Correio braziliense, n. 20825 , 29/05/2020. Economia, p.7

 

Câmara amplia prazo de acordos trabalhistas

Alessandra Azevedo

29/05/2020

 

 

Versão da MP 936 aprovada pelos deputados permite que programa de redução de salários em troca de estabilidade no emprego dure mais do que os três meses previstos. E estende até 2021 desoneração da folha das empresas. Assunto vai ao Senado

A Câmara aprovou, ontem à noite, a Medida Provisória (MP) 936, que permite corte de salários e suspensão de contratos trabalhistas durante a pandemia do novo coronavírus, com parte do valor perdido pelos funcionários pago pelo governo. A versão que recebeu aval dos deputados traz regras mais favoráveis às empresas, que pagarão menos impostos até o fim de 2021.

Já os empregados não tiveram o benefício ampliado, apesar de o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), ter proposto aumentar o valor máximo pago pelo governo, de R$ 1.813 para R$ 3.135. Apesar de o texto-base aprovado conter essa mudança, os deputados decidiram, em seguida, barrar o aumento, que custaria R$ 22 bilhões, de acordo com o Ministério da Economia.

Outro ponto positivo para o governo foi a permissão para que o programa dure mais do que os três meses iniciais, incluída no parecer. O presidente pode aumentar o prazo dos acordos de redução de jornada e suspensão de contratos por decreto, desde que não ultrapasse o período de calamidade pública — até 31 de dezembro de 2020.

A MP permite que as empresas cortem jornadas e salários em 25%, 50% ou 70%, por três meses, ou suspendam contratos, por dois meses. O governo pode autorizar, por decreto, que esses cortes sejam feitos por mais tempo, em todos os casos ou apenas em setores específicos da economia. Caso aumente o prazo de duração, a contrapartida do governo também precisará ser ampliada pelo mesmo período.

A matéria ainda precisa ser avaliada pelo Senado antes de virar lei. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), prorrogou a MP, que perderia a validade no fim de maio. Assim, os senadores têm mais 60 dias para discutir o assunto e ainda podem mudar o texto.

Após negociações com líderes partidários, o relator decidiu prorrogar a desoneração da folha de pagamentos para beneficiar empresas por mais tempo. A MP original liberava empregadores do desconto de 20% à Previdência Social até 31 de dezembro de 2020, desde que eles contribuam com 1% a 4,5% do faturamento bruto.

Orlando Silva estendeu o prazo até 31 de dezembro de 2021, um ano a mais, o que foi aprovado pelos deputados. A desoneração da folha beneficia 17 setores da economia, como construção civil, transportes rodoviário e metroferroviário, comunicação, segmentos de calçados, tecnologia da informação, call center e têxtil.

Acordos

Os deputados também mudaram os critérios de acordos feitos entre empresas e funcionários. O governo propôs que cortes salariais e suspensão de contratos poderiam ser feitos por acordo individual, direto com o patrão, para quem recebe até três salários mínimos (R$ 3.135) ou acima de duas vezes o teto do Regime Geral da Previdência Social (R$ 12.202,12). A participação do sindicato só seria necessária fora dessas faixas.

Com a nova versão do texto, a negociação individual poderá ser feita por quem recebe até dois salários mínimos (R$ 2.090), em empresas com receita bruta superior a R$ 4,8 milhões em 2019. Acima disso, o sindicato deve entrar. Para empresas com lucros inferiores a R$ 4,8 milhões, continua a possibilidade de acordos individuais para quem recebe até três salários mínimos.

Os acordos já celebrados com base na MP serão mantidos, mas, segundo o parecer, se houver conflito entre algum acordo individual e outro coletivo, que venha depois, devem valer as regras negociadas com o sindicato. “O trabalhador no meio de uma crise, sozinho, acertar o procedimento com a empresa, é algo muito difícil. Daí ser importante valorizar os acordos de convenções coletivas”, explicou o relator.

O texto também melhora as condições de pagamento de empréstimos consignados aos empregados que tiverem a redução de salário, suspensão do contrato e aos que comprovarem a contaminação pelo novo coronavírus. O texto garante redução das prestações na mesma proporção do corte de salário.

Além disso, o relator incluiu a garantia de que a estabilidade da empregada gestante só começará a contar quando acabar o período de licença-maternidade.

As principais mudanças aprovadas

O governo pode prorrogar o prazo dos acordos até o fim da calamidade pública

O cálculo do benefício pago ao trabalhador continua sendo com base no seguro-desemprego, com teto de R$ 1.813

A desoneração da folha de pagamento pode ser prorrogada até 31 de dezembro de 2021

Vedada a dispensa sem justa causa da pessoa com deficiência durante o período de calamidade pública

Redução na parcela do empréstimo consignado do trabalhador na mesma proporção do corte de salário

Estabilidade de empregadas gestantes só começa a valer depois da licença maternidade

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País tem 12,8 milhões de desempregados

Marina Barbosa

29/05/2020

 

 

A pandemia do novo coronavírus gerou uma série de recordes negativos no mercado de trabalho brasileiro. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desocupação avançou para 12,6% no trimestre encerrado em abril, elevando para 12,8 milhões o número de pessoas que estão sem emprego no país. E essa alta do desemprego ainda foi acompanhada por uma queda inédita da população ocupada, além de números igualmente recordes de subutilização e desalento — situação em que a pessoa desiste de procurar uma vaga por falta de esperança de encontrá-la.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada ontem, a taxa de desemprego era de 11,2% no trimestre móvel encerrado em janeiro. O período trimestral encerrado em abril sofreu o choque dos primeiros 45 dias da pandemia, o que fez 898 mil de pessoas entrarem na fila do desemprego nesse período, em que milhares de estabelecimentos comerciais precisaram fechar as portas para ajudar a reduzir a curva de contágio da covid-19.

“A queda do nível de emprego foi disseminada em praticamente todas as atividades econômicas”, afirmou a analista da Pnad, Adriana Beringuy. De 10 atividades, sete tiveram queda acentuada. “Todos sentiram o baque, sejam empregados com carteira assinada do setor privado (-4,5%), trabalhadores por conta própria (-4,9%) ou sem carteira (-13,2%)”, acrescentou. Trabalhadores informais, que, normalmente, são mais resilientes a situações de crise, também sofreram. Por isso, a taxa de informalidade caiu de 40,7% para 38,8%, levando o contingente de trabalhadores informais para 34,6 milhões de pessoas — o menor nível da série histórica.

O resultado dessa queda generalizada do emprego formal e informal foi um tombo recorde da população ocupada. Segundo o IBGE, a taxa de ocupação caiu de 54,8% para 51,6% da população ativa, chegando ao menor nível da série histórica iniciada em 2012.

Para alguns analistas, essa queda preocupa até que mais que o aumento do desemprego. É que isso significa que 4,9 milhões de pessoas deixaram de trabalhar entre fevereiro e março — volume que ainda não foi totalmente captado pela taxa de desemprego de 12,6% apresentado pela Pnad.

“O aumento do desemprego foi pequeno diante dessa queda da população ocupada, porque as pessoas perderam o emprego, mas não foram procurar trabalho, porque ficaram em casa seguindo as recomendações da quarentena. Se todas elas tivessem buscado emprego, essa taxa já estaria em 15,5%”, avaliou o pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV/Ibre Daniel Duque.

É por isso que a Pnad também registrou um aumento inédito na população que está fora da força de trabalho, que cresceu 7,9% chegando a 70,9 milhões de pessoas. Além disso, a pesquisa mostrou que o número de desalentados bateu o recorde de 5 milhões de pessoas, um aumento de 7% em relação ao trimestre anterior. E a subutilização avançou 8,7%, chegando ao nível, também sem precedentes, de 28,7 milhões de pessoas.

 "A queda da população ocupada teve um efeito importante: a redução de R$ 7,3 bilhões na massa de rendimento, uma vez que, menos pessoas trabalhando, a massa de rendimento circulante na economia também apresenta uma queda acentuada”, acrescentou Adriana Beringuy.

O cenário não deixa boas perspectivas para o mercado de trabalho brasileiro. Economistas já calculam até que a taxa de desemprego ainda pode chegar a 16% ou 18% neste ano. Daniel Duque explica que boa parte dos trabalhadores que hoje estão em quarentena uma hora vai procurar emprego, e novas demissões serão contabilizadas nos próximos meses já que as empresas continuam ajustando seu quadro de pessoal ao novo contexto econômico. 

Frases

“A demissão pegou todos de surpresa. As finanças ficaram no vermelho, eu tinha casamento agendado para o começo de maio e adiei para agosto. Estou fazendo freelancer na área de informática e pretendo começar meu próprio negócio"

 Fellipe Salazar, 22 anos, técnico em informática

“Eu era operadora de caixa em uma ótica. Fui demitida em março. Estou procurando um novo emprego e não quero continuar na mesma área, embora também não tenha muita escolha. Qualquer coisa que aparecer, a gente vai”

Thássia Brito, 25 anos