O globo, n. 31686, 08/05/2020. País, p. 14

 

Gravação as sombras

Bela Megale

08/05/2020

 

 

Reunião citada por moro teve briga, palavrões e críticas à china

MARCOS CORREA/PR/22-4-2020Registro. A reunião do dia 22, na qual Moro afirma ter sido pressionado por Bolsonaro e mudar o diretor-geral da Polícia Federal

Autoridades presentes à reunião ministerial na qual o presidente Jair Bolsonaro pediu ao então ministro Sergio Moro mudanças na Polícia Federal afirmam que não são poucas as motivações para o governo ter pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para não entregar a íntegra do vídeo. O encontro teve palavrões, briga entre dois auxiliares e críticas à China.

Após ter pedido a reconsideração total da decisão do ministro Celso de Mello que obrigava a entrega em 72 horas, ontem a Advocacia Geral da União (AGU) solicitou que seja enviada apenas a parte mencionada por Moro em seu depoimento à Polícia Federal. A defesa do ex-ministro rebateu, afirmando que cabe aos investigadores avaliar o conteúdo de forma integral. Celso de Mello ainda não decidiu.

O evento ocorreu em 22 de abril e autoridades presentes confirmaram que o presidente falou sobre a troca de comando na Polícia Federal. Em seu depoimento, Moro disse que Bolsonaro cobrou relatórios de inteligência e a troca do diretor-geral, Maurício Valeixo, e do superintendente da PF no Rio, Carlos Henrique Oliveira. Mas outros momentos podem trazer preocupação para o governo se revelados.

Segundo relatos, Bolsonaro estava de “péssimo humor” e deu uma bronca generalizada nos ministros, falando que poderia demitir qualquer um, inclusive Moro. Aliados do presidente afirmaram também que o momento mais tenso com o ex-ministro foi quando Bolsonaro se queixou das prisões de pessoas que estavam desrespeitando o isolamento imposto por governadores e prefeitos devido à pandemia do coronavírus.

Além do embate com Moro, a reunião também teve muitos palavrões falados por Bolsonaro e críticas à China feitas por parte dos presentes. No recurso feito ao STF, a AGU afirma que “foram tratados assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de Relações Exteriores, entre outros”.

A reunião também teve uma discussão acalorada entre os ministros Paulo Guedes (Economia) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). A ala militar avalia que a publicação do vídeo seria muito ruim, pois passaria a imagem de “desarmonia” entre integrantes do governo. Guedes e Marinho tem divergido sobre o papel do governo na retomada, com o ministro do Desenvolvimento Regional defendendo aumento do investimento público.

Apesar dos relatos, aliados do presidente têm amenizado o tom da encontro, afirmado que “não viram crime na fala de Bolsonaro” e que o desejo do presidente de trocar o então diretor-geral da PF, Maurício

Valeixo, já era público.

A gravação, que Moro não detém, é uma das provas apontadas pelo ex-ministro no inquérito que apura interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal, como revelado pelo GLOBO.

SEGURANÇA NACIONAL

O ministro da Casa Civil, Braga Netto, afirmou ontem que as reuniões não são necessariamente filmadas. E que algumas vezes Bolsonaro pede para não registrar algumas partes. Disse ainda que nos encontros são tratados assuntos sobre “segurança nacional”:

—Ela pode filmar, pode não filmar, e os assuntos que são tratados ali entre os ministros muitas vezes tratam de assuntos que levam para a segurança nacional, de relações entre os países, economia, que podem repercutir pesadamente no país, tá? Então por isso é que normalmente não existe uma obrigatoriedade de se filmar.

Na petição apresentada ontem, de apenas uma página, o advogado-geral da União, José Levi, pede a Celso de Mello que a entrega “se restrinja apenas e tão-somente a eventuais elementos que sejam objeto do presente inquérito”. Anteontem, a AGU tinha pedido a reconsideração total.

A defesa de Moro apresentou manifestação rebatendo a AGU e dizendo que o órgão não pode se recusar a fornecer o vídeo e que não cabe ao investigado selecionar os trechos a serem entregues à Justiça.

“Destacar trechos que são ou não importantes para a investigação é tarefa que não pode ficar a cargo exclusivo do investigado, mormente porque tal expediente não garante a integridade do elemento de prova fornecido”, afirma a peça, assinada pelo advogado Rodrigo Rios, que representa Sergio Moro no inquérito.

Celso de Mello ainda não analisou o pedido. O prazo inicial dado por ele vencerá na segunda-feira.

A cronologia da crise no Planalto desde a gravação do dia 22

> 22/04: Sergio Moro participa de reunião com Jair Bolsonaro e ministros. O ex-juiz teria sido ameaçado de demissão pelo presidente caso não concordasse com uma nova substituição do superintendente da PF no Rio. A reunião foi gravada.

> 23/04: Após troca de mensagens pelo WhatApp, Moro e Bolsonaro se encontram no Planalto. O presidente comunica a demissão do diretor-geral da PF Maurício Valeixo.

> 24/04: Moro pede demissão e acusa Bolsonaro de querer interferir no comando da PF. O presidente nega. O exministro divulga conversas pelo WhatsApp sobre a PF entre ele e Bolsonaro, além da deputada Carla Zambelli.

> 28/04: Bolsonaro promete divulgar o vídeo da reunião. Mas não cumpre.

> 02/05: Moro presta depoimento à PF em Curitiba.

> 04/05: O procuradorgeral da República, Augusto Aras, pede que o STF ouça ministros e delegados da PF e tenha acesso ao vídeo.

> 05/05: O ministro do STF Celso de Mello dá 72h ao governo para entregar cópia do vídeo.

> 06/05: A AGU pede que Celso de Mello que reveja sua decisão.