O globo, n. 31679, 01/05/2020. Economia, p. 19

 

Guedes diz que BC pode emitir dinheiro na crise

Manoel Ventura

Henrique Gomes Batista

Mariana Barbosa

01/05/2020

 

 

Durante audiência pública virtual, ministro afirma que, num cenário de inflação próxima de zero e juro baixo, Banco Central poderia fazer emissão de moeda e comprar títulos da dívida. Ação divide opinião de especialistas 

PABLO JACOBCenário extremo. Com inflação zerada e juro baixo, BC pode emitir moeda para financiar crise, explica Guedes

O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu ontem, pela primeira vez, que o Banco Central pode emitir moeda para financiar parte dos custos gerados no combate ao novo coronavírus. O BC também poderia, segundo o ministro,comprar títulos da dívida interna para amenizar a escalada do endividamento federal. A emissão de moeda é polêmica e divide especialistas.

— Quanto à pergunta se é possível emitir moeda: sim —disse o ministro, que ponderou que um bom economista não tem dogmas.

Emitir moeda significa colocar mais dinheiro na economia. A emissão precisa ser autorizada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), hoje composto por Guedes, pelo secretário de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Júnior, e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, que já declarou ser contra a emissão de moeda.

Para os críticos, o principal problema da medida é o efeito sobre a inflação.

Durante a audiência pública de ontem com parlamentares, Guedes fez questão de frisar que a emissão seria possível considerando um cenário de inflação zerada e juro baixo.

— Se cair numa situação que a inflação vai praticamente para zero, os juros colapsam, e existe o que a gente chama da armadilha da liquidez, o Banco Central pode sim emitir moeda e pode sim comprar dívida interna —afirmou o ministro.

Tecnicamente, a chamada armadilha de liquidez ocorre quando a taxa de juros nominal chega a zero ou próximo a isso, e a política de juros do BC perde força. Com isso, os métodos tradicionais para incentivar a economia ficam ineficientes.

Nessas situações, os agentes do mercado deixam de esperar grandes retornos dos investimentos e concentram essas aplicações no curto prazo. Com isso, a economia entraria num estado de recessão maior.

CENÁRIO EXTREMO

Por conta das medidas adotadas para combater a expansão do coronavírus, a dívida pública deve disparar nos próximos meses, o que levantou questionamentos dos parlamentares sobre a capacidade do governo de financiar suas ações.

Guedes disse que o BC poderia, neste caso, comprar títulos que foram vendidos pelo governo, reduzindo assim o tamanho da dívida.

Fontes próximas ao ministro dizem que ele pintou um cenário extremo, que dificilmente ocorrerá. A emissão de moeda não seria um plano do ministro.

Margarida Gutierrez, da UFRJ, afirmou que, em um momento de estresse no mercado financeiro, a emissão de moeda faz sentido:

—Se isso ocorrer, contudo, o BC precisa ficar atento para, eventualmente, esterilizar esta operação no futuro, caso interfira na meta Selic.

Já o professor Orlando Assunção Fernandes, da FAAP, acredita que a emissão deveria ser “a última medida” pensada pelo governo:

— Na nossa história recente isso foi feito, e o resultado foi a inflação anual de 2.380% no ano de 1993. O Plano Real foi um contrato de que tal prática não seria mais realizada – disse.

Cleveland Prates, da FGV e sócio da Microanalysis Consultoria Econômica, pondera que é difícil prever o impacto de uma medida como essa no cenário atual.

—Será que emitir moeda vai gerar inflação? No curto prazo provavelmente não. Mas não sei qual vai ser o ajuste do lado da oferta e da demanda. É como se estivéssemos dentro daquele avião da Air France, cruzando o Atlântico, sem sensor e no meio da tempestade.