O globo, n. 31679, 01/05/2020. Especial Coronavírus, p. 15
‘Talvez eu já tenha pegado esse vírus no passado’, diz Bolsonaro
Daniel Gullino
01/05/2020
FERNANDO ALVES/THENEWS2Em Porto Alegre. Bolsonaro na saída da posse do novo chefe do Comando Militar do Sul: “talvez tenha pegado”
O presidente Jair Bolsonaro afirmou, ontem, que pode ter contraído o novo coronavírus “no passado”. A declaração foi dada no mesmo dia em que a Advocacia-Geral da União (AGU) não entregou os laudos dos exames realizados pelo presidente à juíza Ana Lúcia Petri Betto, da 14º Cível Federal de São Paulo, mas sim um relatório médico de Bolsonaro em que consta que ele está “assintomático” e teve resultado negativo para a Covid-19. A juíza não aceitou o relatório e deu 48 horas para União apresentar os exames. O pedido de acesso foi feito pelo jornal “O Estado de S. Paulo”.
Bolsonaro falou sobre a possibilidade de ter contraído o coronavírus em entrevista à Rádio Guaíba, durante visita a Porto Alegre. Segundo ele, os dois teses que realizou deram negativo.
— Eu talvez já tenha pegado esse vírus no passado, talvez, talvez, e nem senti — afirmou o presidente à rádio. Em 20 de março, Bolsonaro já tinha falado sobre essa possibilidade.
Em Brasília, mais cedo, o presidente disse que se sentirá “violentado” se for obrigado a divulgar o resultado dos exames que fez para saber se estava ou não contaminado pela Covid-19.
—Você sabe que nós dois tivermos com uma doença grave nós não somos obrigados a divulgar o laudo. Isso é uma lei. E a lei vale pratodomundo,táok?A AGU deve ter recorrido, e se nós perdermos o recurso, daí vai ser apresentado. E vou me sentir violentado. A lei vale para o presidente e para o mais humilde cidadão brasileiro — disse Bolsonaro.
DECISÃO
Contudo, a AGU não recorreu, como disse o presidente, mas apenas enviou o seu relatório médico. Para a juíza Ana Lúcia Petri Betto, o documento “não atende, de forma integral” à determinação judicial”. Caso os laudos não sejam apresentados em 48 horas, a juíza estabeleceu multa diária de R$ 5 mil. A União também pediu para que o processo tramitasse em sigilo por envolver informações consideradas pessoais do presidente, mas a juíza não aceitou.
A decisão favorável ao jornal “O Estado de S.Paulo” foi obtida na segunda feira. O jornal questionou diversas vezes o Palácio do Planalto e o próprio presidente sobre a divulgação dos resultados dos exames. Pedidos também foram feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI). Na ação, “O Estado de S. Paulo” aponta “cerceamento à população do acesso à informação de interesse público”, que culmina “censura à plena liberdade de informação jornalística”. Já a AGU argumentou que o pedido deveria ser negado sob a alegação de que a “intimidade e privacidade são direitos individuais”. Na sua decisão, a juíza Ana Lúcia escreveu:
“No atual momento de pandemia que assola não só o Brasil, mas o mundo inteiro, os fundamentos da República não podem ser negligenciados, em especial quanto os deveres de informação e transparência”. As discussões em torno dos exames do presidente começaram em março.
Após voltar de uma viagem oficial aos Estados Unidos, ele realizou os testes nos dias 12 e 17. Em ambos os casos, Bolsonaro afirmou que o resultado foram negativos, mas não apresentou os resultados. Pelo menos 23 pessoas de sua comitiva foram infectadas, entre eles, o secretário de Comunicação Social da Presidência da República, Fabio Wajngarten, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno.