Correio braziliense, n. 20822 , 26/05/2020. Política, p.2

 

"Acredito no arquivamento natural do inquérito"

Renato Souza

Ingrid Soares

26/05/2020

 

 

INTERFERÊNCIA NA PF » Bolsonaro classifica denúncias de “levianas” e diz confiar no encerramento do caso. Presidente faz visita a Augusto Aras, responsável por decidir se o denuncia ou não. Câmera que gravou reunião ministerial é recolhida pela Polícia Federal

O presidente Jair Bolsonaro divulgou uma nota, ontem, na qual se defendeu das denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que pretendia interferir politicamente na Polícia Federal e ter acesso a relatórios de inteligência da corporação. Uma das provas das acusações, segundo o ex-juiz, é o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. A gravação foi divulgada na sexta-feira por decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramita o inquérito que investiga as denúncias.

Ontem, agentes da PF foram ao Palácio do Planalto e recolheram a câmera usada para registrar a reunião. O equipamento será periciado para que fique claro se ocorreram ou não edições no arquivo enviado pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo. A entrega foi determinada pelo ministro Celso de Mello e combinada entre a PF e o Planalto. O Correio apurou que o procedimento foi acompanhado pela AGU e que os policiais federais foram à sede do Poder Executivo com viaturas descaracterizadas.

Na nota de ontem, Bolsonaro negou ter interferido na corporação e classificou de “levianas todas as afirmações em sentido contrário”. “Os depoimentos de inúmeros delegados federais ouvidos confirmam que nunca solicitei informações a qualquer um deles. Espero responsabilidade e serenidade no trato do assunto”, frisou. O chefe do Executivo disse esperar que o inquérito contra ele no Supremo seja arquivado “por questão de justiça”.

O Palácio do Planalto divulgou a nota horas depois de Bolsonaro ter se encontrado com o procurador-geral da República, Augusto Aras. O chefe do Executivo se convidou para a posse do novo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena. A cerimônia contou com transmissão por videoconferência para as autoridades, para evitar aglomeração, e não deveria ter visitas presenciais. No entanto, o chefe do Executivo decidiu ir até o órgão se encontrar com o PGR. Aras vai decidir se apresenta ou não denúncia contra o presidente à Justiça no âmbito do inquérito que investiga as declarações de Moro. A visita incomodou procuradores, que viram no ato uma forma de pressionar o PGR.

Autoconvite

Vilhena foi empossado para o biênio 2020-2022, em substituição à procuradora Debora Duprat. Bolsonaro assistiu à videoconferência. Ao fim dela, parabenizou o procurador federal e afirmou que iria até a sede da Procuradoria-Geral da República (PGR). “É uma satisfação participar, mesmo por videoconferência, de um evento como esse. Cada vez mais, nosso MP se mostra completamente inteirado com o destino da nossa nação. (…) Se me permite a ousadia,  se me convidar, eu vou agora aí apertar a mão do nosso novo integrante desse colegiado maravilhoso aí da PGR”, disse o chefe do Planalto.

Aras respondeu, então, que Bolsonaro estava convidado. “Estaremos esperando Vossa Excelência, com a alegria de sempre”, afirmou. O presidente seguiu para o encontro. No local, ficou cerca de 10 minutos e depois retornou ao Planalto. Na PGR, a visita foi vista como uma pressão contra Aras e a instituição. “Ele fez o mesmo que fez com o Supremo, ao visitar o ministro Dias Toffoli com um grupo de empresários”, disse uma fonte na cúpula do órgão.

Na avaliação de integrantes do Ministério Público Federal, já existe materialidade suficiente para apresentar denúncia por advocacia administrativa e falsidade ideológica. “O presidente alega que ao falar que ia interferir (na segurança do Rio), como está gravado em vídeo, se referia ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional). No entanto, ele cita amigos dele, que não recebem segurança do GSI ou da Abin (Agência Brasileira de Inteligência)”, destacou um procurador. “Os depoimentos de delegados e ministros e as provas apresentadas indicam uma clara tentativa de intervenção para proteger pessoas próximas a ele. No entanto, a avaliação para apresentar denúncia será do doutor Aras. Mas até mesmo para arquivar é necessário ter boa fundamentação de que não houve crime, o que não parece ser o caso.”

Celular

O encontro fora da agenda ocorre três dias após Celso de Mello encaminhar para avaliação de Aras pedidos de apreensão do celular de Bolsonaro. Os despachos seguem curso natural de três notícias-crime que foram apresentadas por partidos políticos e por parlamentares que solicitam novas diligências para apurar se o presidente tentou interferir na PF.

Os pedidos não significam que o presidente terá o telefone apreendido. Aras fará sua avaliação sobre as solicitações, mas caberá a Celso de Mello a decisão. Ao encaminhar as notícias-crime, o ministro seguiu o que diz a lei. No entanto, o ato gerou reações no Executivo. O ministro do GSI, Augusto Heleno, afirmou que a eventual apreensão do aparelho pode ter “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

Sem lista tríplice

Augusto Aras foi escolhido por Bolsonaro, no ano passado, para comandar a PGR, sem passar pelo crivo da categoria. Uma lista tríplice eleita pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) chegou a ser apresentada ao presidente, que a ignorou, indicando para o cargo um nome fora da relação.

A nota

Veja a íntegra do texto divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro

“Diante da recente divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril do corrente ano, pontuo o seguinte:

1. Mantenho-me fiel à proteção e à defesa irrestritas do povo brasileiro, especialmente os mais humildes e aos que mais precisam. Sinto-me bem ao seu lado e jamais abrirei mão disso.

2. Nunca interferi nos trabalhos da Polícia Federal. São levianas todas as afirmações em sentido contrário. Os depoimentos de inúmeros delegados federais ouvidos confirmam que nunca solicitei informações a qualquer um deles.

3. Espero responsabilidade e serenidade no trato do assunto.

4. Por questão de Justiça, acredito no arquivamento natural do Inquérito que motivou a divulgação do vídeo.

5. Reafirmo meu compromisso e respeito com a Democracia e membros dos Poderes Legislativo e Judiciário.

6. É momento de todos se unirem. Para tanto, devemos atuar para termos uma verdadeira independência e harmonia entre as instituições da República, com respeito mútuo.

7. Por fim, ao povo brasileiro, reitero minha lealdade e compromisso com os valores e ideais democráticos que me conduziram à Presidência da República. Sempre estarei ao seu lado e jamais desistirei de lutar pela liberdade e pela democracia.”

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Planalto adminte: Moro não assinou decreto

Ingrid Soares

Sarah Teófilo

26/05/2020

 

 

Em ofício enviado à Polícia Federal no último dia 18, a Secretaria-Geral da Presidência admitiu que o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro não assinou o decreto de exoneração do então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo. A informação foi publicada pelo jornal O Globo e confirmada pelo Correio. O ofício é em resposta ao inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar acusações do ex-juiz de que o presidente Jair Bolsonaro interferiu politicamente na corporação.

Em 24 de abril, ao pedir demissão e falar sobre as interferências, Moro citou o decreto de exoneração de Valeixo — publicado no Diário Oficial da União (DOU) daquele dia com a assinatura de Bolsonaro e do então ministro —, dizendo que não havia assinado o documento, embora o nome dele constasse na exoneração. Após a declaração do ex-juiz, o governo republicou o decreto no DOU, mas sem a assinatura de Moro. No inquérito, a questão segue em apuração para definir se houve falsidade ideológica.

O Palácio do Planalto confirmou que Moro, de fato, não assinou a portaria e pontuou que “diante da manifesta contrariedade” por parte do então ministro, o ato foi republicado no DOU, já sem a assinatura dele. Na última sexta-feira, ao dar entrevista sobre a publicação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, também parte do inquérito no STF, Bolsonaro admitiu que o ex-juiz não assinou a exoneração de Valeixo.

Na nota informativa, a Secretaria-Geral disse que os atos de nomeação ou exoneração são precedidos “apenas da aprovação do ato pelo presidente da República”. “E, segundo a praxe administrativa, a publicação em Diário Oficial vem acompanhada da inclusão da referenda do ministro ou ministros que tenham relação com o ato, conforme constante no art. 87, inciso I, da Constituição”. Segundo o documento, após a publicação no DOU, quando for o caso, há a coleta da assinatura no documento físico.

O ofício da Secretaria-Geral destacou, em seguida, que “é possível atestar que não houve qualquer objetivo deliberado de parecer que o ato já havia sido assinado pelo senhor Sergio Moro” e que tal versão foi “equivocadamente divulgada”.

Em nota, a defesa de Moro pediu a apuração das circunstâncias da publicação da exoneração de Valeixo. “O ex-ministro não foi previamente consultado sobre a exoneração, com a qual, inclusive, não concordou. É preciso, portanto, a apuração das circunstâncias anormais envolvidas na publicação oficial”, diz um trecho do comunicado.

Frase

“O ex-ministro não foi previamente consultado sobre a exoneração, com a qual, inclusive, não concordou. É preciso, portanto, a apuração das circunstâncias anormais envolvidas na publicação oficial”

Trecho da nota da defesa de Moro