Valor econômico, v.21, n.5016, 05/06/2020. Política, p. A8

 

Câmara e Senado buscam texto para 'fake news'

Renan Truffi 

Marcelo Ribeiro 

Vandson Lima 

05/06/2020

 

 

O Senado e a Câmara dos Deputados decidiram unir forças para tentar construir um projeto de combate à disseminação das "fake news" sem que isso represente perda de liberdade de expressão. Representantes das duas Casas têm dialogado com as plataformas e organizações da sociedade civil para redigir um texto "equilibrado" e de consenso. O objetivo é passar uma imagem de união do Parlamento em torno da proposta, caso o Palácio do Planalto decida vetar algum dos dispositivos.

No Senado, as conversas vêm sendo conduzidas pelo autor do projeto, Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), escalou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) para fazer a interlocução com "think tanks" e especialistas em comunicação na web. A ideia é que os parlamentares consigam elaborar, até o fim de semana, um texto que tenha o apoio da maioria dos congressistas.

"Combinei com alguns deputados que a gente tente construir texto até amanhã [esta sexta-feira]. Com esse texto, a gente pede uma reunião aos senadores e mostra qual é a posição que tem alguma harmonia na Câmara. Estamos tentando construir isso até amanhã à noite para, no final de semana, apresentar pré-proposta que tenha apoio majoritário na Câmara", disse Maia.

Neste sentido, integrantes do primeiro escalão da Câmara irão trabalhar para garantir que as votações do projeto tenham apoio da totalidade dos parlamentares, com exceção dos bolsonaristas. O objetivo é "tornar mais constrangedor" um eventual veto de Bolsonaro sobre o tema. A disposição do chefe do Poder Executivo em vetar trechos do texto vem da expectativa do Palácio do Planalto de que o projeto possa representar mais uma ameaça ao próprio presidente e seus aliados, em novas investigações.

"Não podemos esquecer que todo projeto tem risco de veto e, com risco de veto, é importante que Câmara e Senado estejam trabalhando de forma harmônica", disse Maia, na quinta-feira. Uma votação expressiva a favor do texto nas duas Casas antecipará a Bolsonaro o sentimento dos congressistas. Caso vete, o presidente já saberá que há disposição no Parlamento para derrubar esses mesmos vetos.

Além disso, lideranças partidárias que defendem o projeto têm concentrado atenções na atuação do Centrão, grupo que se aproximou de Bolsonaro para compor a base do governo em troca de cargos. O objetivo é minar qualquer intenção do bloco de "blindar o presidente" por meio da desidratação do projeto durante a tramitação.

Do lado da sociedade civil também há esforço por um entendimento conjunto. Grupos como a Coalizão dos Direitos na Rede, o Instituto de Tecnologia Social (ITS) e o Avaaz vinham defendendo propostas diferentes, mas, nos últimos dias, sinalizaram por um "pacto" e optaram por tentar buscar algum consenso nos pleitos. Essas organizações, por sua vez, também têm dialogado com as plataformas (Twitter e Facebook).

Apesar disso, há ainda alguns prontos de preocupação para esses grupos. O mais importante deles é que trata da identificação do usuário. Isso porque um dos artigos coloca como sugestão que as redes sociais passem a requerer algum tipo de documento, como RG ou CPF, dos internautas. "É preciso garantir o direito à privacidade dos usuário. Isso não vai ser feito coletando CPF e um RG, documentos que a gente sabe que podem ser facilmente falsificados na internet", argumenta Bia Barbosa, integrante da Coalizão Direitos na Rede. Também é motivo de apreensão os artigos que tratam da criminalização de usuários. O temor é que esse tipo de dispositivo seja eventualmente usado por procuradores e juízes para uma penalização irrestrita ou excessiva.