Valor econômico, v.21, n.5016, 05/06/2020. Brasil, p. A5

 

"Amazônia enfrenta crise ambiental, econômica e social"

Daniela Chiaretti

05/06/2020

 

 

Para o agrônomo Adalberto Veríssimo, que estuda o desenvolvimento sustentável da Amazônia há 30 anos, há três “Amazônias” - uma desmatada, outra sob pressão e uma terceira, florestada. As abordagens na região teriam que levar em conta três realidades. Recuperar, apoiar e investir em uma economia vibrante na primeira área, conter o desmatamento na segunda, e buscar ajuda internacional para desenvolver, mantendo a floresta em pé, a terceira. “O que temos agora é o pior dos mundos. Continuamos a destruir a floresta e continuamos pobres.

Na visão de Veríssimo, fundador e pesquisador sênior do Imazon, renomado institutos de pesquisa da região, o Brasil tem pouco a comemorar neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente. “Vivemos uma tempestade perfeita na Amazônia Legal”, resume ele, apontando a crise ambiental, social e econômica. O desmatamento está em alta, a região continua com indicadores sociais ruins e a economia segue pífia.

O pesquisador, contudo, vê saídas. Nos municípios do arco do desmatamento, recomenda que o Estado invista na melhoria das estradas, na regularização fundiária, na assistência técnica aos produtores rurais e na recuperação das áreas degradadas. Na Amazônia mais ameaçada, a ação deveria ser de conter o desmatamento e a atividade ilegal. Ali, diz, a “indústria da invasão” está destruindo “como uma nuvem de gafanhotos”.

Finalmente, na Amazônia “florestada”, como ele diz, a estratégia deveria ser buscar mecanismos internacionais que ajudem o Brasil a desenvolver sem devastar e combatendo a pobreza.

Veríssimo, que criou o Centro de Empreendedorismo da Amazônia em Belém e hoje é também pesquisador visitante na Universidade de Princeton, nos EUA, deu entrevista ao Valor, por telefone. A seguir, alguns trechos:

Três crises simultâneas
A Amazônia vive uma tempestade perfeita. Estamos enfrentando uma tripla crise na região - ambiental, econômica e social. As queimadas de 2019 foram a face visível do problema ambiental, que se expressa pelo desmatamento em alta. O PIB per capita da Amazônia, na maior parte dos Estados, está abaixo que a média nacional. E não foi por acaso que a crise da covid-19 explodiu na Amazônia. A região tem estrutura de saúde precária. Os quatro piores Estados, no ranking nacional de leitos de UTI por 100 mil habitantes, são amazônicos: Amapá, Pará, Roraima e Maranhão.

O déficit social
A Amazônia é região pobre, com serviços sociais precários. Tem déficit de infraestrutura, saneamento, saúde, comunicação, cidades com problemas sérios de mobilidade e segurança. Falta tudo o que compõe a cesta de qualidade de vida hoje.

Trajetória do desmate
O desmatamento atingiu o pico em 2004, com 27 mil km2. Depois caiu até 2012, quando chegamos a 4500 km2, a menor taxa da história. A partir de 2013 começou a subir e a oscilar, ficando entre 5 mil e 6 mil km2. No primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, com um pedaço de Michel Temer - de agosto de 2018 a julho de 2019 -, atingimos 10 mil km2. Este é o último grande número em 10 anos.

Cenário atual
Este ano, segundo os dados do sistema Deter (do Inpe) e do Imazon, a indicação é que continuamos aumentando. Faltam ainda os dados de maio, junho e julho, mas o retrato de nove meses da safra do desmatamento indicam que podemos ter novo aumento. O resultado pode ser maior do que o ano passado. Faltam três meses, podemos ter uma boa surpresa. Mas os dados acumulados nos últimos nove meses mostram um aumento de 81%, comparando o período entre agosto de 2019 e abril de 2020 a igual período anterior.

Sem floresta e desenvolvimento
O desmatamento sobe na Amazônia, de forma expressiva, mesmo em um momento em que as atividades econômicas estão reduzidas com a pandemia. Isso mostra que a derrubada da floresta não tem relação com a economia e com crescimento econômico. Os anos em que o PIB brasileiro mais cresceu foram também os que o desmatamento mais caiu. O desmatamento e a curva do PIB não se encontram. São curvas diferentes.

O desmatamento na Amazônia não está relacionado com o crescimento econômico. É fenômeno relacionado com a invasão de florestas públicas. Trata-se de roubo e invasão de patrimônio público.

Ilhas de prosperidade
A base da economia da Amazônia é matéria-prima. Exportamos matéria-prima e produzimos poucos produtos de valor agregado. Temos uma economia sem dinamismo, sem atrair investimentos, com poucas exceções. A mineração da Amazônia tem capacidade de geração de renda. Há algumas ilhas de relativa prosperidade econômica, como áreas do agronegócio no Mato Grosso ou uma produção de cacau de qualidade ao longo da Transamazônica.

Pouca riqueza e muita emissão
No final da década de 70, o total desmatado da Amazônia era próximo a 2%, e a participação da Amazônia no PIB nacional, 8%. O modelo que vigorou por décadas era o que dizia que a floresta não tinha valor e que era preciso derrubá-la para ter atividades econômicas como pecuária e agricultura. Que isso geraria prosperidade. O resultado é que não gerou.

A Amazônia Legal ainda participa com 8% do PIB. Mas perdeu 20% das florestas, degradou outra parte e continua com participação pífia no PIB nacional. Pior: 42% das emissões de gases-estufa do Brasil vêm da Amazônia. Esta é uma economia reprovada no século 21: produz pouca riqueza para tanta pegada de carbono.

Nos anos em que reduzimos muito o desmatamento, não conseguimos mudar a base da economia da Amazônia. Que pudesse ser uma economia ligada à floresta, baseada na legalidade e mais vibrante. O Brasil ainda não montou um projeto de desenvolvimento sustentável para a região.

O que fazer na área desmatada
Podemos dividir a Amazônia em três. No arco do desmatamento, que vai do leste e sul do Pará, norte do Mato Grosso, corta Rondônia, chega ao Acre e bordeja o sul do Amazonas, fica a “Amazônia desmatada”. Aqui apenas 10% da área desmatada está sendo usada com produtividade na média da agropecuária brasileira. Outros 60% têm uso agropecuário com baixíssima produtividade. Há muito espaço para melhorar. E existem 30% de terras desmatadas, degradadas e abandonadas. Precisa investir para recuperar o solo.

Nesta Amazônia, que corresponde a 20% do total, a agenda tem que ser de intensificação do uso da terra, de aproveitar as áreas já abertas, dar assistência técnica. Transformar o abandono em áreas de boa produtividade agropecuária que irão produzir carne, soja, dendê, milho, florestas de eucalipto, ter sistemas agroflorestais.

Se precisar fazer regularização fundiária nesta área, excelente, porque ali há gente assentada há muito tempo. É preciso melhorar a rede de estradas vicinais. O Estado brasileiro tem que fazer investimentos para que esta região possa ser vibrante e gerar emprego e renda. Tem que ter investimento em boas práticas para que se aumente a produtividade. São investimentos que o Brasil pode fazer.

Essa agenda de intensificação de uso da terra e infraestrutura requer investimentos públicos. O Brasil deveria priorizar estas áreas para que fossem melhor usadas.

O que fazer na área sob pressão
Digo que 40% da região é a “Amazônia sob pressão”. É São Félix do Araguaia, Novo Progresso, Itaituba, Altamira, Humaitá, municípios com bastante floresta, mas onde há um acelerado processo de desmatamento explodindo, com dinâmica baseada na grilagem e na invasão de florestas públicas. Esta ocupação irá gerar crise, conflitos e pobreza. São cidades que depois ficam dependendo de transferências públicas.

Isso acontece porque há várias tentativas de fazer com que estas áreas recém invadidas e ocupadas sejam legitimadas. É uma indústria de invasão de florestas públicas. A má imagem brasileira no mundo vem daqui. Fazer a regularização fundiária é correto, mas lá na Amazônia desmatada. Mas fazer processos de regularização subsequentes irá criar uma indústria da invasão que vai acabar com a Amazônia. É como uma nuvem de gafanhoto e cupim consumindo tudo.

A região dos serviços ambientais
Na região que chamo de “Amazônia florestada” há reservas indígenas e floresta em bom estado. Aqui a agenda importante é de serviços ambientais. Esta floresta produz muito. Está bombeando água, forma “rios voadores” que vão ao Centro-Sul e ajudam a irrigar o agronegócio brasileiro, enchem os reservatórios de água. É uma região com pobreza, mas não miséria. Tem que ter uma agenda de desenvolvimento social para esta região. Trata-se de manter a floresta em pé e tentar encontrar mecanismos de transferência de renda. O Brasil merecia receber pagamento de serviços ambientais do resto do planeta porque a floresta desempenha um papel importante. Claro que para isso o país tem que controlar o desmatamento.

Controle de danos
É uma agenda em três etapas. Primeiro é preciso parar de perder floresta. É o controle de danos: temos que conter o desmatamento, o fogo, a ilegalidade com comando e controle. É preciso impor a lei e evitar um saque ao patrimônio público brasileiro que está sendo destruído para nada.

Tem que haver uma boa pecuária na Amazônia, intensificada, capaz de agregar tecnologia com produtividade maior. Tem o setor agroflorestal que está crescendo. É uma agenda que precisa ser construída por uma década, precisa de políticas públicas e investimentos de longo prazo. O Brasil não tem caixa para bancar tudo isso. Acho que o mundo deveria pagar pelos serviços ambientais que a Amazônia presta e contribuir para o seu desenvolvimento. Não vamos proteger a Amazônia com miséria, mas com desenvolvimento que mantenha a floresta em pé. O que temos agora é o pior dos mundos. Continuamos a destruir a floresta e continuamos pobres.