O globo, n. 31686, 08/05/2020. Segundo caderno, p. 4

 

Regina Duarte minimiza ditadura e encerra entrevista com bate-boca

Giuliana Toledo

08/05/2020

 

 

Ao vivo na TV, secretária especial da Cultura descarta demissão, irrita-se com jornalistas e diz: ‘Vocês estão desenterrando mortos, estão carregando um cemitério nas costas, fiquem leves’ 

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ABLO JACOB/4-3-2020‘Desculpem o chilique’. Regina se negou a comentar vídeo em que Maitê Proença questionava silêncio sobre mortes de artistas

 Regina Duarte, secretária especial da Cultura do governo Bolsonaro, deu declarações relativizando a ditadura e o impacto do novo coronavírus e minimizou seu silêncio sobre as mortes de artistas durante a pandemia. Além disso, encerrou a participação em entrevista o vivo ontem na rede CNN Brasil em meio a um bateboca: Regina ficou irritada quando jornalistas da emissora pediram que comentasse um vídeo enviado à produção por Maitê Proença, no qual a atriz questionava seu silêncio diante do falecimento recente de grandes nomes da cultura brasileira, como Moraes Moreira e Aldir Blanc.

A entrevista repercutiu, suscitando manifestações nas redes sociais e chegando aos assuntos mais comentados do Twitter — principalmente o trecho coma participação de Maitê. Na gravação, a atriz também pede mais medidas de socorro aos artistas diante do coronavírus e sugere que Regina converse com aclasse artística. Enquanto o vídeo passava, a secretária discutia com o repórter. Logo no começo da discussão, disse “acho baixo nível”, em referência ao uso do vídeo.

Sem ouvira mensagem da colega, Regina disse ter pensado setra tarde um vídeo antigo. No estúdio, osa presentadores avisaram que o material era de ontem. Mesmo assim, Regina não quis escutar nem reagir à fala de Maitê. “Vocês estão desenterrando mortos, estão carregando um cemitério nas costas, fiquem leves”, falou antes de encerrar a participação. “Telespectadores, desculpem o chilique.”

‘MORBIDEZ INSUPORTÁVEL’

O “cemitério nas costas” surgiu antes, quando Regina foi questionada sobre participar de um governo cujo presidente considera “heróis” alguns envolvidos em casos de prisão e tortura na ditadura militar. “Se ficar cobrando coisas que aconteceram nos anos 60, 70, 80, agente não vai para afrente ”, disse, emendando com uma cantoria da música “Para frente, Brasil”, tema da seleção na Copa do Mundo de 1970. Depois de cantar, ela diz: “Não era bom quando a gente cantava isso?”

A secretária argumentou: “Desculpa, vou falar uma coisa assim: a Humanidade não para de morrer. Se você falar vida, do lado tem morte. Por que as pessoas ficam‘ó,ó,ó ’?”, argumentou a secretária. O entrevistador pontuou: “Houve tortura, secretária. Houve censura.” Regina afirmou: “Bom, mas sempre houve tortura. Stálin! Quantas mortes! Hitler! Quantas mortes! Se agente for ficar arrastando essas mortes ...”

Sobre outros pontos da fala de Maitê, como a questão da falta de homenagens a artistas brasileiros que morreram recentemente, Regina disse que optou por mandar uma mensagem oficial para as famílias, “se não, a secretaria vira um obituário”. Mas Regina Duarte, sobre mortes e torturas durante a ditadura militar

“Sempre houve tortura. Stálin! Quantas mortes! Hitler! Quantas mortes! Se a gente for ficar arrastando essas mortes...” acrescentou: “Se eu amadurecer que isso é importante para as pessoas, posso ter no site da secretaria.”

Sobre as medidas de ajuda a artistas durante a pandemia, citou o auxílio a trabalhadores informais criado pelo governo, as instruções normativas publicadas que alteram prazos de beneficiários da Lei Rouanet e disse que a liberação de recursos do Fundo Setorial Audiovisual está a caminho. Segundo

a secretária, a burocracia que envolve seu trabalho vai ficar mais simples em breve porque um decreto de reestruturação que desliga sua área da Cidadania, deixando-a apenas no Turismo, deve ser assinado até segunda. Ao comentar o coronavírus, Regina disse também que a pandemia “está trazendo uma morbidez insuportável”. “Isso não é bom para a cabeça, não é legal.”

A secretária disse que os rumores de que seria demitida não procediam: “Nada disso. (...) As pessoas parecem ter uma vontade de me ver fora.” Sobre o áudio vazado na terça-feira no qual diz a uma interlocutora “acho que ele está me dispensando”, ela diz ter pensado que seria substituída. “Aquilo me chocou… A nomeação de mais uma pessoa (Dante Mantovani, para a presidência da Funarte, já afastado novamente) sem que eu tivesse sido consultada”, disse, sem mencionar de quem falava nem em que contexto.

Na quarta-feira, Regina confirmou sua permanência no cargo após uma reunião com o presidente. Mas disse ter conhecimento de que Bolso na rotem outros nomes cotadospara assumir o seu cargo “para oca sode acorda arrebentar ”. Não seria o seu desejo :“Estou adorando estar aqui. Tenho um projeto, quero deixar um legado.”

Nas redes, a entrevista gerou muitas reações negativas. O editor Carlos Andreazza, colunista do GLOBO, escreveu: “Regina Duarte entrou mesmo para morrer. Virou o obituário moral de si mesma.” Já a cantora Zélia Duncan comentou: “A secretária de cultura reapareceu nervosinha e áspera, como seu chefe faz, boa aluna, não? Como se ninguém tivesse direito de cobrar.” Já o escritor Michel Laub postou: “Num governo cuja cultura básica é a celebração da morte, o suicídio moral do tipo Regina Duarte ou Roberto Alvim é coerente com o cargo.”