O globo, n. 31686, 08/05/2020. Economia, p. 17

 

Socorro a estados

Marco Grillo

Geralda Doca

08/05/2020

 

 

A pedido de Guedes, Bolsonaro diz que vetará reajuste salarial de servidores

ADRIANO MACHADO/REUTERSPedido público. “Estou sugerindo ao presidente que vete e que permita que a contribuição do funcionalismo público seja dada para o bem de todos nós e deles, perante também a opinião pública”, disse Guedes

 Pressionado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro disse ontem que vetará o trecho do projeto de lei de socorro a estados e municípios que abre espaço para que servidores públicos tenham aumento salarial. O congelamento de salários do funcionalismo foi proposto pela equipe econômica como contrapartida ao socorro aos entes federados diante da crise do coronavírus, mas foi desidratado no Congresso. Bolsonaro, que era resistente a apoiar a medida, foi convencido por Guedes na manhã de ontem.

— O Parlamento entendeu que certas categorias poderiam ter reajustes. Eu sigo a cartilha de Paulo Guedes na Economia e não é de maneira cega, é de maneira consciente, e com razão. Se ele acha que deve ser vetado esse dispositivo, assim será feito —disse Bolsonaro, após se reunir com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, com Guedes e empresários.

A fala de Bolsonaro ocorreu após o ministro da Economia pedir publicamente pelo veto: — Estou sugerindo ao presidente que vete e que permita que a contribuição do funcionalismo público seja dada para o bem de todos nós e deles, perante também a opinião pública brasileira.

COTA DE SACRIFÍCIO

Durante a reunião com empresários, Guedes comparou pedir reajuste na crise a“aproveitar que o gigante caiu e vero que podemos tirar dele”:

—A hora em que o país tem uma crise como essa, a pergunta que sempre fazemos é a seguinte: que sacrifício ou contribuição podemos dar para a nação? E não aproveitar que o gigante caiu e ver o que podemos tirar dele.

Caso Bolsonaro confirme o veto, o Congresso pode derrubara decisão presidencial. Perguntado sobre essa possibilidade, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que foi relator do projeto, limitou-se a dizer que vetar ou não “é um direito” do presidente da República.

Ontem, em um manifesto, 13 entidades ligadas a servidores da segurança pública pediram para que Bolsonaro reconsidere a decisão ou que o Congresso derrube o veto.

O pacote de ajuda a governos locais foi aprovado na quarta-feira pelo Senado e enviado à sanção presidencial, após ter passado também pela Câmara. O texto prevê repasses de R $60 bilhões a estados e municípios, além de um auxílio de R$ 60 bilhões por meio de suspensão de dívidas coma União e bancos públicos. Em troca, o governo federal propôs a suspensão de reajustes para todos os servidores federais, estaduais e municipais por 18 meses.

No Congresso, categorias como professores, policiais e peritos ficaram de fora do congelamento, com apoio do líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO), que orientou voto “sim” à mudança.

Na tarde de ontem, após anunciar o veto, Bolsonaro disse entender a “sensibilidade do parlamentar”, ao defender Vitor Hugo:

—Para não levar uma lapada de 400 (votos) a 50, ele encaminhou “sim” também.

O presidente voltou a afirmar que os servidores precisam dar sua cota de sacrifício:

— Digo aos servidores que eu gostaria que todo mundo pudesse ter o reajuste, mas a arrecadação está caindo, não tem dinheiro. Tem estado que, se não fosse o socorro do governo, não ia pagar servidor a partir do mês que vem.

Nas últimas semanas, Guedes e Bolsonaro divergiram sobre a necessidade de suspender reajustes salariais, porque o presidente estava preocupado com o ônus político da medida.

A mudança de posicionamento de Bolsonaro só ocorreu após uma conversa ontem com o ministro. Segundo um auxiliar, Guedes não ameaçou entregar o cargo, mas demonstrou seu aborrecimento. Disse que seria inaceitável falar em aumento de salário para algumas categorias, enquanto a maioria dos trabalhadores está tendo salários reduzidos ou perdendo o emprego por conta da crise.

Técnicos de equipe econômica calculam que, se todos os servidores tivessem salários congelados, R$ 130 bilhões seriam economizados. Com categorias protegidas, esse impacto cai para R$ 43 bilhões.

A conta é uma projeção de gastos com base no crescimento das despesas com pessoal na União e em cada estado e município nos últimos três anos. Para estimar o impacto da blindagem de categorias, os técnicos consideraram que 85% das despesas com a folha em estados e municípios são em saúde, segurança e educação.

Em Minas Gerais, as categorias que ficariam fora do congelamento correspondem a 91% da folha. O estado, que convive com uma grave situação fiscal, começa a enfrentar dificuldades para honrar seus compromissos. Os salários de maio foram garantidos somente para os trabalhadores da saúde e da segurança. No entanto, só serão pagos no dia 15 do mês. Os demais seguem sem previsão de receber.

— Não temos a mínima condição de dar aumento salarial — afirmou Gustavo Barbosa, secretário de Fazenda do estado.

Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, secretário de Fazenda do Rio, considera a discussão sobre reajuste salarial “inócua”, uma vez que, desde 2017, não concede aumento aos servidores, com exceção de benefícios específicos, por conta do Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Atualmente, cerca de 80% da folha de pagamento é de servidores da educação.

TODOS SERIAM AFETADOS

Segundo os técnicos, o veto deve afetar todas as categorias beneficiadas pela Câmara. Uma fonte explicou que não é possível vetar apenas um trecho de um dispositivo legal. Na redação aprovada pelo Senado, as exceções ao congelamento salarial estão todas descritas em um único parágrafo.

Além dos profissionais de saúde, estão nesse dispositivo policiais militares, policiais civis, militares das Forças Armadas, profissionais da educação e profissionais de limpeza urbana. Ou seja, o veto proibiria reajustes salariais para todas essas categorias.

O texto, no entanto, abre a possibilidade de que profissionais de saúde (incluindo médicos e enfermeiros) recebam gratificações durante o período de combate à pandemia. Esse trecho não deve ser vetado pelo presidente da República.

A derrota no Congresso foi a segunda contrariedade de Guedes em poucas semanas, depois de ter sido surpreendido com anúncio do plano Pró-Brasil, com previsão de expansão de gastos públicos.

O novo embate entre Guedes e Bolsonaro, no entanto, foi malvisto por integrantes da ala política. Uma fonte viu no episódio um sinal de falta de “traquejo político” de Guedes, ao contrariar a posição do presidente e depois pedir apoio público.

AS IDAS E VINDAS DO PROJETO DE AJUDA AOS GOVERNOS LOCAIS

1 Primeira versão do projeto aprovado na Câmara: R$ 89,6 bi

A primeira versão do projeto de socorro a estados foi aprovado na Câmara no dia 13 de abril. O texto previa que a União cobrisse as perdas na arrecadação de impostos nos estados e municípios. Em caso de queda de 30% nas receitas, o impacto seria de R$ 89,6 bilhões. O Ministério da Economia foi contra porque considerou a medida um “cheque em branco”, com impacto fiscal imprevisível.

2 Proposta alternativa do governo federal: pacote de R$ 77,4 bi

Depois da derrota na Câmara, a equipe econômica propôs um pacote com repasses de R$ 40 bilhões e R$ 37,4 bilhões em alívio no pagamento de dívidas. O auxílio foi considerado insuficiente por estados e municípios, porque, do total de transferências, só R$ 22,5 bilhões eram livres. O restante seria carimbado para ações de saúde. O critério de distribuição também foi criticado.

3 No Senado, ajuda de R$ 120 bi e congelamento salarial

Semana passada, governo e Senado costuraram um novo desenho, com R$ 60 bilhões em transferências, sendo R$ 50 bilhões livres. Outros R$ 60 bilhões foram oferecidos em suspensão de dívidas. O critério de distribuição foi reformulado, beneficiando estados do Norte e Nordeste. Em contrapartida, a equipe econômica convenceu senadores a congelar salários de servidores por 18 meses.

4 Desidratação de ajuste fiscal no Congresso

A proposta de congelar salários não prosperou no Congresso, pressionado pelo lobby do funcionalismo. No Senado, foram poupados do ajuste profissionais de saúde e segurança pública. Na Câmara, mais categorias foram blindadas, reduzindo a economia de R$ 130 bilhões para R$ 43 bilhões, com apoio do líder do governo na Câmara. O Senado confirmou as mudanças. Agora, o presidente anunciou veto aos reajustes.