O globo, n. 31685, 07/05/2020. Segundo caderno, p. 3

 

Após encontro com Bolsonaro, Regina Duarte ganha sobrevida a cultura

Bela Megale

Marco Grillo

Naira Trindade

Thais Arbex

07/05/2020

 

 

DIVULGAÇÃO/ISAC NÓBREGA

A reunião do presidente Jair Bolsonaro com a secretária especial da Cultura, Regina Duarte, ontem, amenizou por ora a tensão entre ambos, e a atriz segue no cargo. A conversa contou ainda com a presença do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, a quem a Secretaria está subordinada. A reportagem tentou contato com a assessoria da pasta ao longo de todo o dia, mas não obteve resposta.

Segundo fontes próximas à secretária, o encontro foi “ótimo” e “teve um desfecho positivo”. Regina apresentou na reunião seus planos para a pasta. Bolsonaro e ela combinaram que passarão a ter encontros periódicos, sendo o próximo já na semana que vem. O presidente teria demonstrado animação com a apresentação de Regina sobre os planos que pretende implantar na Cultura, destacando as partes que lhe agradaram.

O encontro era considerado decisivo para a permanência da atriz na secretaria. No dia anterior, Regina chegou a ver a Funarte, um dos principais órgãos subordinados à sua pasta, ter Dante Mantovani reconduzido à presidência, apesar de ter sido demitido pela secretária em março. A nomeação acabou invalidada no início da noite pelo governo.

Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, o presidente disse para Regina que a nomeação não passou de um “equívoco administrativo” e que não era uma decisão política. Causa estranhamento, entretanto, que a “correção” no Diário Oficial tenha sido feita tantas horas depois, após forte repercussão que reforçava a fragilidade da atriz no cargo.

Logo no início da manhã de ontem, a atriz havia postado em seu Instagram um vídeo de uma flor ao vento, com um homem, possivelmente um assessor seu, dizendo com voz conciliadora: “Agora que ele vai nos conhecer. Até agora ele não nos conhece, não sabe como pensamos, aonde queremos chegar. Ele foi traído inúmeras vezes. Tem que falar para o coração dele, falar a verdade, sem medo, sem gerar resistência nele”.

‘DESENVOLTURA E PAIXÃO’

Pouco antes da reunião, chamou atenção dos repórteres que esperavam por Regina no Palácio do Planalto a chegada de um convidado considerado um desafeto de Regina. O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, contou que havia sido chamado algumas horas antes para o almoço, e demonstrou surpresa ao saber que a secretária também estaria presente. Ela havia chegado pouco antes dele, mas entrou pela garagem, sem falar com a imprensa.

Regina e Camargo têm relação tensa desde que ela assumiu a Cultura, em março. O jornalista foi nomeado por Roberto Alvim, e havia sido afastado do cargo pela Justiça antes de Regina assumir a secretaria, por defender ideias como o fim do

Dia da Consciência Negra e afirmar que “a escravidão foi benéfica para os descendentes”. Mas ele acabou reconduzido, e Bolsonaro garantiu que seguiria à frente da fundação, sem dar autonomia para a secretária demiti-lo, como ela queria.

Regina chegou a se referir a Camargo como um “problema” e a dizer que o subordinado era mais um “ativista do que um gestor público”, em entrevista que deu ao “Fantástico”. No dia seguinte à declaração, Camargo postou uma mensagem irônica nas redes sociais, desejando bom dia, “exceto a quem chama apoiadores de Bolsonaro de facção e o negro que não se submete aos seus amigos da esquerda”.

No encontro, Regina Duarte teve a oportunidade de conversar Camargo, e desejou a ele “toda a sorte do mundo”. Segundo aliados, ela teria ficado impressionada com a “desenvoltura” e “paixão” do jornalista pelo trabalho na Fundação Palmares. Antes deste encontro, os dois haviam se visto uma única e rápida vez.

Na saída, Camargo classificou a reunião como um “almoço amigável”:

—Ela( Regina) apresentou seus planos, projetos, fez um pequeno discurso e em seguida foi para o almoço. Hoje tivemos uma boa conversa. Somos do mesmo órgão, estamos sempre alinhados. Hoje não houve divergência. Foi um almoço muito agradável.

POSSÍVEIS SUBSTITUTOS

Por conta do episódio de vaivém na Funarte anteontem, e da constante pressão da militância bolsonarista para que Regina seja demitida, integrantes do governo chegaram a começar a levantar possíveis substitutos. Foram levados ao presidente os nomes dos atores Humberto Martins, que atualmente vive nos Estados Unidos, e Mário Frias. Ambos têm o mesmo perfil: são membros da classe artística e defensores do discurso de Jair Bolsonaro. Frias inclusive esteve na posse de Regina em Brasília, já se colocou à disposição do presidente e é apontado por interlocutores como um possível nome para assumir algum cargo abaixo da atual secretária. Já Martins afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, se “sentir muito honrado em saber que foi cogitado para tão importante cargo no governo”, mas que, no momento, não teria condições de assumir a cadeira.

As especulações, entretanto, ficaram para depois. A permanência de Regina foi assegurada, segundo interlocutores do governo, porque Bolsonaro diz ter gratidão ao apoio dela durante a campanha presidencial e a sua fidelidade desde que ele foi eleito.