O globo, n. 31649, 01/04/2020. Especial Coronavírus, p. 7

 

Poucos na negação

Marina Gonçalves

01/04/2020

 

 

A maioria dos líderes mundiais, mesmo os que no início demonstraram relutância em adotar medidas duras contra a pandemia do novo coronavírus, agora vem pedindo à população dos seus países que fique em casa para frear o ritmo de aumento de casos da Covid-19. Ao passar dias chamando a doença de “gripezinha” e tentar impedir o isolamento de parte da população que pode ficar em casa, alegando querer proteger a economia, o presidente Jair Bolsonaro tornou-se parte de um grupo pequeno de chefes de Estado ou de governo a minimizar a gravidade da doença—embora, no pronunciamento de ontem à noite, ele tenha ensaiado um recuo, dizendo que a epidemia “é o maior desafio de nossa geração ”.

O risco de o brasileiro ficar isolado em sua posição ficou claro na entrevista diária do seu aliado Donald Trump. Ontem, questionado por um repórter se não pensava em impor medidas contra o Brasil, já que Bolsonaro “continua muito ativo” encontrando grupos de pessoas e isso poderia pôr em risco os esforços contra a Covid-19 nos EUA, Trump respondeu, sem dar detalhes, que poderá incluir o Brasil em uma lista de países com viagens suspensas para o território americano.

— Estamos observando muitos países e suas posições. O Brasil, por exemplo, você mencionou o presidente. O Brasil não tinha problemas até há pouco tempo. Agora estão com números subindo. E sim, estamos pensando em um veto —disse o americano.

Posições próximas às que Bolsonaro vem sustentando são verbalizadas por poucos chefes de Estado, entre eles Aleksandr Lukashenko, da Bielorússia, que chegou a dizer que frequentar saunas ou beber vodca poderiam ser eficazes no combate ao coronavírus; Gurbanguly Berdimukhamedov, do Turcomenistão, que baniu o uso da palavra coronavírus; e Daniel Ortega, da Nicarágua, que convocou a população à marcha “Amor nos Temposda Covid-19”. Atualmente, mais de 3,38 bilhões de pessoas em 80 países estão confinadas em suas casas, por decreto ou voluntariamente.

Mesmo líderes que num primeiro momento relativizaram a doença voltaram atrás. É o caso do próprio Trump. Em janeiro, quando o primeiro caso foi registrado nos EUA, ele disse não estar preocupado. Quando a epidemia cresceu na Europa, ainda minimizava a doença. Finalmente, quando seu país passou a liderar o infectados no mundo, acabou se rendendo.

Boris Johnson, premier britânico, também reviu sua estratégia graças a um estudo que previu meio milhão de mortos no país caso não impusesse medidas mais rigorosas. A demora em agir na Itália, onde governos regionais impulsionaram uma campanha dizendo que a economia não poderia parar, provocou uma explosão de casos. No início de março, porém, o premier Giuseppe Conte impôs quarentena obrigatória. No México, o presidente Andrés Manuel López Obrador chegou a dizer que os mexicanos eram resistentes a calamidades, mas acabou ampliando o isolamento social nesta semana. Vladimir Putin, na Rússia, que fechou a fronteira coma China mas não tomou medidas internas, finalmente ordenou um confinamento que começou a valer ontem.

Entre os líderes que nunca questionaram os riscos da estão Benjamin Netanyahu, em Israel, e Cyril Ramaphosa, da África do Sul. Na China, depois da tentativa de líderes locais de esconder a doença, Xi Jinping adotou medidas draconianas, fechando a província de Hubei, berço da pandemia. Na Europa, o confinamento ajudou a salvar 59 mil vidas, segundo um estudo britânico. O coronavírus já deixou mais de 40 mil mortos no mundo.

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