Valor econômico, v.21, n.5016, 05/06/2020. Brasil, p. A4

 

Cresce rejeição internacional a políticas do governo Bolsonaro

Assis Moreira

05/06/2020

 

 

A aversão à política ambiental e outras posições do governo de Jair Bolsonaro aumenta na Europa e agora também no Congresso dos EUA, podendo trazer sérios prejuízos para produtores agrícolas brasileiros nesses mercados.

Na quarta-feira, grupos de oposição no Parlamento da Holanda conseguiram aprovar uma rejeição à ratificação do acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, ilustrando a dificuldade que Bruxelas terá para convencer os europeus a aceitar o tratado.

A votação holandesa não efeito vinculante como foi o caso da rejeição do Parlamento da Áustria ao acordo UE-Mercosul. Ou seja, a decisão de parlamentares holandeses tem efeito político, mas não legal. Já no caso da Áustria, o governo fica amarrado para buscar eventual mudança no tratado.

A decisão holandesa, contudo, é relevante, ainda mais vindo de um país com tradição liberal e história de atividade comercial no mundo todo. Segundo nota do banco ING, a decisão de parlamentares holandeses foi alimentada, por exemplo, por temores de agricultores de que os produtores de carnes e açúcar do Mercosul usariam vantagens competitivas desleais. E, em segundo lugar, pela preocupação com enfraquecimento da proteção ambiental no Brasil.

Também coincidiu com recente relatório publicado pelo Parlamento Europeu sobre a floresta Amazônica, na qual a mensagem política é clara oposição à política ambiental brasileira. Exemplifica que a atual taxa de desmatamento da Amazônia e violação de programas para os indígenas desafiam "a confiança global no compromisso do país em relação a acordos internacionais".

Nos EUA, agora foi a vez de um grupo de 24 deputados americanos, todos democratas e membros do poderoso "Ways and Means Committee", enviar uma carta ontem ao representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer, manifestando "fortes objeções a buscar acordo comercial ou parceria econômica ampliada com o presidente Jair Bolsonaro". Os representantes democratas consideram ser "inapropriado para a administração [de Donald Trump] se engajar em discussões de parceria econômica de qualquer escopo com um líder brasileiro que desrespeita o Estado de Direito e desmantela ativamente o árduo progresso nos direitos civis, humanos, ambientais e trabalhistas".

Destacam que Bolsonaro foi eleito à presidência em meio a "controvérsias provocadas por sua longa e consistente história de declarações depreciativas sobre mulheres, populações indígenas e gênero ou orientação sexual", além de seu desejo "de enfraquecer proteções para trabalhadores e o ambiente". Os parlamentares democratas argumentam também que as posições pelo Brasil sob Bolsonaro demonstram que o país não estaria preparado com credibilidade para assumir novos padrões para direitos trabalhistas e proteção ambiental estabelecidos no acordo EUA-México-Canadá".

Insistem que negociar qualquer acordo comercial com o Brasil é um "non-starter". Igualmente reclamam que os EUA são um grande importador de muitos dos produtos produzidos "como resultado do desmatamento brasileiro".

Recentemente, associação de varejistas no Reino Unido deflagrou o sinal de alerta sobre proteção ambiental e produção brasileira, sinalizando com paralisação de importações. Para a diplomacia brasileira, foi um recado de que retaliações podem ocorrer contra produtos brasileiros, se for aprovado no Parlamento um projeto de lei conhecido como "Projeto da Grilagem".

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Amigo de Bannon, Gerald Brant pode quebrar tabu e ter cargo no Itamaraty

Daniel Rittner

05/06/2020

 

 

O executivo do mercado financeiro Gerald Brant, diretor de uma empresa de investimentos em Wall Street e bastante próximo do estrategista americano Steve Bannon, é cotado para assumir um cargo relevante no Ministério das Relações Exteriores.

Ele foi sondado para atuar como uma espécie de "conselheiro" do Itamaraty, como assessor especial e ligado diretamente ao gabinete do chanceler Ernesto Araújo, conforme apurou o Valor. Brant, que mora em Nova York, ainda não teria batido o martelo na sua vinda para o governo Jair Bolsonaro. A interlocutores, o executivo afirmou que está disposto a se somar como "soldado" e por "algum tempo".

Filho de mãe americana e pai brasileiro, que trabalhava no Itamaraty, Brant nasceu em Chicago e morou no Rio de Janeiro na juventude. Passou parte da infância em Varsóvia, quando a Polônia era parte da União Soviética, e por isso brinca que é "anticomunista desde criancinha".

Forte defensor do liberalismo econômico e conservador nos costumes, ele foi peça-chave na organização da primeira visita do então pré-candidato Bolsonaro a Nova York, no fim de 2017. Brant construiu pontes para sua ida ao Council of Foreign Relations - prestigiado centro de estudos americano - e o ajudou a sentar-se frente a frente com importantes investidores e analistas financeiros, numa época em que o brasileiro era desconhecido no exterior.

Amigo de longa data do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), ajudou na aproximação da família presidencial com Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump e fundador do grupo internacional de direita Movimento.

Os dois - Bannon e Brant - organizaram, em março do ano passado, um evento em Washington para homenagear o escritor Olavo de Carvalho e apresentar sua obra a formadores de opinião de linha conservadora nos Estados Unidos. No evento, o executivo distribuiu aos participantes bonés com o lema "Make Brazil Great Again".

Todos eles participaram, na noite seguinte, de um jantar de Bolsonaro com conservadores americanos na embaixada do Brasil. Naquela viagem, o presidente brasileiro encontrou-se com Trump na Casa Branca, quando obteve apoio formal dos Estados Unidos à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a designação do país como aliado extra-Otan.

As gestões de José Serra e Aloysio Nunes (governo Michel Temer), no Itamaraty, tiveram nomeações em caráter temporário de assessores fora da carreira diplomática - embora nomes de muito menos relevância, sem conexão direta com o presidente e por meio da cessão de outros órgãos da Esplanada, como a Apex.

Nos primeiros dias de Araújo como chanceler, entretanto, um decreto presidencial permitiu a nomeação de três assessores especiais de fora do Itamaraty, o que representava uma quebra de paradigma e provocou aflição entre servidores. A prerrogativa nunca foi efetivamente exercida e Brant, caso confirme sua vinda, seria o primeiro caso registrado.

O Itamaraty passa pela segunda onda de reformulação desde a chegada de Araújo. Além de mudança em embaixadas relevantes, como Buenos Aires e Santiago, o chanceler está trocando secretarias e outros cargos de confiança. Uma das substituições foi a do chefe de comunicação, o diplomata João Alfredo dos Anjos, com quem Araújo vinha demonstrando insatisfação pela dificuldade em conter reportagens mais críticas na imprensa.

Nas redes sociais, o chanceler respondeu duramente à publicação de um artigo co-assinado por ex-ministros e ex-embaixadores, classificando o texto como "mantra patético" que tenta "compensar com estridência a falta de ideias". O artigo foi firmado por Fernando Henrique Cardoso, Celso Amorim, Celso Lafer, Rubens Ricupero, Aloysio Nunes, José Serra, Francisco Rezek e Hussein Kalout. Eles manifestaram preocupação com a "sistemática violação" de princípios constitucionais pela atual política externa.

Araújo chamou os autores de "paladinos da hipocrisia" e cobrou, em postagem no Twitter, que "não fiquem usando a Constituição como guardanapo para enxugar da boca a sua sede de poder".