Correio braziliense, n. 20821 , 25/05/2020. Política, p.2/3

 

Provocação ao STF e ida a ato esvaziado

Augusto Fernandes

25/05/2020

 

 

Ainda inconformado com o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), por ter tornado público praticamente toda a gravação da reunião ministerial de 22 de abril, o presidente Jair Bolsonaro voltou a provocar o magistrado. Ontem, pelas redes sociais, ele publicou um trecho da lei de abuso de autoridade a respeito de divulgação total ou parcial de gravações.

“Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou imagem do investigado ou acusado”, diz o texto do artigo 28. Bolsonaro também publicou a pena para esse tipo infração: “Detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos”.

Desde sexta-feira, quando o decano do Supremo derrubou o sigilo do vídeo do encontro ministerial, Bolsonaro tem jogado a culpa em Celso de Mello pelo que foi dito na reunião. Durante o encontro, que durou cerca de uma hora e 40 minutos, tanto o presidente quanto alguns ministros abusaram de palavrões e xingaram governadores, prefeitos e ministros do STF.

“O vídeo para nós estava classificado como secreto, quem suspendeu o sigilo do vídeo foi o senhor Celso de Mello, então a responsabilidade de tudo naquele vídeo que não tem a ver com o inquérito é do senhor ministro do STF, Celso de Mello. Nenhum ministro meu tem responsabilidade do que foi falado ali, foi uma reunião reservada de ministros, não foi reunião aberta. E essa sempre foi a nossa prática”, reclamou Bolsonaro, também na sexta-feira, ao falar com jornalistas no Palácio da Alvorada.

Novo protesto

Ontem, Bolsonaro saiu às ruas de Brasília para participar de uma nova manifestação pró-governo, nos arredores do Palácio do Planalto. Com direito a chegada de helicóptero e caminhada pela via em frente à Praça dos Três Poderes, o mandatário ficou meia hora no local e por diversas vezes percorreu a grade de segurança para cumprimentar os manifestantes sem máscara de proteção, que agora é de uso obrigatório na capital federal.

Ele optou por ir voando da residência oficial até o Palácio do Planalto, um trajeto que de carro dura cerca de cinco minutos. Antes de pousar em uma área próxima à vice-presidência, Bolsonaro sobrevoou três vezes o trecho da Esplanada dos Ministérios onde os manifestantes estavam. Imagens aéreas publicadas nas redes sociais do próprio presidente mostraram um movimento esvaziado.

Os apoiadores seguravam cartazes com frases como “Supremo é o povo” e “o Poder emana do povo” e “o povo é Bolsonaro”. De forma isolada, alguns manifestantes exibiram cartazes contra o STF e a imprensa. “Abaixo a ditadura do STF”, dizia um dos cartazes. Em outro, uma frase classificava a imprensa como “inimiga”. A presença de mensagens de tom antidemocrático contraria orientação da semana passada, em que Bolsonaro fez chegar a lideranças do protesto pedido para não exibir faixas contra a Suprema Corte e o Congresso.

Manifestantes puxaram coros de apoio e foram acompanhados por Bolsonaro quando cantaram: “Eu sou brasileiro com muito orgulho.” Uma caixa de som segurada por um apoiador reproduziu o Hino Nacional e também trechos da fala de Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril.

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Aliança com o Centrão deixou Moro incomodado

Augusto Fernandes

25/05/2020

 

 

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro reforçou as acusações contra o presidente Jair Bolsonaro de que ele já quis interferir politicamente na Polícia Federal e disse que a atitude do mandatário de intervir na corporação por interesses próprios foi reflexo da falta de prioridade, por parte do governo federal, em implementar projetos de combate à corrupção.

Em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, na noite de ontem, Moro elencou uma série de fatores para reclamar do pouco empenho de Bolsonaro nas propostas anticorrupção, como a retirada do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça e Segurança Pública e as recentes alianças do presidente da República com políticos do Centrão com histórico de corrupção em busca de mais apoio no Congresso, às quais ele definiu como “realmente questionáveis”.

“Recentemente, nós vimos essas alianças que são realizadas com políticos que não têm um histórico totalmente positivo dentro da história da administração pública. É certo que é preciso ter alianças no parlamento para conseguir aprovar projetos. (Mas) eu acabei entendendo que não faz sentido permanecer no governo. Até porque, qual era a minha percepção, o governo se vale da minha imagem — porque eu tenho um passado firme de combate à corrupção —, e, de fato o governo, não está fazendo isso. Não está fortalecendo as instituições para o combate à corrupção”, comentou o ex-ministro.

Moro disse que tentou permanecer no governo, apesar das intrigas entre Bolsonaro e ele a respeito da Polícia Federal, que tiveram início ainda em 2019, porque ele “tinha esperança de conseguir avançar com a agenda anticorrupção”. “Mas eu fui vendo ela sendo esvaziada, e para mim a gota d’água foi essa interferência na Polícia Federal, em particular porque a PF também investiga malfeitos dos próprios governantes”, destacou.

Para o ex-ministro, a divulgação da gravação da reunião ministerial deixou muito claras as intenções de Bolsonaro em promover mudanças na PF por interesses próprios. Segundo ele, ao falar sobre “interferir” durante o encontro com o alto escalão do governo, o presidente não estava se referindo ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), visto que ela havia feito promoções no órgão semanas antes.

“Eu acho que o vídeo fala por si. Quando o presidente olha na minha direção, isso evidencia que ele estava falando desse assunto da PF. E nós temos que analisar os fatos que ocorreram anteriormente”, afirmou Moro.

Moro também revelou que se sentia incomodado pela forma com a que Bolsonaro enfrentava a pandemia do novo coronavírus à época da sua demissão, no fim de abril, e que não concordou com a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. Ele ainda opinou que Bolsonaro “tem uma posição negacionista em relação à pandemia”. 

Frase

"Recentemente, nós vimos essas alianças que são realizadas com políticos que não têm um histórico totalmente positivo dentro da história da administração pública”

Sergio Moro, ex-ministro da Justiça