Correio braziliense, n. 20822 , 26/05/2020. Economia, p.8

 

Rumo à explosão da dívida

Alessandra Azevedo

26/05/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Instituição Fiscal Independente alerta que rombo pode ultrapassar 100% do PIB em 2026. Só neste ano, financiamento dos gastos da União, dos estados e dos municípios atingirá algo como 86%. Estimativa é de 10 pontos percentuais a mais que o registrado em 2019

Com a crise do novo coronavírus, a dívida pública do país pode ultrapassar 100% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2026, prevê a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Só neste ano, o endividamento da União, dos estados e dos municípios para financiar os gastos orçamentários deve chegar a 86,6% de todas as riquezas produzidas no país, aumento superior a 10 pontos percentuais em relação a 2019, quando atingiu 75,8%. As projeções foram apresentadas ontem, na comissão do Congresso que acompanha as ações de combate à covid-19.

A depender da duração da crise, e da necessidade de novas medidas emergenciais, o cenário ainda pode piorar. “O país precisa estar atento, pois, mesmo com a adoção de eventuais ajustes em 2021, a dívida crescerá mais 4,5% e continuará a crescer nos próximos anos”, alertou o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto. Apenas na última semana, a previsão de rombo nas contas públicas para este ano saltou de R$ 706,4 bilhões para R$ 711,4 bilhões, pelos cálculos da instituição.

Já o PIB do país deve despencar 5,2%, com a queda da atividade econômica. A combinação entre crises econômica, social e política, segundo o economista, gera um quadro fiscal “muito desafiador”. Para conter os prejuízos futuros, Salto reforçou a importância de que as ações que aumentem gastos sejam voltadas apenas ao enfrentamento da covid-19, e não gerem despesas permanentes — como aquelas com reajustes salariais e contratações, que pressionariam os cofres públicos mesmo depois da pandemia.

Ineficiência

O governo, entretanto, não tem sido eficiente na aplicação do dinheiro destinado a conter os efeitos negativos do novo coronavírus, avalia Salto. Ele acredita que “falta um comitê central da crise”, que deveria trabalhar 24 horas por dia nessa frente. “O problema não é só colocar no Orçamento, é executar essas despesas. O que falta é questão de comando e controle”, afirmou.

“A meu ver, não é dinheiro que está faltando”, reforçou. Os gastos são permitidos e necessários, mas nem sempre chegam à ponta, explicou. Só R$ 110,2 bilhões dos R$ 274,2 bilhões de créditos extraordinários autorizados até 21 de maio foram pagos, o equivalente a 40%. Na saúde, 23% dos valores foram liberados.

“O quadro é muito grave, mas não é verdade que não se deva gastar nesse momento”, ressaltou Salto. “Sim, é o momento de gastar. Mas os gastos têm que ser temporários, porque, senão, o Estado brasileiro não vai aguentar o tranco”, avisou. A partir do ano que vem, a “lição de casa será exigente”. “Vai ter que ter aumento das receitas, corte em despesas obrigatórias e a restauração das regras fiscais. Principalmente, no que tange ao teto dos gastos públicos”, afirmou.

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Focus estima queda do PIB de quase 6%

Simone Kafruni

26/05/2020

 

 

O mercado piorou a previsão para economia brasileira e agora estima queda de 5,89% no Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Na semana passada, os economistas consultados pelo Banco Central projetavam queda de 5,12% para 2020. O reajuste para baixo é o 15º consecutivo. Os dados constam do Boletim Focus, relatório com as previsões das principais instituições financeiras do país, divulgado ontem. Para os especialistas, contudo, o tombo pode ser maior, de até 7%, a partir de revisões que serão feitas após a divulgação do PIB do primeiro trimestre, esta semana, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo o Focus, para 2021 o mercado aumentou a previsão de alta do PIB para 3,50%. Há uma semana, a estimativa era crescimento de 3,20% e, há um mês, de 3%. A taxa básica de juros teve a projeção mantida em 2,25% ao ano em 2020. Para 2021, os economistas esperam que a Selic fique em 3,29% ao ano –– na semana passada era 3,50% ao ano; há quatro semanas, estava em 4,25% ao ano.

As previsões para a inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), caíram de 1,59% para 1,57% em 2020. Para o ano que vem, o Focus projeta 3,14%, ante 3,20% na semana anterior e 3,40% há quatro semanas. A meta de inflação a ser perseguida pelo BC é de 4% em 2020, 3,75% em 2021 e 3,50% para 2022, sempre com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Por último, a expectativa do dólar para este ano foi elevada de R$ 5,28 para R$ 5,40. Para o próximo ano, espera-se a moeda a R$ 5,03.

Para o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, a previsão da instituição para o PIB está em linha com a mediana do Focus. “Nossa estimativa é queda de 5,5%, mas nosso viés é de baixa. Estamos esperando a divulgação do PIB do primeiro trimestre e vamos aproveitar a oportunidade para fazer a revisão. Acredito que vai caminhar para retração de 6,5% ou até de 7%”, disse.

A justificativa de Rosa é de que há arrefecimento nas medidas de isolamento social, que poderá provocar uma segunda onda de infecções, com necessidade de voltar a medidas mais firmes. “A atividade econômica não vai reagir de imediato, há muito desemprego, empresas fechadas, alto endividamento”, enumerou. Com isso, projetou que a queda será muito forte no segundo trimestre e a retomada mais lenta.

O diretor da Mirae Asset, Pablo Spyer, também aposta em queda do PIB bem mais forte do que a projetada pelo Focus. “O tombo vai ser de, pelo menos, 7%”, disse.