O globo, n. 31673, 25/04/2020. Política, p. 8

 

Aras pede investigação

Aguirre Talento

Carolina Brígido

25/04/2020

 

 

Procurador-geral quer apurar interferência na PF

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de um inquérito ao Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar as tentativas do presidente da República, Jair Bolsonaro, de interferir nos trabalhos da Polícia Federal, relatadas pelo exministro da Justiça Sergio Moro. As acusações foram feitas em pronunciamento no qual Moro anunciou seu pedido de demissão. Aras assistiu à gravação do anúncio de demissão do exministro algumas horas depois e pediu à sua equipe uma análise jurídica sobre possíveis crimes cometidos pelo presidente em sua conduta. O pedido feito pelo procurador-geral é para apurar os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução da Justiça e corrupção passiva privilegiada. Devido à gravidade das acusações, Aras fez a ressalva da possibilidade de o ex-ministro responder por denunciação caluniosa caso não sejam comprovadas a veracidade de suas declarações.

“A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”, escreveu Aras no pedido. Na solicitação, o procurador-geral sugere ao STF que, antes de deliberar sobre a abertura da investigação, tome o depoimento de Moro, para que ele preste esclarecimentos formalmente sobre os possíveis crimes envolvidos na conduta do presidente e possa apresentar provas dessas interferências. Horas depois do pedido de Aras, o ministro Celso de Mello, o mais antigo integrante do STF, foi sorteado relator do pedido de inquérito. É praxe do STF aceitar pedidos de abertura de inquérito feitos pela PGR. A decisão de Celso de Mello pode ocorrer a qualquer momento. Se o inquérito for mesmo instaurado, caberá ao relator determinar as primeiras diligências — que pode ser o interrogatório de Moro e de outras testemunhas, ou mesmo a quebra de sigilos. Celso de Mello já criticou várias vezes o governo e costuma responder a investidas verbais de Bolsonaro contra o tribunal.

O antecessor de Bolsonaro na Presidência, Michel Temer (MDB), chegou a ser formalmente investigado durante o exercício do cargo e foi denunciado três vezes pela Procuradoria-Geral da República (PGR) enquanto ainda era presidente.

Pela Constituição, um presidente da República só pode ser responsabilizado por atos que ocorreram durante o exercício do seu mandato. No caso da conduta de Bolsonaro, sã ofato socorridos duranteo exercício do mandato, por isso a PGR pode, em tese, pedir investigação e denunciálo no exercício do cargo. O inquérito pode ser aberto por decisão monocrática de um ministro do STF.

 BLINDAGEM

Caso a procuradoria-geral considere que as acusações são verdadeiras e seja oferecida denúncia, entretanto, o processo precisa ser encaminhado à Câmara dos Deputados, a quem cabe apreciar a abertura do processo. No caso de Temer, as três denúncias foram barradas pela Câmara e, por isso, ele passou a responder aos processos somente após deixar a Presidência.

Segundo Moro, Bolsonaro manifestou preocupação com inquéritos em curso no STF que podem lhe atingir e disse que tinha interesse em mexer na Polícia Federal para frear esses inquéritos. Há duas investigações que atingem aliados do presidente: o inquérito das fake news, aberto no ano passado, e outra investigação mais recente solicitada nesta semana por Aras para investigar a organização de manifestações antidemocráticas e pró-ditadura militar. Ambas tramitam sob relatoria do ministro do STF Alexandre de Moraes.

Depois do pronunciamento de Moro, Alexandre de Moraes determinou ontem que o comando da PF mantenha no posto os delegados que atuam nesses dois inquéritos. A intenção do ministro é evitar qualquer tipo de interferência nos dois inquéritos, seja qual for o diretor-geral da PF ou o novo ministro da Justiça. O inquérito aberto no ano passado já identificou mais de uma dezena de perfis de redes sociais dedicados à disseminação de ataques a ministros do STF. Já o inquérito aberto nesta semana tem como suspeitos dois deputados federais, que teriam participado da organizações dos atos de domingo.

Moro também afirmou que Bolsonaro queria ter acesso a informações de inteligência da PF, o que o ministro considerou inaceitável. Houve ainda a acusação de falsificação no documento de exoneração do diretorgeral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. O ato saiu no Diário Oficial com a assinatura de Moro junto à de Bolsonaro. Após o ex-ministro ter negado o endosso à decisão, a exoneração foi republicada no fim do dia com as assinaturas do presidente e dos ministros Braga Netto (Casa Civil) e Jorge Oliviera (Secretaria-Geral). A demissão de Valeixo foi justamente o que provocou a saída de Moro.

Em seu discurso, Bolsonaro disse que gostaria de ter um diretor da PF com quem pudesse falar diretamente. Ele negou ter pedido em qualquer momento para ser “blindado” de investigações.

Admitiu, porém, ter obtido cópia de um depoimento sigiloso de Ronnie Lessa, um dos acusados do assassinato da vereadora Marielle Franco. O presidente disse ter pedido “quase como um favor” que a PF ouvisse o acusado também porque saíram notícias que um de seus filhos tinha namorado a filha do investigado. No depoimento, a relação foi negada.