O globo, n. 31682, 04/05/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Presidente no limite

Amanda Almeida

Bruno Góes

Dimitrius Dantas

João Sorima Neto

Victor Farias

Vinicius Sassine

04/05/2020

 

 

 No planalto, Bolsonaro vai a ato de ataque a instituiçoes

Da rampa do Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro aderiu, na manhã de ontem, a uma manifestação de pauta antidemocrática e declarou ter chegado “ao limite” da paciência, referindo-se a supostas interferências de outros Poderes em seu governo. As falas e apostura de Bolsonaro, que voltou a incentivar aglomerações de seus apoiadores em meio à pandemia do novo coronavírus, foram recebidas com críticas e reações de repúdio por parte de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de governadores e de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O ato em Brasília contou com ataques ao STF, ao Congresso e também ao ex-ministro Sergio Moro, que acusou Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal. N afala aseus apoiadores, transmitida em suas redes sociais, Bolsonaro afirmou tero apo iodas Forças Armadas, sem entrar em maiores detalhes, e disse que não vai “admitir interferência” em seu governo.

— As Forças Armadas, ao lado da lei, da ordem, da democracia, da liberdade e da verdade, também estão ao nosso lado. Não tem mais conversa. Daqui para frende te, não só exigiremos. Faremos cumprira Constituição. Será cumprida a qualquer preço. E ela tem dupla mão. Não é só de uma mão, não —afirmou Bolsonaro.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, usou as redes sociais para criticar o tom antidemocrático do ato, que teve registros de agressões a jornalistas. Maia lembrou outro episódio de violência por parte de apoiadores de Bolsonaro, em um protesto de enfermeiros em Brasília.

“Ontem enfermeiras ameaçadas. Hoje jornalistas agredidos. Amanhã qualquer um que se opõe à visão de mundo deles. Cabe às instituições democráticas impor a ordem legal a esse grupo que confunde fazer política com tocar o terror”, publicou Maia.

Um dos alvos do ato de ontem, o ex-ministro Sergio Moro também se manifestou, em uma rede social, pedindo respeito à democracia.

“Democracia, liberdades inclusive de expressão e de imprensa — Estado de Direito, integridade e tolerância caminham juntos e não separados”, escreveu Moro.

Em entrevista à Globo News,o ministro do STF Luís Roberto Barrosos e disse preocupado coma referência de Bolsonaro a um suposto apoio das Forças Armadas, frisando que não se deve lançá-las “no varejo da política”.

— As Forças Armadas são instituições do Estado, subordinadas à Constituição, e portanto, não estão dentro de governo, não estão vinculadas a governo algum. Portanto, não se deve lançar as Forças Armadas no varejo da política. Isso foi o que aconteceu na Venezuela, com os resultados que nós verificamos —disse Barroso.

REUNIÃO COM MILITARES

No sábado, Barroso suspendeu uma ordem do Itamaraty que determinava a expulsão de 34 diplomatas venezuelanos do país, após um ultimato de Bolsonaro aos funcionários do governo de Nicolás Maduro. Esta foi amais recente de uma série de decisões do STF que contrariaram Bolsonaro nas últimas semanas.

O presidente já havia expressado seu desagrado a auxiliares pela rapidez com que o decano da Corte, ministro Celso de Mello, determinou que a PF ouvisse Moro sobre as acusações do ex ministro a Bolsonaro — antes que houvesse uma troca no comando da corporação, já que o ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu, na última semana, a nomeação de Alexandre Ramagem, chefe da segurança de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018.

Também na véspera dos atos pauta antidemocrática, Bolsonaro se reuniu com ministros militares do governo, como o titular da Defesa, Fernando Azevedo, e com os comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha. Generais se disseram“preocupados”comatos recentes do STF, um dos itens avaliados na reunião. Em nota, o Ministério da Defesa disse que o encontro existiu para avaliar o emprego das Forças Armadas na operação de combate ao coronavírus, “além de avaliação de aspectos da conjuntura” .

Em manifestação no Twitter, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que Bolsonaro se comportou como“um exemplo do male conspirador contra a democracia” em sua participação no ato de ontem. Além do discurso do presidente, Doria criticou o descumprimento do isolamento social. Bolsonaro, sem máscara, chegou apegar no colo uma criança que saiu de um grupo de apoiadores.

“Além de não admitir o contraditório, ainda estimula opo vodos eu país nades obediência à saúde e à medicina. O que afronta o direito à vida”, afirmou Doria.

Lideranças de outras legendas também saíram em defesa da democracia e criticaram as atitudes do presidente. Fernando Haddad (PT), afirmou que “Bolsonaro, que descumpre a constituição diariamente”. Já o líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), afirmou que o presidente destrói a democracia ao apoiar atos com ataques a outros poderes, a jornalistas, a adversários e a ex-aliados.

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Jornalistas são agredidos por manifestantes com chutes

Victor Farias

04/05/2020

 

 

Violência física provoca repúdio nos meios jurídico e político e da ANJ

 Durante a manifestação em favor de Jair Bolsonaro ontem em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, apoiadores do presidente agrediram jornalistas quer faziam a cobertura do ato. Um repórter fotográfico do jornal “O Estado de S. Paulo” foi empurrado e atacado com chutes e murros na barriga. As agressões na data em que foi celebrado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa repercutiram nos meios jurídico e político. Em nota, a Associação Nacional dos Jornalistas( ANJ) condenou o ataque aos profissionais e afirmou que“atentar contra o livre exercício da atividade jornalística éfe rir também o direi todos cidadãos de serem livremente informados”

As agressões começaram enquanto Bolsonaro descia a rampa do Planalto para falar com os manifestantes. Um grupo começou gritar palavras contra a imprensa, e parte dos apoiadores se deslocou para uma área restrita aos profissionais. Neste momento, um repórter foi empurrado ao tentar proteger um dos colegas. Um fotógrafo que foi socorrer outro profissional também foi agredido, enquanto um dos manifestantes tentavam pegar sua câmera. Na confusão, ele teve os óculos quebrados.

Acionada, a Polícia Militar fez um cordão de isolamento para proteger os repórteres, mas as agressões verbais continuaram e cessaram apenas quando os profissionais foram retirados do local.

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia repudiou os ataques:

— Lamento a informação de ter havido agressão a jornalistas em um dia tão significativo para imprensa. É inaceitável, inexplicável, que ainda tenhamos cidadãos que não entenderam que o papel do profissional de imprensa é o que garante acada um de nós poder ser livre. Não há dignidade na ausência de liberdade.

Numa rede social, o ministro do STF Alexandre de Moraes disse que “as agressões contra jornalistas devem ser repudiadas pela covardia do atoe pelo ferimento à democracia e ao estado de direito, não podendo ser toleradas pelas instituições e pela sociedade ”.

Ministro do Supremo, Gilmar Mendes também condenou os ataques:

—A agressão a cada jornalista é uma agressão à democracia e tem que ser claramente repudiada.

Em nota de repúdio às agressões sofridas por sua equipe, “O Estado de S. Paulo” diz que espera que os ataques sejam apurados por agentes independentes: “Trata-se de uma agressão covarde contra o jornal, a imprensa e a democracia. A violência, mesmo vinda da copa e dos porões do poder, nunca nos intimidou. Apenas nos incentiva a prosseguir com as denúncias dos atos de um governo que, eleito em processo democrático, menos deu mano emeio depois dá todos os sinais de que se desvia para o arbítrio e a violência. Dada a natureza dos acontecimentos, esperamos que a apuração penal e civil das agressões seja conduzida por agentes públicos independentes, não vinculados às autoridades federais que, pela ação e pela omissão, se acumpliciam com o processo em curso de sabotagem do regime democrático.”