O globo, n. 31673, 25/04/2020. País, p. 10

 

Nas redes, apoio a Bolsonaro cai

Marlen Couto

Sérgio Roxo

Guilherme Caetano

25/04/2020

 

 

Presidente vira alvo de críticas de antigos apoiadores

Após a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça, a base do presidente Jair Bolsonaro ficou menor e ainda mais isolada no Twitter. É o que aponta um levantamento da Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV), que analisou mais de 2,85 milhões de postagens sobre o tema na rede social, entre 11h e 18h de ontem, período que compreendeu tanto o pronunciamento do ministro quanto do presidente. Os dados apontam que a base fiel a Bolsonaro mobilizou apenas 9,5% desse volume. O Twitter é considerado o território no qual bolsonaristas travam suas disputas e é usado pelos próprios aliados de Bolsonaro para medir a popularidade das decisões do presidente. O levantamento indica que, pela primeira vez, houve ataques a Bolsonaro no grupo à direita que tradicionalmente dá sustentação ao governo. Das postagens desse núcleo, 26% foram críticas ao presidente, acusado de se render à velha política e de traição contra o titular da Justiça. Cerca de 76% das publicações foram contrárias a Moro, com acusações, por exemplo, de insubordinação e de que o ministro "abandonou o barco".

A maior parte dos tuítes sobre a saída de Moro (70%) partiu do grupo classificado pela DAPP/ FGV como de oposição, que reúne perfis de vários espectros políticos e que repudiou a saída do ministro. O engajamento desse grupo foi maior ontem que no início de abril, quando somou 60%, durante a mobilização pela permanência do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido no último dia 16. Ainda segundo a DAPP/FGV, 3,5% das postagens foram de grupos à direita, antes alinhados ao governo Bolsonaro, que lamentaram a saída de Moro. As demais publicações não tiveram alinhamento político. Diretor da DAPP/FGV, Marco Aurelio Ruediger avalia que a base do governo Bolsonaro no Twitter está se "desmanchando", apesar de a maior parte dela ter continuado a apoiar o presidente.

— Bolsonaro tem perdido espaço na rede e a saída de Moro pode custar mais um pedaço dessa base. A base que apoia o governo Bolsonaro está se desmanchando — diz o diretor da DAPP/FGV. – A saída de Moro fortalece a oposição a Bolsonaro. O centro pode achar o Moro uma alternativa interessante amanhã. Nos dois primeiros lugares do debate, aparecem as hashtags em defesa de Moro #bolsonarotraidor e #forabolsonaro, em aproximadamente 44,8 mil e 27,4 mil postagens, respectivamente. Já a hashtag mais usada por apoiadores de Bolsonaro foi #tchauquerido, em 23,7 mil postagens, emterceiro lugar do debate. Um levantamento amostral da consultoria Arquimedes feito após o pronunciamento de Moro e antes da fala de Bolsonaro também aponta alta proporção de mensagens contra Bolsonaro na rede social ontem. Os dados apontam que, entre as menções ao presidente no Twitter, 82% foram negativas e 18% positivas. Já em relação ao ex-ministro da Justiça, 88% das citações foram positivas e apenas 12% negativas.

 PRONUNCIAMENTO

De acordo com o levantamento da DAPP/FGV, o pico de publicações sobre o desembarque de Moro ocorreu durante o pronunciamento de Bolsonaro na tarde de ontem, quando foram registradas mais de 83 mil menções ao tema em menos de uma hora. Professor da Universidade da Virgínia e estudioso do bolsonarismo, David Nemer afirma que o discurso de Bolsonaro foi fundamental para unir a base mais radical do presidente em grupos no WhatsApp.

—A base do presidente tem ficado menor e mais radical. No pronunciamento, o presidente disse coisas precisas que unem essa base. Ele citou o caso Marielle e falou novamente sobre a investigação da facada, por exemplo. São passagens concretas destinada a essa base radical. Lógico que saída do Moro gerou um choque, bem maior que a do Mandetta. Muita gente saiu dos grupos no WhastApp, mas foi uma minoria — diz o pesquisador, que monitora 68 grupos bolsonaristas na plataforma de troca de mensagens. Pablo Ortellado, professor da USP e coordenador do Monitor de Debate Político no Meio Digital, que monitora mais de 500 grupos WhatsApp, apontou que as discussões foram marcadas ontem por brigas entre lavajatistas e demais bolsonaristas. No Twitter, a base bolsonarista perdeu seguidores importantes. Um deles é Henrique Bredda, sócio de uma empresa de investimento e apoiador de primeira hora do presidente. Bredda, que tem 142 mil seguidores no Twitter, defendeu em suas postagens a candidatura de Moro em 2022. Influenciadores leais a Bolsonaro, como o pastor Silas Malafaia e o empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan, também surpreenderam ao manifestar apoio a Moro. Completam ainda a lista dos "bolsonaristas arrependidos" o agrônomo Xico Graziano, o músico Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, o apresentador Danilo Gentili e o comentarista Rodrigo Constantino.

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Panelaços voltam a ocupar janelas de cidades do país

Marcelo Régua

25/04/2020

 

 

Houve protestos em São Paulo, Rio e outras capitais durante o anúncio da demissão de Sergio Moro e no discurso de Bolsonaro
O anúncio do pedido de demissão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, na manhã de ontem, provocou panelaços em várias cidades do país ao longo do dia. À tarde, o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em resposta a Moro, transmitido pela televisão a partir das 17h, resultou novamente manifestação nas janelas. Um terceiro panelaço começou no início do Jornal Nacional, da TV Globo, à noite.

No Rio de Janeiro, logo no começo do pronunciamento de Bolsonaro, foram ouvidos gritos e batidas de panela nos bairros de Humaitá, Copacabana, Botafogo, Flamengo, Catete, Largo do Machado, Urca, Jardim Botânico e Ipanema, na Zona Sul; Lapa, na região central; Vila Isabel, Grajaú e Engenho Novo, na Zona Norte; e Barrada Tijuca, Recreio e Campo Grande, na Zona Oeste.

Na cidade de Niterói, na Região Metropolitana, houve panelaços em Icaraí e Santa Rosa, também pouco após o começo da fala do presidente. Assim que Bolsonaro apareceu na televisão, os paulistanos passaram a bater panela em vários bairros de São Paulo. Também foram registrados buzinaços contra Bolsonaro e sons de apitos.

Das janelas de bairros como Consolação, Jardins, Moema, Pinheiros, Vila Mariana, Butantã e Jabaquara as pessoas ainda gritavam "Fora, Bolsonaro!". Em algumas áreas da cidade, moradores soltam fogos enquanto o presidente fez seu pronunciamento. Houve registro de panelaço também em outras capitais, como Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Vitória (ES), Salvador (BA), Fortaleza (CE), São Luís (MA), João Pessoa (PB) e Florianópolis (SC).