Correio braziliense, n. 20819 , 23/05/2020. Economia, p.12

 

Correio braziliense, n. 20819 , 23/05/2020. Economia, p.12

Sarah Teófilo

23/05/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Câmara dos Deputados aprova mudança nas regras de falência durante a pandemia da covid-19. Proposta, que ainda vai ao Senado, amplia para R$ 100 mil o valor mínimo da dívida que permite a credores pedirem à Justiça a decretação de quebra de companhias

A Câmara dos Deputados aprovou na última quinta-feira projeto de lei que altera, em caráter transitório, as regras para falências e processos de recuperação judicial durante a pandemia do novo coronavírus. A intenção é auxiliar empresas durante o período de crise econômica. A proposta, que cria um Sistema de Prevenção à Insolvência, segue para aprovação no Senado Federal.

A lei servirá para "pessoa natural ou jurídica que exerça ou tenha por objeto o exercício de atividade econômica em nome próprio, independentemente de inscrição ou da natureza empresária da sua atividade" — ou seja, serve para empresários individuais, autônomos e pessoas jurídicas. As regras do projeto valem para situações que ocorreram desde 20 de março, quando foi publicado o decreto que reconheceu o estado de calamidade pública no Brasil em decorrência da pandemia, até 31 de dezembro deste ano, data em que o referido decreto vence.

Conforme o projeto, a partir do momento em que a lei for aprovada e passar a valer, ficarão suspensas por 30 dias as ações judiciais e extrajudiciais de execução de garantias, além da decretação de falência, a quebra unilateral de contratos ou revisão de contratos, a cobrança de multas, despejo por falta de pagamento ou outro elemento econômico do contrato. Assim, durante esse período, as partes deverão buscar acordos extrajudiciais para renegociar as dívidas, levando em consideração o cenário da pandemia do novo coronavírus.

Se, nesse prazo, não houver acordo, aquele empresário que comprovar uma redução de 30% do seu rendimento — ou valor superior a esse — poderá fazer o processo, chamado de "negociação preventiva", feito por um juiz da área de falências.

O percentual em questão precisa ser analisado com base na média da receita do último trimestre correspondente de atividade no exercício anterior. O devedor terá prazo de 60 dias para ajuizar o pedido de negociação. Ao fazer o requerimento, todas as obrigações estabelecidas em planos de recuperação judicial ou extrajudicial homologados ficam suspensos por 90 dias.

Segundo o projeto, em relação às micro e pequenas empresas, ficou definido que "todos os créditos detidos, independentemente da garantia ou natureza do crédito, estarão sujeitos aos efeitos dos procedimentos regulamentados pela lei", tendo "condições mais favoráveis em razão da vulnerabilidade".

Com base no projeto, a participação dos credores na sessão da chamada "negociação preventiva" é facultativa, "cabendo ao devedor requerente dar ciência aos credores, por qualquer meio idôneo e eficaz, sobre o início das negociações".

Ampliação
Além disso, durante o processo que será analisado por um juiz de falências, o devedor pode buscar e obter financiamento para a sua empresa ou negócio — esse valor não será computado dentro da dívida já apresentada.

O projeto também amplia de 40 salários mínimos (cerca de R$ 40 mil) para R$ 100 mil o valor mínimo para que seja pedida a falência. O devedor também poderá fazer o pedido de recuperação judicial ainda que tenha apresentado outro pedido nos últimos cinco anos. Se for extrajudicial, o prazo cai para dois anos.

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Cresce apelo à Justiça

Israel Medeiros*

23/05/2020

 

 

Diante da crise causada pelo novo coronavírus, que pode causar uma retração de 4,70% na economia brasileira, segundo o governo, especialistas estimam que o número de pedidos de recuperação judicial passará dos 4 mil. Se a estimativa se confirmar, o número de pedidos vai triplicar em relação ao de 2019, quando 1,4 empresas recorreram ao mecanismo, que garante a elas proteção temporária da Justiça contra credores em caso de dificuldade financeira.

A tendência é mundial. No último domingo, a Avianca Holdings, segunda maior companhia aérea da América Latina, teve pedido de recuperação judicial aceito pela Corte do Distrito Sul de Nova York. A empresa está em dificuldades desde o fim de 2018 — e havia passado por um processo semelhante no início dos anos 2000. Com as atividades aéreas praticamente paralisadas, a empresa pode ser a primeira grande companhia de aviação a ter falência decretada por causa da crise, caso não consiga cumprir seu plano de recuperação.

No Brasil, a recuperação judicial foi instituída pela Lei nº 11.101/2005. As organizações entram na Justiça e são obrigadas a realizar uma assembleia com credores para apresentar um plano para honrar os compromissos financeiros. Caso as medidas prometidas não sejam cumpridas, é decretada a falência.

Por causa do cenário da pandemia, em 31 de março, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma série de recomendações para flexibilizar decisões judiciais em processos de recuperação de empresas. O objetivo é garantir que elas continuem suas atividades, preservando empregos.

Euclides Ribeiro, advogado especialista em reestruturação de empresas, explica que, desde 2008, o número de requerimentos vinha dobrando ano após ano. Porém, nos últimos anos, houve estabilidade. "Tínhamos uma média de 1,4 mil recuperações por ano entre 2017 e 2019. Agora, com a queda do PIB, devemos ter um aumento. Prevemos aí mais de 4 mil recuperações neste ano. Vai ser um número muito grande, e o Poder Judiciário está pronto para lidar com isso.

Quebradeira
O advogado considerou positivas as recomendações do CNJ. "É preciso parar de exigir demais de quem não pode entregar. Se as empresas não estão produzindo, não podem tomar dinheiro ou bens. Se formos colocar tudo à base da lei, e punir severamente aqueles que não conseguem pagar, vamos quebrar muito mais empresas", pontuou.

A opinião é compartilhada pelo advogado Mateus Assunção, sócio do Sarubbi Cysneiros Advogados Associados. Para ele, por uma questão de bom senso em meio à pandemia, uma vez que se trata de uma crise generalizada, a primeira opção deveria ser a recuperação extrajudicial — na qual a empresa e os credores buscam um acordo sem interferência do Poder Judiciário.

"Não é só problema das empresas, o consumidor também está com dificuldade para consumir. Deve nascer uma cultura agora de buscar a recuperação. É interesse de todo mundo que as empresas continuem gerando empregos", disse.

 Frase
"Deve nascer uma cultura, agora, de buscar a recuperação. É interesse de todo mundo que as empresas continuem gerando empregos"
Mateus Assunção, sócio do Sarubbi Cysneiros Advogados Associados

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo

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Sartups avançam

Israel Medeiros*

23/05/2020

 

 

De acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego no Brasil chegou a 12,2% no fim de abril, antes do pico da pandemia. Isso representa 12,85 milhões de desempregados. Em meio à crise econômica que afeta o mundo inteiro e tem causado demissões em massa, juntamente com falência de empresas, alguns setores continuam contratando e expandindo operações. É o caso do setor de tecnologia, que tem visto a demanda por produtos e serviços digitais crescer graças ao isolamento social.

As gigantes Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft apresentaram resultados recordes durante a pandemia, com crescimento na utilização de seus produtos. No Brasil, startups e companhias de tecnologia também estão conseguindo driblar as adversidades e gerar empregos.

É o caso da Convenia, uma startup que oferece soluções em automatização de serviços relacionados à gestão de pessoal e recursos humanos. Ela faz parte de um grupo de empresas do ramo tecnologia que anunciaram novas vagas na última semana. Ao todo, são 269 disponíveis em seis empresas para programadores, desenvolvedores, vendedores, profissionais de marketing, analistas de SEO, gerentes de crescimento, entre outros.

Marcelo Furtado, cofundador da Convenia, explica que a empresa passou por três fases distintas desde o começo da pandemia. No início da quarentena, o impacto nos negócios foi praticamente nulo. Mesmo assim, a empresa agiu de forma conservadora e parou as contratações no fim de março. Já em abril, resultados negativos começaram a aparecer, com clientes cancelando contratos ou buscando renegociação. Em maio, no entanto, as contratações foram retomadas.

"Começamos a ter mais venda do que antes da pandemia, porque as empresas estão buscando a digitalização. Durante esse período, também aprimoramos nosso produto, oferecendo novos recursos e possibilidades para a gestão de pessoas. Temos vagas para várias áreas, algumas chegando a receber mil candidatos", contou.

Distanciamento
O empresário explicou, também, que a startup implementava soluções remotas nas contratações de funcionários antes da pandemia. Mas, com o isolamento social, encontraram formas de substituir ritos presenciais por soluções a distância. Segundo ele, a capacidade de inovação e adaptação é uma característica das empresas do setor startups. "Startups têm inovação na veia. A gente se adapta rápido ao cliente, à situação", pontuou.

Para Daiane Peretti, gerente de pessoas do Olist — startup de Curitiba que ajuda varejistas e grandes marcas a venderem mais —, a quarentena tem promovido mudanças nos hábitos de compra das pessoas. Isso reflete em um maior número de usuários nas plataformas on-line, em busca de soluções. A Olist tem um aplicativo que permite a qualquer pessoa montar sua vitrine on-line rapidamente. "A solução vem ajudando muitos lojistas que precisaram fechar durante a pandemia", conta.

4 mil
Número estimado de pedidos de recuperação judicial este ano

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo