Especial Coronavírus, p. 6

 

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04/05/2020

 

 

Moro da conteudo de seu celular a pf e cita reuniao gravada pela presidencia

JORGE WILLIAM/14-2-2020Depoimento. Moro falou durante mais de oito horas no sábado a policiais federais e procuradores. O tempo se deveu à demora para os investigadores copiarem o conteúdo do celular do ex-ministro

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro disse, em depoimento prestado no sábado à Polícia Federal (PF) e a procuradores da Procuradoria-Geral da República, que um vídeo gravado pela própria Presidência da República mostra que Jair Bolsonaro ameaçou demiti-lo caso ele não concordasse com uma nova substituição do superintendente da PF no Rio. Para Moro, esse episódio, que teria ocorrido em uma reunião do conselho de ministros do governo, é uma das provas da tentativa de interferência na PF. Na oitiva, Moro entregou aos investigadores conversas com o presidente ocorridas nos últimos 15 dias através do WhatsApp e disse que cabe a Bolsonaro esclarecer os motivos de suas supostas investidas para trocar nomes na PF.

O ex-ministro foi ouvido durante oito horas na Superintendência da Polícia Federal do Paraná, como parte do inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar as acusações feitas por ele contra Bolsonaro — a investigação apura se o presidente e o ex-ministro cometeram crimes no episódio. Moro reafirmou que uma das preocupações do presidente eram inquéritos em curso no STF e entregou cópia da conversa, revelada pelo “Jornal Nacional”, na qual Bolsonaro cita que a investigação contra seus aliados seria “mais um motivo” para a demissão do então diretor-geral da PF Maurício Valeixo.

Segundo Moro, a ameaça de demissão em reunião com outros ministros ocorreu em 22 de abril, dois dias antes de ele pedir demissão. O ex-ministro afirmou que Bolsonaro deixou claro diversas vezes seu interesse em nomear uma pessoa de sua confiança na Superintendência da PF no Rio, mas sem explicar os motivos.

Na mesma reunião, Bolsonaro teria manifestado sua insatisfação com a falta de acesso a informações de inteligência da PF. Em seu depoimento, Moro afirmou que o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) discordou do presidente e disse que esses relatórios não poderiam ser fornecidos. Após a demissão dele, o próprio Bolsonaro afirmou que divulgaria o vídeo de sua última reunião com Moro como forma de comprovar que ele estaria falando a verdade, o que ainda não fez. O ex-ministro da Justiça também disse à PF que repassava informações não sigilosas a Bolsonaro sobre a deflagração de operações da PF, mas apenas depois que as buscas e prisões eram cumpridas.

No dia seguinte a essa reunião de ministros, Moro participou de um encontro com Bolsonaro no Palácio do Planalto no qual o presidente lhe informou que havia decidido demitir o então diretor geral Maurício Valeixo. Foi essa reunião que deflagrou a crise resultante no pedido de demissão do então ministro no dia 24 de abril.

TEMOR DE HACKER

No depoimento, Moro afirmou à PF que cabe a Bolsonaro explicar as razões por trás das tentativas de interferência na PF. Disse não saber os motivos. Ele entregou seu celular para a PF extrair cópias de conversas relevantes. O ex-ministro, entretanto, não guardava diálogos antigos, segundo ele, por ter receio de ser alvo de novos ataques de hackers. As conversas entregues por Moro se referiam apenas aos últimos 15 dias. Além da conversa com o presidente, a PF copiou outras mantidas por Moro com a deputada Carla Zambelli (PSLSP), que tentou convencê-lo a aceitar a demissão de Valeixo. O material será periciado.

Após terem feito o chamado “espelhamento” do telefone celular do ex-ministro, os peritos da PF vão tentar recuperar conversas mais antigas que foram apagadas. Um dos motivos da demora no depoimento foi justamente a ação feita para copiar os dados do seu celular.