O globo, n. 31673, 25/04/2020. Economia, p. 22

 

Mercado volta suas atenções ao futuro de Guedes

Marcello Corrêa

Manoel Ventura

Natália Portinari

Geralda Doca

25/04/2020

 

 

Pesos-pesados da política econômica foram acionados para distensionar clima entre o ministro e a ala política após divergências sobre Programa Pró-Brasil, que amplia gasto público no pós-crise do coronavírus Resultado. Para interlocutores, ministro pode sair fortalecido e convencer presidente sobre controle das contas públicas
Após a divulgação das linhas gerais do Programa Pró-Brasil, que aposta na velha fórmula de aumento do gasto público para impulsionar a economia no pós-Covid-19, o mercado voltou suas atenções para o futuro do ministro da Economia, Paulo Guedes, no governo. O programa, ainda em fase embrionária, é visto pela equipe econômica como um risco ao ajuste fiscal e representa a antítese do receituário de Guedes para a economia. O ministro é considerado um dos pilares do governo e uma peça-chave na equipe do presidente Jair Bolsonaro. Ontem, o clima era de suspense, segundo interlocutores da equipe econômica. Ao mesmo tempo, foram escalados vários "bombeiros", inclusive pesos-pesados da economia, para tentar distensionar o ambiente. No fim do dia, quando Bolsonaro fez um pronunciamento cercado por ministros, Guedes foi posicionado na primeira fila, ao lado dos militares Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Interlocutores que acompanharam os últimos dias, consideram que Guedes deve sair fortalecido do episódio e que a melhor estratégia para convencer Bolsonaro a manter o foco no controle de gastos é acenar com o risco de que uma guinada agora poderia levar o país a uma política econômica semelhante à da ex-presidente Dilma Rousseff, adversária do presidente.

As fontes destacam, no entanto, que Guedes não vai "arriscar seu CPF" ao adotar medidas que possam levar a desequilíbrio nas contas públicas. O próprio ministro já disse em diversas ocasiões que, caso sua agenda não seja aceita, pode sair do governo. De acordo com outro interlocutor, a percepção é que Bolsonaro é "leal" a Guedes, o que traz tranquilidade à equipe econômica. A possibilidade de saída do chefe da Economia reverberou não só em Brasília, mas também no mercado. Um empresário próximo a Guedes afirmou que, se o ministro sair agora, seria "uma bomba". No mercado financeiro, investidores temem que a política de controle das contas públicas seja deixada de lado na estratégia do governo para impulsionar a economia no pós-crise.

 IMPORTÂNCIA DAS REFORMAS

A defesa da agenda do ministro foi feita publicamente ontem pelo presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, em evento do jornal Valor Econômico transmitido ao vivo:

— Se houver no mercado a sensação de que reformas que começamos pararam, fora deste momento em que é crucial ajudar o Brasil, o mercado vai reagir e essa curva longa (de juros), que permitiu Bolsa a 120 mil pontos e venda de capital, vai acabar. Guimarães buscou reforçar um alinhamento entre a equipe econômica e o governo: — Não vejo nenhuma mudança na direção da economia. Após arrefecimento dos impactos na saúde, virão medidas mais na linha do que o ministro sempre defendeu. Após ter sido deixado de lado na elaboração do Pró-Brasil, Guedes se mantém calado. Em defesa do plano, o ministro da Casa Civil, Walter Braga Net to,re peteque o"focoéo crescimento ", masas reformas que já haviam sido iniciadas e foram interrompidas por causa da pandemia devem continuar. Guedes deu sinais de insatisfação nos últimos dais a pessoas próximas, de acordo com o relato de interlocutores. Além do Pró-Brasil, desenhado pela ala militar do

governo com previsão de ampliação de gastos públicos, os constantes ataques às medidas para conter os efeitos do coronavírus estão entre as queixas do ministro.

 DIVERGÊNCIAS

Segundo fontes, ele avalia que filhos de Bolsonaro, especialmente o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), estão por trás desses ataques. O ambiente de incerteza já reverbera dentro da equipe econômica. Um auxiliar disse havia falta de comando. De acordo com essa fonte, muitos já avaliam se vale a pena continuar.

Nas últimas semanas, ministros militares têm afirmado que o ministro pode não ser o nome mais adequado para conduzir a economia após a crise do coronavírus em razão de sua insistência no ajuste fiscal e da discordância com a forma como é conduzida a articulação política.

Há três semanas, em uma reunião ministerial, Guedes explicitou — sem dar nomes — críticas à articulação política do governo. Ele afirmou que, em um ano, a articulação não tinha ainda "dado certo", já que o governo não tinha ainda uma "base aliada".

Dessa reunião, veio a ideia de o presidente começar a tratar a articulação política diretamente com líderes e presidentes partidários. As conversas se iniciaram por dirigentes do Centrão.