Valor econômico, v.21, n.5018, 09/06/2020. Brasil, p. A5

 

Omissão de dados sobre covid fere a lei, afirma CGU

Murillo Camarotto 

09/06/2020

 

 

Pego de surpresa com o desaparecimento repentino de informações oficiais sobre a pandemia do novo coronavírus, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, fez alertas internos ao governo e avisou que qualquer omissão de dados poderia significar descumprimento da lei. Em entrevista ao Valor, ele reconheceu a falta de experiência da nova equipe do Ministério da Saúde, mas reiterou que está no cargo para resolver problemas para o governo, e não para criar novos.

Rosário admitiu que, da forma como foram conduzidas, as mudanças na metodologia de divulgação dos números causaram desconforto, inclusive na equipe técnica da CGU. "Conversei diretamente com o ministro [Eduardo] Pazuello e ele garantiu que jamais houve intenção de omitir qualquer informação. Como CGU, o que eu posso fazer é acompanhar e orientar, mas, se querem que eu saia das minhas funções para criticar e desestabilizar o governo, isso não vai acontecer", afirmou o ministro.

Rosário salientou que o governo e o Ministério da Saúde têm autonomia para mudar o formato da divulgação. "O que não pode ocorrer é omissão ou manipulação de informações de interesse público, mas o método de contabilização e divulgação cabe ao governo definir. Se vão apresentar às 17h, às 19h ou a meia-noite, não é passível de questionamento em termos legais", explicou.

Sobre a retirada do ar da página que contabiliza os números da pandemia, Rosário disse que, por "talvez por inexperiência", a equipe do Ministério da Saúde decidiu fazer as alterações durante o fim de semana, sem avisar ninguém. "Acredito que esse tipo de mudança deva ser informado previamente, mas não há nenhuma intenção de omitir dados", afirmou o ministro.

Rosário informou que o novo formato de apresentação dos dados vai trazer um gráfico interativo que contempla o total de casos e mortes acumuladas, bem como os números referentes às últimas 24 horas. Ainda não está claro, entretanto, se a contabilização de óbitos vai considerar apenas as mortes ocorridas naquele período ou também as confirmações de dias anteriores. "Provavelmente teremos as duas coisas", informou o ministro.

Ele explicou que, apesar de sua função fiscalizadora, a CGU não é a autoridade máxima no governo em questões de transparência, ou seja, o órgão não pode determinar a forma pela qual os demais ministérios devem apresentar suas informações. "Enquanto isso, estamos tentando resolver. Internamente, como tem que ser, e não em público, como muita gente quer", desabafou Rosário.

A CGU também recebeu críticas por causa da decisão de retirar do alcance da Lei de Acesso à Informação os pareceres ministeriais relativos a recomendações de sanção e veto presidencial a projetos do Congresso. Rosário explicou que o órgão apenas seguiu uma orientação da Advocacia-Geral da União (AGU) de 2016, ainda durante o governo do ex-presidente Michel Temer.

No documento, publicado em agosto daquele ano, a AGU equiparou advocacia pública e privada no que se refere ao tratamento sigiloso que aplicado a orientações entre cliente e advogado. A portaria estabelece 29 itens que poderão ter a publicidade restrita, entre as quais "manifestações jurídicas elaboradas com a finalidade de apreciação de projeto de lei submetido à sanção ou veto do Presidente da República".

Ocorre que mesmo após a publicação do documento, alguns ministérios continuavam abrindo o acesso a esses pareceres, ou seja, não havia unidade no governo. Além disso, um auditor da própria CGU entendeu que a publicidade deveria ser dada, o que levou o ministro a fazer nova consulta à AGU, que confirmou o teor da portaria de 2016. "O que fizemos foi tão somente seguir essa orientação. E eu tenho apego zero a isso. Se algum tribunal entender que deve ser divulgado, será feito", afirmou Rosário.

Recentemente, a CGU também foi criticada quando tentou flexibilizar as regras da Lei de Acesso à Informação durante o período da pandemia. O objetivo, segundo o ministro, era evitar a punição a servidores que, devido ao surto, não poderiam responder às demandas dentro dos prazos previstos na legislação. O Congresso derrubou a medida.

A CGU ainda foi acusada de ter dado aval à medida provisória que livraria servidores de punições por falhas em políticas relacionadas à pandemia. Isso porque o órgão não manifestou resistência durante o processo de elaboração da MP. Rosário afirmou que a matéria foi debatida previamente com o Ministério da Economia e admitiu que há situações em que o risco de punição dificulta o processo de tomada de decisões no governo.

Citou, como exemplo, a construção de um hospital de campanha no município de Águas Lindas, em Goiás. A obra - que oferece 200 novos leitos - foi inaugurada na última sexta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro.

"O ex-ministro [Luiz Henrique] Mandetta nos disse que haveria mais de 100 mil mortes já em maio e que precisaríamos dos leitos. Se, ao fim da pandemia, chegarmos à conclusão de que apenas 50 leitos seriam suficientes e que R$ 3 milhões foram gastos sem necessidade, o servidor que aprovou o projeto deveria ser punido?", indagou Rosário.

Diante das críticas, o ministro queixa-se da pouca atenção às ações de ampliação da transparência da CGU, como o acesso aberto recentemente aos dados de dezenas de milhões de beneficiários do auxílio emergencial. Também disse que nunca soube de nenhuma ação intencional de omissão ou manipulação de dados pelo governo. "No dia que isso acontecer, peço demissão".

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Alcolumbre diz que Congresso fará contabilidade paralela 

Renan Truffi 

Luísa Martins

09/06/2020

 

 

O presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), confirmou ontem que o Legislativo fará a contabilização e divulgação de infectados e mortos pela covid-19 no país. A ideia foi debatida ontem, durante reunião de líderes do Senado, como uma reação à decisão do governo Jair Bolsonaro de alterar a forma de divulgação das informações sobre o contágio e a disseminação da doença.

Segundo Alcolumbre, uma comissão mista - formada por deputados e senadores - que já vem se dedicando aos assuntos relacionados ao coronavírus ficará responsável por fazer esse acompanhamento com as secretarias estaduais de Saúde.

"Após reunião de líderes de hoje (8), ficou decidido que a Comissão Mista Especial de Acompanhamento do Coronavírus trabalhará com os dados estatísticos da pandemia fornecidos pelos Estados e DF. É papel do Parlamento buscar a transparência em um momento tão difícil para todos", escreveu Alcolumbre em seu perfil nas redes sociais.

Na prática, a ideia é que o colegiado faça uma "contagem paralela" dos números divulgados diariamente pelas secretarias de saúde dos Estados e anuncie publicamente os resultados. A iniciativa foi apresentada pelos líderes da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e do MDB, Eduardo Braga (AM), e recebeu apoio de várias bancadas. "O acesso à informação é direito de todos e dever do Estado. Se o governo federal tenta omitir os dados da população, cabe ao Congresso Nacional informar a população", justificou Randolfe.

Braga também usou as redes sociais para criticar a postura do governo. "Semear a desinformação é semear o caos. É confundir a população, é impedir a construção de uma estratégia eficaz no combate à pandemia. Transparência nas informações públicas é dever do Estado e direito de cada cidadão", escreveu.

No Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes foi sorteado para relatar uma ação protocolada pelos partidos Rede, Psol e PCdoB contra a iniciativa do Ministério da Saúde de omitir informações da população. O ministro é alvo de críticas de bolsonaristas por mirar aliados do presidente da República no inquérito das "fake news". Ministros da Corte ouvidos pelo Valor também criticaram o presidente por suas declarações de que o STF teria dado total responsabilidade a Estados e municípios nas ações contra a pandemia. Para eles, Bolsonaro quis "lavar as mãos" sobre o seu papel na crise.

Leia:https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/06/09/alcolumbre-diz-que-congresso-fara-contabilidade-paralela.ghtml