O globo, n. 31687, 09/05/2020. País, p. 14

 

Moraes ignora recurso da AGU a arquiva caso Ramagem

Thais Arbex

Talento Aguirre

09/05/2020

 

 

Governo pediu que ministro reconsiderasse veto à nomeação para a PF; ação foi pivô de crise entre Bolsonaro e o Supremo
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ignorou o recurso apresentado pelo governo e arquivou o processo que debatia na Corte a nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal. Ele entendeu que a ação inicialmente movida pelo PDT contra a nomeação de Ramagem perdeu o objeto depois que o governo recuou da indicação e nomeou para o cargo outro delegado, Rolando Alexandre de Souza.

O caso foi o estopim de uma série de críticas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo sob a acusação de interferência indevida entre os poderes, posicionamento que teve respaldo dos militares. A decisão de Moraes de impedir a posse ocorreu no dia 29 de abril. O pedido de reconsideração da decisão inicial de Ramagem foi protocolado pela A Advocacia Geral da União (AGU) anteontem. Sustentava que a nomeação cumpriu a todos os requisitos legais. "Impedi-lo de exercer o cargo por meras especulações acerca de suposta conduta parcial no exercício das funções, além de ser mero exercício de futurologia, significa puni-lo sem qualquer razão jurídica. Ademais, impedi-lo de ser nomeado significa presumir futura má-fé, absolutamente inadmissível, visto que erigida em completo estado de subversão jurídica, sem falar do intolerável desrespeito ao servidor público federal", diz a AGU. Moraes, porém, entende que o caso já está resolvido. Para o ministro, o fato de Bolsonaro ter tornado a nomeação sem efeito e investido no cargo outro delegado faz com que o pedido do

PDT para impedir a posse de Ramagem não deva mais tramitar na Corte. "Como já tive oportunidade de ressaltar, nestas hipóteses, não se vislumbra a possibilidade do surgimento de qualquer benefício prático na continuação do processo. Diante do exposto, julgo prejudicado o mandado de segurança", escreveu o ministro.

 DESVIO DE FINALIDADE

Na decisão inicial, Moraes apontou desvio de finalidade na nomeação e determinou a suspensão dos efeitos até a conclusão do inquérito aberto na Corte para investigar as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro no pronunciamento no qual anunciou sua demissão da pasta. Moro acusou o presidente de buscar interferir na PF. Para Moraes, o fato de Ramagem ter sido coordenador da segurança da campanha do presidente e ser amigo da família Bolsonaro justificavam a suspensão da nomeação até que o inquérito no STF seja concluído.

A AGU chegou a anunciar que não haveria recurso, mas Bolsonaro ordenou que o órgão contestasse legalmente a decisão. Em entrevista no dia seguinte a Moraes ter barrado a posse, o presidente disse não ter "engolido" a decisão e fez ataques diretos ao ministro, o acusando de só ter chegado ao STF por amizade com o ex presidente Michel Temer, responsável por sua indicação à Corte. Bolsonaro recebeu suporte nos bastidores de militares do governo e também generais da ativa. No domingo passado, congratulou-se com manifestantes que protestaram em frente ao Palácio do Planalto com palavras de ordens e faixas com ataques ao Supremo. O presidente disse ter o apoio das Forças Armadas e que tinha chegado "ao limite". A decisão de Moraes também tinha gerado desconforto dentro do Supremo. O presidente da Corte, Dias Toffoli, e o ministro Gilmar Mendes fizeram questão de comparecer à posse de André Luiz Mendonça no ministério da Justiça, em um gesto a Bolsonaro de que não havia uma posição institucional contra ele. A radicalização de Bolsonaro nos ataques a Moraes, porém, fez com que os ministros do STF decidissem prestar solidariedade ao colega atacado. E nesta semana, o presidente da Corte fez um pronunciamento criticando os protestos antidemocráticos.