Correio braziliense, n. 20824 , 28/05/2020. Política, p.9

 

STJ decide que caso Marielle fica no Rio

Augusto Fernandes

28/05/2020

 

 

PODER » 3ª Seção rejeita, por unanimidade, pedido de federalização. Relatora não viu “inércia ou inação” dos investigadores. Resultado atende parentes e colegas de partido

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, manter o inquérito que apura as mortes da vereadora carioca Marielle Franco (PSol) e do motorista Anderson Gomes sob competência dos órgãos de investigação do Rio de Janeiro. Ontem, a 3ª Seção da Corte rejeitou um pedido de federalização do caso, elaborado pela ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge, em setembro de 2019. À época, ela sugeriu a transferência das investigações para a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal devido à “inércia dos órgãos estaduais” por ainda não terem alcançado o mandante do crime.

Para os ministros do colegiado do STJ, contudo, não houve “inércia ou inação” da Polícia Civil, do Ministério Público do Rio de Janeiro ou da Justiça estadual. Relatora do pedido na Corte, a ministra Laurita Vaz foi a primeira a defender o argumento e também disse que uma eventual federalização do caso poderia “frustrar os resultados perseguidos”.

Segundo Laurita, houve “notório empenho da equipe de policiais civis da Delegacia de Homicídios e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o que desautoriza o atendimento ao pedido de deslocamento do caso para a esfera federal”. E acrescentou:“Basta uma breve leitura para se constatar que não há conivência ou imobilidade das autoridades locais na apuração de crimes praticados por milicianos. Não há sombra de descaso, desinteresse, desídia ou falta de condições pessoais ou materiais das instituições estaduais encarregadas de investigar, processar e punir os eventuais responsáveis pela grave violação a direitos humanos”, disse a magistrada, no seu voto.

Os ministros Felix Fischer, Jorge Mussi, Sebastião Reis, Rogerio Schietti, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha e Joel Paciornik seguiram o voto da ministra.

No fim do ano passado, a possibilidade de federalização das investigações mexeu com o governo de Jair Bolsonaro, sobretudo após o depoimento de um porteiro que citou o nome do presidente durante depoimento à Polícia Civil. O episódio levou-o a pedir ao então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que a PF interferisse no inquérito para apurar as acusações do porteiro.

Bolsonaro chegou a dizer que deixar as investigações nas mãos de órgãos ligados ao governo federal “seria bom”, mas sempre temeu que isso poderia ser indicativo para blindarem-no “com a PF”. Em um primeiro momento, Moro defendeu a federalização, mas mudou de opinião no início deste ano.

Vitória

Políticos, parentes e entidades vinculadas às vítimas comemoraram a decisão do STJ. O Instituto Marielle Franco classificou o resultado como “vitória”. Nas últimas semanas, a organização fez uma ampla mobilização nas redes sociais pedindo a não federalização do caso. “Foram mais de 150 mil pessoas e mais de 200 organizações da sociedade civil assinando contra a federalização. Um passo muito importante, mas sabemos que a luta por justiça por Marielle e Anderson ainda é longa. Precisamos continuar cobrando por respostas”, afirmou a entidade.

Viúva de Marielle, Monica Benicio também aprovou a decisão do STJ. “A luta por justiça para o caso Marielle e Anderson é de todos, é luta por um país mais igualitário. Com unanimidade, o STJ mostrou que compreendeu isso e votou contra o retrocesso. É nossa chance de seguir com esperança e cobrando justiça por Marielle e Anderson”, disse.

A deputada federal Talíria Petrone (RJ), colega de Marielle no PSol, destacou que “esse é um importante passo para solucionar esse crime político contra nossa companheira. Vitória dos que não querem que a execução política de nossa amiga e companheira fique sem resposta”, afirmou.